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terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Resenha Game: Death Stranding


Eu deveria ter feito esta resenha já há algumas semanas, mas a verdade é que Death Stranding é um jogo tão longo quanto ambicioso, e que tem um primeiro ato tão arrastado que após concluir o segundo capítulo, eu resolvi jogar Jedi Fallen Order antes de dar sequência à aventura de Sam Porter Bridges para reconectar os Estados Unidos após um evento de proporções cataclísmicas chamado de Death Stranding (algo que poderia ser traduzido meio porcamente como "encalhe da morte".), o momento em que o mundo dos mortos e o mundo dos vivos se chocaram causando uma série de explosões que eliminaram uma enorme parcela da população dos EUA. Tudo o que restou foram pequenas cidades-estado amuradas sem nenhum contato umas com as outras.
Isso cria a necessidade imediata da presença dos portadores, pessoas que entregam suprimentos se arriscando para trilhar os perigosos trechos abandonados entre as cidades e fazer a ponte entre os assentamentos.
É onde entra Sam (Norman Reedus).
Sam desenvolveu uma tremenda reputação como um dos melhores portadores em atividade, e é incumbido pela presidente dos EUA, que também acontece de ser sua mãe (Lindsey Wagner, a Mulher Biônica), a viajar através das ruínas da América para trazer todas essas cidades isoladas de volta ao seio do governo federal através de um revolucionário sistema de conexão.
É um trabalho importante. A presidente inclusive diz que, se a humanidade não se unir, ela não sobreviverá.
Mas o processo de reconectar a civilização é infinitamente mais tedioso do que parece. Sam anda daqui pra lá, e de lá pra cá perguntando em cada cidade se eles querem fazer parte dos EUA, e então os coloca de volta na grade usando aquele colar que apareceu nos trailers. Alguns administradores das cidades são mais difíceis de convencer, pedindo alguns favores antes de permitir que Sam os reconecte, e assim que eles aceitam e voltam à grade, Sam retoma seu caminho rumo ao oeste.
Sim. Em seu início Death Stranding é basicamente um simulador de caminhada, um jogo inteiro feito daquelas missões que nós geralmente odiamos em games, quando temos que seguir alguém a determinada distância, ou levar alguma coisa para algum lugar. Como Sam geralmente está carregando um mundaréu de caixas nas costas, braços e pernas, sua marcha se torna instável a ponto de qualquer inclinação ou pedrinha no terreno ser o suficiente para desequilibrá-lo e fazê-lo cair jogando suas encomendas pelos ares.
Não há um sistema de locomoção como o de Assassin's Creed ou Homem-Aranha, a física deve ser levada em consideração a cada passo sob o risco de danificar as infinitas caixas acopladas ao traje de Sam.
As primeiras horas de Death Stranding (cerca de DEZ das primeiras horas) são usadas para familiarizar o jogador com esse sistema de caminhada e explicar o lore do jogo (ao menos o essencial) através de longas e melodramáticas sequências animadas. Como é praxe para jogos japoneses em geral, de Hideo Kojima em particular, essas cenas são excessivas em todos os aspectos, com os personagens frequentemente repetindo os pontos considerados nevrálgicos pelo roteiro de novo e de novo tornando a narrativa terrivelmente arrastada.
O roteiro é tão excessivo, tão feito para sair da boca de personagens de anime, que frequentemente avacalha performances sólidas de atores mais comprometidos, casos de Reedus, Wagner e Léa Seidoux, que simplesmente não conseguem entregar o texto demasiado verborrágico com a emoção que o jogo obviamente tinha em mente, ao menos é assim para com a narrativa principal, seu apocalipse de fantasmas de gosma preta que deixam "mãogadas" pelo chão e todo o falatório técnico a respeito de cristais, criptobiótes, BTs e BBs. Há, no entanto, pequenas histórias com as quais nos deparamos durante a peregrinação de Sam que são realmente tocantes.
