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terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Top-10 Cinema 2019

Se no ano passado eu fui pouco ao cinema, acredito que nesse ano eu tenha ido ainda menos.
Novamente eu aluguei filmes em profusão, e assisti um bocado de filmes em serviços de streaming que tem se tornado a saída não apenas para diretores incapazes de disputar espaço nas salas de exibição com os blockbusters fabricados sob encomenda pelos grandes estúdios. Mas a verdade é que o cinema vem perdendo espaço entre minhas formas de entretenimento favoritas. Eu assisti muito mais séries. Me apaixonei pelo Smithsonian Channel, e li avidamente livros sobre História e ciência e as republicações encadernadas d'A Espada Selvagem de Conan...
Ainda assim, não passei um final de semana sem ver ao menos uns três ou quatro filmes, embora venha preferindo rever longas que já havia assistido do que arriscar duas horas da minha vida com más apostas, ainda assim, consegui ficar em dúvida sobre quais filmes comporiam tanto minha lista de melhores quanto de piores do ano, o que fiz, ao menos na lista de melhores, com um pingo de peso na consciência.
À lista:

10 - Meu Nome é Dolemite


Eddie Murphy finalmente ganha um veículo capaz de devolver-lhe ao posto de astro de Hollywood em Meu Nome é Dolemite, a arejada e irônica biografia do comediante Rudy Ray Moore, um aspirante a showman fracassado que acertou na loteria ao criar o cafetão lutador de king-fu que se comunicava através de rimas profanas Dolemite.
Eu francamente não lembro quando fora a última vez que eu havia rido assistindo a um filme de Eddie Murphy, e nem quando fora a última vez que ele pareceu estar trabalhando com gosto. Despido de vaidades e estrelismos Murphy se mantém gorducho e sorridente para contar não apenas a história de vira-lata dando certo de Moore, mas também da família de amigos que o ajudaram a realizar seu sonho no palco e nas telonas (incluindo o excelente ladrão de cenas Wesley Snipes). Embrulhado em uma gloriosa coleção de ternos e chapéus coloridíssimos e brandindo uma bengala para amparar seu gingado Murphy torna a história de Moore a sua própria, uma declaração de excelência em comédia e mostrando que ainda tem um lugar garantido no rol dos maiores comediantes de Hollywood.

9 - John Wick: Parabellum


Quem poderia imaginar que um filme de vingança com cara dos longas de Charles Bronson nos anos 1980 poderia fazer não apenas Keanu Reeves ser redescoberto por Hollywood, mas dar origem a uma muito bem sucedida franquia e até a uma nova forma de fazer filmes de ação?
John Wick - De Volta ao Jogo fez tudo isso, e continuou fazendo em John Wick: Um Novo Dia para Matar e seguiu em Parabellum, terceiro longa da franquia de Chad Stahelski que está nesta lista menos pela história que narra (que incorre tanto em alguns furos quanto em uma vasta demanda por suspensão de descrença) e mais por seu estilo e personalidade. Da sequência inicial que tem o protagonista enfrentando hordas da matadores usando facas, machados, pistolas cavalos e livros como arma até o violento combate a três no encerramento do longa, John Wick: Parabellum é uma aula de como dizer tudo a respeito de seus personagens sem precisar falar a respeito. As ações de cada arquétipo que dá as caras na tela é testemunho de quem essas pessoas são, e ninguém fala menos e age mais do que John Wick;
O assassino é trazido a vida por um Keanu Reeves que abraça com gosto a fisicalidade de um papel com cada soco, tiro, facada e pontapé em um longa que vive por seus exageros, está orgulhoso deles, e os usa para pintar com pinceladas de sangue o retrato do anti-herói definitivo do cinema contemporâneo.


