Pesquisar este blog

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Resenha DVD: Nebraska


A imagem de abertura de Nebraska, com Woody Grant (Bruce Dern) andando com dificuldade pelo acostamento de uma rodovia de Montana até ser parado por um policial preocupado com aquele idoso dividindo espaço com os automóveis poderia ser uma carta de intenções e tanto do que se trata o filme de Alexander Payne (o rei dos road movies por trás de As Confissões de Schmidt, Sideways e Os Descendentes).
Naquela tomada, na dificuldade de Woody para andar, em sua dificuldade para respirar, na sua forma lacônica de responder com gestos óbvios aos questionamentos do policial que o interpela, existe uma decadência quase palpável.
O cenário urbano, a decrepitude do corpo de Woody em sua dificuldade para andar e de sua mente em sua incapacidade de ser claro com relação ao que quer (ou não quer) expressar... Tudo serviria para evocar um determinado tipo de aura, e apresentar um certo tipo de filme.
Mas não tema.
Há mais em Nebraska do que decrepitude e decadência.
Woody é um veterano da guerra da Coréia, mecânico aposentado que vive em Billings, Montana com sua esposa Kate (June Squibb), aparentemente apenas esperando que a demência o consuma.
Os sinais de demência começam a parecer mais fortes conforme Woody começa a fugir de casa, obrigando seu filho David (Will Forte, do Saturday Night Live) a sair do trabalho para procurá-lo nas ruas, ou apanhá-lo na delegacia.
Woody, porém, sabe pra onde quer ir.
Após receber uma carta de uma empresa de marketing oferecendo assinaturas de revista e a promessa de um prêmio de um milhão de dólares, Woody encasqueta de viajar até Lincoln, Nebraska, para apanhar, em pessoa, seu prêmio.
Sem que Kate ou seu filho mais velho, Ross (Bob Odenkirk, de Breaking Bad), consigam demovê-lo da ideia e convecê-lo de que se trata de um obvio golpe, David decide levar o pai a Lincoln, tanto para fazer sua vontade quanto para passar algum tempo com o velho e, por que, não? Se afastar um pouco dos próprios problemas.
David acabou de terminar um relacionamento de dois anos, trabalha como vendedor em uma loja de aparelhos de som e está entrando em uma crise de meia idade. Passar alguns dias na estrada com seu pai não parece uma ideia horrível.
A caminho de Lincoln, os dois acabam passando um final de semana na cidade natal de Woody, Hawthorne, onde sua chegada resulta em uma inesperada reunião de família e reencontros com velhos amigos como Ed Pegram (Stacy Keach).
A notícia de que ele se tornou "um milionário" porém, corre ligeira pela cidade, parecendo despertar o que há de pior em todos, mas, ao mesmo tempo, a viagem serve para David aprender um pouco mais sobre seu pai, e vê-lo além do alcoólatra de poucas palavras, encontrando na cidade natal de Woody uma insuspeita história de vida de um homem que sofreu na guerra, teve uma vida amorosa conturbada, e era reconhecido pela generosidade e ingenuidade, dessa forma, contrariando a impressão gerada por aquela imagem inicial, Nebraska deixa de ser a respeito de decrepitude ou decadência, ou mesmo a tristeza do delírio de fortuna do personagem central, mas sim uma bela história sobre sua vida oculta, seu passado e a surpresa de seu filho ao descobri-la.
Com um trabalho excepcional de Bruce Dern, demolidor como Woody, transitando entre o velho frágil, o rabugento e o aéreo com segurança, além dele, June Squibb está ótima como sua desbocada e enfurecida esposa, Kate, roubando a cena em várias ocasiões.
Forte e Odenkirk também vão bem, e Stacy Keach já entrou pro rol da fama dos sujeitos nojentos.
A direção de Payne é segura e tranquila, mesmo dirigindo um script que não foi escrito por ele (mas por Bob Nelson), algo raro em sua carreira, o cineasta está em seu ambiente com velhos solitários e adultos maduros passando por momentos de desilusão e solidão, e a linda fotografia em preto e branco de Phedon Papamichael é um bônus maneiro, emprestando estilo à paisagem monótona e feia de uma América tão decrépita e judiada quanto seus protagonistas.
Entre direção segura, bom roteiro, história tocante, bela fotografia e ótimo trabalho de elenco, não há muito que se dizer:
Assista Nebraska. Vale muito a pena.

"-Como foi que você e a mamãe acabaram se casando?
-Ela queria.
-E você, não?
-Eu pensei, pro inferno...
-E você alguma vez se arrependeu de ter casado com ela?
-O tempo todo."

Nenhum comentário:

Postar um comentário