Pesquisar este blog

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Resenha DVD: Mandela - O Caminho Para a Liberdade


Cinebiografia não é uma seara das mais fáceis de trilhar no cinema. Não é raro ver filmes que prometiam contar a história de vida de uma personalidade se diluir na reverência e se transformar em um incompleto e desonesto veículo de promoção de uma única faceta do biografado. Os recentes Jobs e Somos Tão Jovens são exemplos bem claros desse tipo de biografia chapa-branca xaropona que é recorrente no cinema em geral, e praticamente regra no cinema brasileiro.
Havia uma grande chance de que, na hora de transformar em filme a autobiografia de Nelson Mandela, uma das personalidades mais importantes do Século XX, o diretor Justin Chadwick (A Outra) e o roteirista William Nicholson (Gladiador, Os Miseráveis) ficassem inclinados a adular a lenda do pacifista que transformou a África do Sul do apartheid na Nação Arco-Íris. Foi, afinal de contas, mais ou menos o que Clint Eastwood fez no excelente Invictus, e deu certo pro Clint...
Por sorte, Chadwick e Nicholson resolveram seguir um outro caminho, um pouco mais honesto e que, se não chega a ser controverso, ao menos não é panfletário.
Mandela - O Caminho Para a Liberdade mostra a vida de Nelson Mandela (Idris Elba) desde a suas origens tribais Xhosa, e sua vida como um jovem advogado nos anos 40 e 50.
Nessa fase, temos a oportunidade de ver um Nelson Mandela diferente da versão no inconsciente de todo o mundo.
Ao invés do velho gentil de cabelos grisalhos e fala pausada, vemos um homem vigoroso e divertido, praticante de boxe, sempre atrás de um rabo de saia, interessado em prosperar em seu ofício e deixando o preconceito dos africâneres e bôeres restrito apenas à sua vida profissional. Isso muda após Mandela ter um amigo assassinado pela polícia Sul-Africana ao ser preso por não possuir um passe, documento símbolo do apartheid.
Unindo-se ao Congresso Nacional Africano (ANC na sigla em inglês), Mandela sobre rapidamente na cadeia de comando do partido, o que o afasta de sua esposa Evelyn (Terry Pheto) e de seus dois filhos, o que culmina com seu divórcio e um segundo casamento, com a enfermeira Winnie Mandikizela (o pitéu Naomie Harris).
E se inicialmente Mandela acreditava em formas não-violentas de obter direitos civis para a maioria negra da Africa do Sul, essa crença muda radicalmente após o massacre de Sharpeville, em 1960, quando a polícia abre fogo contra manifestantes desarmados matando 69 pessoas e ferindo quase duzentas.
A partir desse momento, o CNA permite a criação de um braço armado, a Umkhonto we Sizwe, ou Lança da Nação, responsável por atentados a bomba e atos de sabotagem em resposta à violência do governo sul-africano contra os cidadãos negros.
Após anos vivendo na clandestinidade, Mandela é preso em 1962, e em 64, é condenado à prisão perpétua, pena a ser cumprida na prisão da Ilha Robben.
A partir daí, Mandela - O Caminho Para a Liberdade, que havia sido ligeiro, quase apressado, se torna um filme de ritmo bem mais lento.
Dividindo-se entre o crescimento e amadurecimento de Mandela no cárcere, tornando-se um mestre zen na arte de superar as agruras do isolamento do mundo na prisão, e desenvolvendo a persona política conciliadora que se tornaria sua marca registrada após sair da prisão, aprendendo tudo sobre seus captores, da cultura e língua africâner até os nomes dos filhos de seus carcereiros, e a atribulada vida de Winnie Mandela enquanto seu marido estava preso.
Winnie não ficou sentada lamentando o destino de Nelson. Ela própria foi vítima de perseguição racial e política, mas, ao contrário de Mandela, encontrou no ódio por seus opressores a força para se manter viva, tornando-se, ao menos no longa metragem, praticamente o Malcom X do Martin Luther King do protagonista.
Essa diferença de visão se torna uma tensão praticamente palpável quando a prisão de Mandela começa a afrouxar na segunda metade dos anos oitenta, e ele inicia seu processo de negociação com a minoria branca no poder ao se aproximar do presidente Frederik DeKlerk (Gys de Villiers), seu antecessor no comando do país.
Muito do que funciona em Mandela - O Caminho Para a Liberdade, está na atuação do casal protagonista.
Naomie Harris é intensa no papel de Winnie, que o roteiro tenta não demonizar, mas ao mesmo tempo, não se esforça para absolver, de modo que, por mais que a atriz se esforce para tornar a personagem compreensível à audiência (e ela é), ela se torna "malvada" quando comparada ao Mandela de Idris Elba.
Mesmo com Chadwick e Nicholson trazendo à luz momentos menos grandiosos de Mandela, como os casos extra-conjugais durante o seu primeiro casamento, o momento "bon vivant" após o divórcio, a morte de um correligionário durante um dos atos de sabotagem engendrados por ele, e sua relação complicada com a segunda esposa, o homem que passa quase trinta anos preso e sai disposto a perdoar seus captores e construir um país com eles é poderoso demais para ser ignorado, de modo que seus desvios de caráter, servem apenas para torná-lo mais humano, e, por consequência, ainda mais admirável.
E Idris Elba faz um trabalho excepcional no papel de protagonista,
Seu estilo maroto de personificar o político na juventude é particularmente bem sucedido à medida em que, mesmo retratando um Mandela muito distante daquele que todos conhecem, ainda é reconhecível no gestual e na forma de falar, e a maneira como, conforme seu personagem vai envelhecendo na prisão, ele incorpora os trejeitos mais famosos do Mandela real, é particularmente inteligente, ajudando o ator a se sobressair mesmo com um trabalho de maquiagem apenas OK.
No final das contas, Mandela - O Caminho Para a Liberdade é melhor do que a média das cinebiografias, não permitindo que o respeito ou a reverência pelo biografado se torne mais importante do que a história de vida de uma pessoa de verdade, e isso, por si só, já é um êxito.
Felizmente, não é o único.
A direção reverente mas não demais, de Chadwick, o bom roteiro de Nicholson e o trabalho do elenco encabeçado por Elba e Harris (mais Tony Kgoroge, Riaad Moosa, Jamie Bartlett, Lindiwe Matshikiza e Deon Lotz) tornam o longa metragem uma homenagem digna e justa ao herói que retrata.
Assista. Vale a locação, e Nelson Mandela certamente merece a deferência.

"Eu trilhei um longo caminho para a liberdade. Tem sido um caminho solitário, e que ainda está por terminar. Eu sei que meu país não foi feito para ser uma terra de ódio. Ninguém nasce odiando outra pessoa por conta da cor de sua pele. As pessoas aprendem a odiar. Elas podem ser ensinadas a amar. Pois o amor vem mais naturalmente ao coração humano."

2 comentários:

  1. Esse homem é mais que um líder da Paz, foi um homem de coragem, fibra e persistência nós seus ideais. A demonstração pública de que se alguém tem um sonho, ele tem possibilidade de ser materializado, basta querer. Sua vida foi para essa luta.

    ResponderExcluir
  2. Legal, Bem loco, Bem loco, Empolgante...

    ResponderExcluir