8 - História de um Casamento


O cataclismo devastador do divórcio conforme ele obriga as metades de um casal a reconfigurarem suas noções de si ao se apartarem é vista pela lente de Noah Baumbach de maneira agonizante, tocante e por vezes hilária no que é provavelmente o filme mais humano de 2019. Cada decisão tomada pelos personagens, cada palavra dita por eles, cada emoção que eles transmitem parece genuína, honesta e verdadeira conforme a separação de Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson), que começa civilizada, amigável, até, paulatinamente se transforma em algo medonho conforme a influência dos advogados gananciosos e egoístas começa a mudar a percepção de ambos sobre o caso, transformando a decisão sobre a guarda do filho do casal em um cabo de guerra que ameaça matar tudo o que já houve de bom entre o casal.
O roteiro afiado de Baumbach e sua direção cheia de closes de mágoa e raiva nos mostra os protagonistas navegando por um mar de ressentimento até uma explosiva confrontação final.
Poucos filmes foram tão tão competentes na hora de retratar emoções, e muito do crédito recai sobre Johansson e Driver, que estão simplesmente devastadores em suas performances seja sozinhos, seja duelando em cena.

7 - Homem-Aranha: No Aranhaverso


A cada ano que passa o gênero de filmes de super-heróis se aproxima mais de um muro. E 2019 poderia ser o ano em que essa barreira foi alcançada com o inacreditavelmente enorme Vingadores: Ultimato.
Os filmes de super-heróis não ficarão maiores do que aquilo. Ponto.
Mas enquanto o gênero ameaça colapsar sob o peso de suas ambições financeiras inversamente proporcionais à suas ambições artísticas, a Sony deu uma tremenda bola dentro ao dar luz verde para um filme de super-herói que é ambicioso e criativo e surpreendente como nós ainda não havíamos visto.
A melhor animação desse ano (a Pixar que me desculpe) é tecnicamente magnífica, uma lindíssima sinfonia animada que mistura quadrinhos dos anos 60 com grafite e computação gráfica que vai muito além de uma mídia historicamente associada ao entretenimento infantil para narrar a história de Miles Morales (Shameik Moore) por uma Nova York que se vê subitamente destituída de seu maior protetor. Quando Miles recebe a ajuda e o treinamento de um Peter Parker de 42 anos que é arrastado até seu universo em meio a uma crise de meia-idade que é possivelmente o mais sofisticado retrato de um super-herói nas telonas, o longa recebe um tremendo upgrade em sua ternura conforme somos levados a uma aventura encabeçada por meia-dúzia de homens-aranha enfrentando uma vasta galeria de vilões alternativos.
Se nada disso funcionasse, Homem-Aranha: No Aranhaverso ainda seria alicerçado na maior e mais bela carta de amor que o mais popular herói dos quadrinhos jamais recebeu.

6 - Ad Astra


Piratas na Lua, babuínos assassinos em gravidade zero, comércio espacial e quedas da estratosfera em direção à Terra... Ad Astra pegou as coisas mais familiares de ficções científicas convencionais e encheu de uma nova vida que elevou o filme muito além de seus pares.
O major Roy McBride (Brad Pitt) parte em uma jornada rumo ao espaço profundo em busca do pai, Clifford (Tommy Lee Jones) que ele julgava estar morto. Parece, mesmo, uma ficção científica tradicional, mas o diretor James Grey apresenta sua história de uma maneira singular, misturando elementos familiares e novos de maneira que o longa seja ao mesmo tempo familiar e surpreendente em sua visão da história de um homem desesperado por comunhão investigando o firmamento em busca do pai ausente que o abandonou.
Esse amálgama mantém a audiência se perguntando se está gostando do filme, ou não, sem conseguir tirar os olhos da tela conforme a história se desenrola até que o final chega e nós conseguimos ver o retrato completo de uma maneira tão pujante e significativa quanto silenciosa, tão ítmima quanto majestosa.
Adicione a tudo isso uma das melhores performances da carreira de Brad Pitt, conseguindo a proeza de ocultar um perceptível turbilhão de dor sob uma superfície de calma quase patológica, efeitos visuais espetaculares, direção e cinematografia na ponta dos cascos e nós temos uma das melhores ficções científicas em anos.