Após cerca de dez horas de apresentação de mecânicas e estrutura que provavelmente são as mais fracas da história de um jogo triplo A, na qual nós simplesmente somos enviados de um lugar pro outro carregando motores, caixas cheias de porra e até defuntos, finalmente o jogo começa a engrenar e então, surpresa:
É isso que o jogo continua sendo.
Death Stranding é todo a respeito de carregar caixas do ponto A ao ponto B e vice e versa.
Não há nem mesmo uma grande árvore de talentos para preencher e andar pelo do mesmo mundo tocando o horror em todos os safados, vivos ou mortos, que tentarem meter a mão com Sam. Ele começa e termina o game com as mesmas habilidades à exceção de algumas engenhocas que facilitam a vida e um pouco mais de capacidade de carga.
Mesmo o combate enfatiza a falta de habilidades de Sam.
Ele se dá melhor evitando a pancadaria do que caindo nela.
O maior perigo do jogo são os BTs, fantasmas gosmentos que até podem ser enfrentados, mas que, idealmente, devem ser evitados andando muito devagar e em silêncio. Seres humanos não são capazes de ver BTs, mas os BBs (o famoso bebê na garrafa que virou combustível de fake news de parte da comunidade religiosa brasileira), são.
Os BBs sã conectados ao braço mecânico pendurado nas costas de Sam e apontam os BTs para Sam evitá-los ou atacá-los com suas granadas de sangue e excremento (sério).
E, enquanto Sam pouco evolui ao longo de Death Stranding, o mundo ao redor dele, por outro lado...
O sistema mais ou menos online de Death Stranding permite quase-interações entre os jogadores. Enquanto saía da segunda "Knot City" do jogo, incumbido de levar recursos para a Fazenda de Vento, resolvi esticar uma escada por cima de um rio (após ter que correr atrás de carga perdida tentando caminhar por dentro d'água). Minha escada ficou onde eu a havia deixado, e, quando voltei, percebi que ao menos outros seis jogadores a haviam usado e deixado um like na minha ponte improvisada. Em um local particularmente propenso ao surgimento de BTs, uma série de ganchos e cordas, escadas e pontes foram armadas por outros jogadores, criando um caminho alternativo que podia ser trilhado evitando as aparições.
Essas estruturas surgem apenas após a região ter sido conectada à rede, e mudam consideravelmente para pior o lindo cenário no qual o jogo ocorre (uma ambientação com cara de Escandinávia que está entre as mais belas que os videogames já viram), mas facilitam de maneira inegável as entregas e criam um genuíno senso de comunidade.
Quando começamos a aproveitar esse senso de comunidade, o simulador de Über Eats mais elaborado do mundo começa a se tornar um jogo muito mais aprazível e convidativo, ainda que, eventualmente, nós sejamos confrontados com novas cut scenes cheias de falatório sem sentido aqui e ali, até o final do game que, novamente, se torna uma sucessão de horas de tédio envolvendo longas animações repletas de exposição para tentar amarrar todas as pontas soltas da intricada história do game e batalhas sonolentas contra chefões.
Sob essa ótica, Death Stranding é uma estranha mistura de dois games diferentes, ou de um game muito divertido com um sistema online assíncrono que torna ajudar os outros e ser ajudado uma experiência realmente recompensadora e um filme muito esquisito, chato e comprido.
A prineira parte é a que funciona, mas as duas ocupam medidas iguais de tempo no jogo porque Hideo Kojima é um brilhante diretor de games, mas é acima de tudo um apaixonado pelas narrativas que cria, para o bem ou para o mal.
A despeito das inegáveis falhas de Death Stranding, a mera proposta do jogo, algo tão absolutamente diferente de tudo o mais que vemos nas estantes das lojas, tão único e certo do que quer apresentar, por si só, já valeria uma espiada. Há um grande jogo em Death Stranding, é uma pena que ele esteja sanduichado por uma história confusa e por vezes irritante.

"-Sam Porter Bridges... O homem que entrega."

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