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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019
Resenha Filme: História de um Casamento
Quando eu tinha uns sete ou oito anos, eu assisti Kramer vs. Kramer. Era um sábado de tarde, e eu não lembro ao certo em que canal eu vi o filme, mas àquela altura dos anos 80, sábados de tarde só tinha filmes na Globo ou no SBT, então foi em um ou no outro. O que eu sei que lembro, é que, apesar de não entender muito bem os pormenores do divórcio, eu torci pro Dustin Hoffman, e fiquei com pena dele tanto por sua falta de jeito pra fazer torradas francesas, quanto por ele ganhar menos que Maryl Streep e ter vergonha de admitir na audiência de custódia.
Eu provavelmente assisti Kramer vs. Kramer novamente ao longo dos anos. Tenho quase certeza absoluta de que revi o filme, já adulto, em companhia de minha irmã em algum momento, mas aquela primeira impressão da minha infância jamais se apagou, e eu me lembro de, quando via o nome do longa em listas de filmes mais importantes ou influente do Século XX, eu pensava "É verdade..." dada a maneira como o filme me marcou quando eu o assisti enquanto brincava com meus bonecos Comandos em Ação sentado no chão do quarto dos meus pais.
Kramer vs. Kramer é um filme de 1979, e depois de 40 anos, coube a Noah Baumbach, diretor responsável por Frances Ha, Margot e o Casamento e A Lula e a Baleia (também uma história sobre divórcio) fazer o primeiro filme capaz de rivalizar com o longa de Robert Benton.
História de um Casamento abre com Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson) lendo cartas que escreveram enfatizando as qualidades que mais gostam um no outro.
É com a narração em off dos dois personagens que sabemos um pouco mais a respeito deles, enquanto Nicole nos conta que Charlie é criativo, inteligente, adora acordar de madrugada pra cuidar do filho dos dois, come como se fossem roubar sua comida e é extremamente competitivo, e Charlie nos conta de Nicole ouve demais às pessoas, é corajosa, realmente brinca com o filho, jamais fecha um armário, e é extremamente competitiva. Os dois escreveram essas cartas ressaltando as qualidades que mais gostam um no outro como um exercício para um mediador que o casal está vendo em Nova York. Charlie e Nicole estão casados há cerca de dez anos, ela é atriz, ele é o diretor de uma companhia de teatro off-Broadway e após anos construindo uma vida juntos o casamento dos dois passa por uma violenta turbulência. E as coisas pioram quando Nicole viaja a Los Angeles para gravar um piloto de série de TV e leva o filho do casal com ela. Ao visitá-los na casa da mãe de Nicole (Julie Hagerty), Charlie recebe os papéis do divórcio e a notícia de que Nicole planeja viver em Los Angeles e manter o filho com ela.
A partir daí tudo começa a mudar na vida dos dois conforme Charlie precisa correr de costa a costa para demonstrar seu interesse pelo bem-estar do filho em Los Angeles enquanto tenta montar uma peça em Nova York e as agruras cada vez mais rancorosas e pessoais do processo legal paulatinamente transformam ele e Nicole em pessoas que eles não eram.
Talvez o maior elogio que se possa fazer a Noah Baumbach e a História de um Casamento é o de que um filme menos competente e corajoso poderia facilmente ter escolhido um protagonista como mocinho do filme e demonizado o outro para que a audiência soubesse exatamente para quem torcer. Mas o longa não o faz porque sua história é exatamente a respeito de como o divórcio desperta o pior nas pessoas.
Outro trunfo do roteiro é a maneira como passamos tempo com os dois personagens igualmente, isso nos permite ver o melhor e o pior tanto de Nicole quanto de Charlie, e é claro que todos nós seremos capazes de simpatizar mais com um personagem ou com o outro dependendo de nossas personalidades e backgrounds, mas o longa funciona muito melhor se não o fizermos.
As performances de Scarlett Johansson e Adam Driver ajudam muito nesse sentido.
O casal protagonista está simplesmente brilhante no longa e as indicações de ambos ao Globo de Ouro, ontem, devem ser apenas a primeira vez que ambos serão lembrados na temporada de premiações que se avizinha. O trabalho dos dois protagonistas é sensacional, cheio de complexidade e honestidade. Os dois ganham grandes monólogos que mastigam com gosto e têm uma cena juntos, quando abrem os portões do inferno e deixam todo o rancor escapar e é sensacional.
Os dois protagonistas são os donos do filme, sem sombra de dúvidas, mas ainda há espaço para alguns coadjuvantes darem seu recado. Além de Julie Hagerty ainda temos (o eterno Vizzini) Wallace Shawn, Merrit Wever, Alan Alda, que interpreta o compreensivo e complacente advogado de Charlie, e Laura Dern e Ray Liotta que botam pra foder como dois tubarões legais capazes de gelar a espinha de qualquer advogado que esteja do outro lado do balcão (aliás, tremendamente injusto que Dern tenha sido indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante e Liotta, não.).
A única coisa que realmente não funciona em História de um Casamento é o filho do casal, Henry. O personagem do pequeno Azhy Robertson é simplesmente irritante o tempo todo e eu francamente não sei se é porque Baumbach não sabe escrever crianças ou se é porque ele sabe escrevê-las bem demais. De uma forma ou de outra eu não sei por que alguém iria brigar pra ficar mais tempo com esse pirralho insuportável.
Ainda assim, História de um Casamento é um filme brilhante, seu roteiro, direção e atuações são sublimes, e ainda que ele seja um filme permeado de raiva e sentimentos negativos de parte a parte, ele ainda encontra espaço para humor, para compaixão e entendimento em face do fato de que as pessoas cometem erros. De que a falibilidade é, provavelmente, a mais intrínseca característica das pessoas e que nós estamos fadados a magoar as pessoas que amamos e sermos magoados por elas. Noah Baumbach pensou muito em Nicole e Charlie, e graças a ele, Scarlet Johansson e Adam Driver nós nos importamos com esses dois personagens, também, e ao final das duas horas e dezesseis minutos de filme, continuamos esperando que eles se entendam. Que eles se recuperem. Que eles sejam felizes.
E se isso não é um triunfo absoluto, então eu não sei mais o que é.
Assista.
O longa está disponível na Netflix.
"-Advogados criminais veem o melhor em pessoas más, advogados de divórcio veem o pior em pessoas boas."
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