5 - Green Book: O Guia


Existe um certo tipo de cinema feito para mexer com as emoções e expectativas da plateia de uma maneira quase mecânica em sua previsibilidade e que ainda assim, não conseguimos odiar.
Green Book: O Guia, longa de Peter Farelly em uma rara jornada cinematográfica sem o seu irmão Bobby é um dos mais claros exemplos desse tipo de filme, aqueles onde nós somos capazes de antever tudo o que irá acontecer na próxima cena, mas ao invés de ficarmos aborrecidos ou desapontados com isso, damos um sorriso. É o tipo de história edificante que mexe com as aspirações mais puras que até o mais cínico de nós tem, de que podemos todos ser melhores.
Claro, apenas isso talvez não fosse o suficiente para narrar a aventura do pianista clássico Don Shirley e do brutamontes ítalo-americano Tony Vallelonga em sua turnê pelo sul dos Estados Unidos, mas Farelly fez o certo e cercou-se de dois atores sensacionais para os papéis principais do longa: Mahershala Ali e Viggo Mortensen.
Os dois intérpretes elevam Green Book: O Guia muito acima do que o longa seria com atores menores no elenco principal, e tornam aqueles sorrisos da audiência a cada curva segura do caminho mais abertos e sinceros. Talvez o Oscar de Melhor Filme tenha sido um exagero para Green Book (agora Peter Farelly tem dois Oscar, e Martin Scorsese tem um...), mas a culpa não é do longa. É um filme calculado e seguro, sim, mas um sentimento honesto com o qual a audiência permanece muito tempo depois de assistir.

4 - Era Uma Vez em... Hollywood


A história de dois caubóis da TV dos anos cinquenta que estão envelhecendo e se tornando irrelevantes a passos largos até recuperarem a auto-estima por tempo o suficiente para deitar a porrada em uns hippies sujos e proteger uma linda loira grávida da morte certa pode parecer um bocado reacionária.
Talvez isso explique a crítica especializada estar tão dividida com relação ao nono longa de Quentin Tarantino, que irritou todo o pessoal do politicamente correto com seu retrato de Bruce Lee e do movimento hippie e sua misoginia e blá, blá, blá...
As pessoas parecem não ter entendido que Era Uma Vez em... Hollywood não é um manifesto de intenções de nenhuma espécie, mas uma viagem estilo anos 1960 do que poderia ter sido. Uma colagem fetichista da Hollywood dos anos 1960 que usa a morte de Sharon Tate nas mãos da família Manson para simbolizar o fim da inocência no cinemão hollywoodiano e imaginar como seria se heróis desse mesmo cinemão moribundo pudessem ter feito algo para evitar a tragédia em um desfecho que é tão eufórico e excessivo quanto de cortar o coração.
Tarantino cria uma história para examinar um momento no mundo dos cinemas que criaram seu vasto e obscuro rol de referências em uma Hollywood dos anos 1960 que é visivelmente um de seus trabalhos mais apaixonados e cheios de compaixão em anos, apresentando as histórias interligadas de um astro cujo tempo passou e uma estrela em ascensão para quem tudo é fresco e novo para preservar um momento no tempo que representa a beleza das coisas que estão fadadas a mudar.

3 - Coringa


Outro filme que não foi totalmente compreendido pela crítica especializada e vilipendiado tanto pela turma do politicamente correto quanto pelos reaças de plantão no que, pra mim, é testemunho de seus acertos, Coringa foi o filme de gibis de que até Martin Scorsese seria capaz de gostar tanto por sua abordagem com os pés cravados na realidade quanto por render homenagens abertas ao tipo de cinema que Scorsese inaugurou na década de 1970.
O longa de Todd Phillips foi mal-visto por liberais que temiam a "potencialização da cultura incel" e a violência praticada por homens brancos, e por conservadores preocupados com a mensagem de "guerra de classes" que o longa trazia embrulhada, mas Coringa não é a respeito disso.
O longa co-escrito por Scott Phillips é uma história sobre uma alma torturada que não encontra seu lugar no mundo. Sobre o que a cultura de olhar apenas para seu próprio umbigo pode fazer com pessoas que são ignoradas pelo sistema e por seus semelhantes e sobre até onde uma pessoa pode afundar na auto-piedade quando não tem a quem recorrer.
Para nos guiar por essa descida rumo às profundezas da loucura Todd Phillips conseguiu Joaquin Phoenix que encheu Arthur Fleck de nuances e humanidade permitindo que a figura retorcida e desesperada em cena jamais parecesse um completo vilão, mas sim uma pessoa que jamais recebeu a ajuda de que precisava até estar além de qualquer resgate

2 - O Irlandês


Construído ao redor do presumido assassinato do líder sindical Jimmy Hoffa em 1975, o longa de três horas e meia de duração de Martin Scorsese é notável tanto pelo que tem quanto pelo que não tem, no caso, o longa não tem grandes sequências de câmera única como a entrada de Ray Liotta e Lorraine Bracco no night club em Os Bons Companheiros, não tem sequências brutais de violência gráfica e nem canções dos Stones em sua trilha sonora para aumentar a adrenalina.
O Irlandês é um exercício de abnegação de Scorsese que retira de cena seus truques e movimentos mais habituais para permitir que seu elenco nos mostre a história de Frank Sheeran (Robert De Niro), que narra de uma cadeira de rodas em uma casa de repouso católica a sua vida como caminhoneiro, matador eventual da máfia e líder sindical. A vida de Sheeran é repleta de arrependimentos, não pelo que foi feito, mas pelo que foi feito e não foi sentido.
Sob a batuta de Scorsese O Irlandês jamais tenta se esconder atrás de movimentos exaltados ou saídas fáceis, mas acompanha o ritmo de seu elenco que envelhece a olhos vistos diante da audiência graças a maquiagem digital e prática para garantir que o longa jamais deixe de parecer a narrativa de um ancião olhando para trás.
Com um elenco soberbo encabeçado por De Niro, Al Pacino e um soberbo Joe Pesci O Irlandês é mais uma aula de cinema de Martin Scorsese e mais um tijolo na gloriosa edificação de um dos cineastas fundamentais não apenas de nosso tempo, mas da sétima arte como um todo.

1 - Vingadores: Ultimato


Martin Scorsese tem todo o direito de dizer o que quiser a respeito dos filmes da Marvel, e pronto.
Scorsese é o maior diretor de cinema em atividade no mundo hoje e se ele não gosta dos filmes o mínimo que qualquer pessoa com dois neurônios tem que fazer é respeitar a opinião do sujeito, por mais que discorde dela.
Uma das coisas que Scorsese disse quando explicou porque não gosta dos filmes do MCU foi que os atores eram incapazes de transmitir emoção por conta da falta de profundidade dos roteiros.
Bem, nesse ponto eu discordo de Marty. Havia gente chorando literalmente tão alto no final de Ultimato na sessão em que vi o filme que outros espectadores ficavam pedindo silêncio.
Os melhores filmes fazem a audiência sentir alguma coisa, seja tristeza, alegria excitação ou ansiedade, arte capaz de extrair emoção genuína da plateia é especial, e com Vingadores: Ultimato, nós sentimos tudo isso, e mais. Ás vezes ao mesmo tempo, e isso torna o filme mais do que especial. O torna mágico.
Enquanto ponto culminante de um empreendimento que se estende a onze anos e vinte e dois longas-metragens Vingadores: Ultimato tem tudo aquilo que a audiência queria ver. Tudo o que a audiência esperava ver. E coisas que a audiência jamais pensou que veria. Tudo embrulhado em uma única e espetacular embalagem. Para conseguir fazer tudo isso em um único filme os diretores Joe e Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely criaram um trabalho em uma escala que o cinema viu em poucas ocasiões. Os atores, em especial os seis Vingadores originais, criaram um nível de gravidade que elevou o material, e enquanto momento imenso após momento imenso rolavam um sobre o próximo em uma bola de neve que se tornaria uma das maiores (senão a maior) sequência de ação da história do cinema, nós só podíamos olhar maravilhados não apenas para esse filme, mas para toda a história que nos trouxe até aqui. De Homem de Ferro a Capitã Marvel, todos os vinte e dois longas do MCU têm DNA em Ultimato. Um longa que, mais do que um filme mágico, é seu próprio universo mágico.

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