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segunda-feira, 22 de junho de 2020

Resenha Game: The Last of Us Part II


Em 2013, a Naughty Dog lançou The Last of Us, um game de horror de sobrevivência que, em sua superfície, pouco diferia de outros jogos do gênero. Ele trocava o habitual apocalipse zumbi por uma pandemia de escala global após o fungo cordyceps, que existe de verdade e ataca insetos e outros artrópodes, sofrer uma mutação e começar a afetar pessoas. Em alguns anos, mais de 60% da população mundial foi derrotada pela doença, a civilização como conhecemos deixou de existir. Alguns dos remanescentes da sociedade se dividiram em zonas de quarentena controladas pelas forças armadas, enquanto outros passaram a viver como bandoleiros e salteadores nas ruínas de cidades abandonadas infestadas pelos infectados.
Como eu disse, na superfície The Last of Us não parece muito diferente de outros games desse tipo, mas apenas na superfície.
No game, nós conhecíamos e explorávamos esse mundo pelos olhos de Joel, um contrabandista que aceitava a missão de transportar a jovem Ellie, uma adolescente imune à doença, para fora da zona militarizada no que eventualmente se transformava em uma viagem através dos EUA onde o sobrevivente nato tocado pela tragédia e a menina que nascera depois do fim do mundo se conectavam em uma das relações mais humanas que os games já viram.
The Last of Us foi um estrondoso sucesso, recebeu prêmios e láureas, vendeu horrores, rendeu um dos melhores DLCs já lançados e mostrou que a Naughty Dog podia fazer ainda mais do que a série Uncharted.
Sete anos se passaram e na última quinta-feira eu estava comprando The Last of Us Part II, sequência que vem experimentando atribulações desde antes de seu lançamento, com atrasos e adiamentos, equipe reclamando do regime de trabalho extenuante e até a divulgação de segredos da trama na internet semanas antes da chegada do game às lojas.
E, se eu fiquei chateado com cada um dos adiamentos do game, por outro lado consegui me manter totalmente alheio aos spoilers do jogo, de modo que, quando liguei meu PS4 na última quinta à noite, praticamente tudo era uma novidade pra mim.
The Last of Us Part II começa com Joel confessando a Tommy os eventos transcorridos no hospital de Salt Lake City no final do jogo anterior. Os irmãos estão vivendo em Jackson, no Wyoming, na comunidade que vimos no capítulo Outono do jogo anterior.
É uma vida de trabalho duro e patrulhas constantes para livrar a comunidade de infectados errantes, mas é uma boa vida. Daí, o game corta para cinco anos mais tarde. Ellie, agora com dezenove anos está começando a participar das patrulhas, namora com Dina, outra jovem da cidade, e está, aparentemente, brigada com Joel. A rotina da jovem é alterada de maneira drástica e incontornável após a chegada de Abby.
Abby é outra jovem sobrevivente, e em sua passagem por Jackson, ela comete um crime e passa a ser seguida por Ellie, que deseja fazê-la pagar não importa o custo.
As coisas, porém, não serão fáceis. Abby vive em Seattle, e faz parte da Frente de Libertação de Washington (WLF na sigla em inglês), um grupo para-militar que está em guerra com os Seraphitas, uma comunidade religiosa ao estilo amish com quem disputam territórios, e para encontrá-la, Ellie terá que mergulhar de cabeça no meio do conflito entre esses dois grupos, além de ter que lidar com as hordas de infectados espalhados pela cidade em uma jornada que levará a jovem que já foi a esperança da humanidade às mais sombrias profundezas do inferno que é o desejo de vingança...
Em termos de jogabilidade, The Last of Us Part II mantém o sistema redondinho do primeiro jogo, com comandos simples e eficientes e combate permitindo abordagens variadas de acordo com o estilo do jogador. Há novos tipos de inimigos tanto do lado dos infectados quanto dos humanos sãos, e sua inteligência artificial foi turbinada, o que aumenta sensivelmente o desafio, especialmente ao se enfrentar inimigos múltiplos. Há algumas novidades entre as armas, como as bombas de tonteio e os silenciadores, e o sistema de manuais de sobrevivência existente no primeiro game foi reformado, com cada um dos livros encontrados liberando uma nova árvore de habilidades para o jogador expandir com os suplementos espalhados pelo jogo.
Algumas sessões do game são pequenos mundos "semi-abertos" com uma esperta engenharia de fase que permite uma boa dose de exploração. A exploração, por sinal, agora conta com a possibilidade de quebrar janelas e vitrines e fazer rapel ou escalar paredes usando cordas, nos dando a oportunidade de aproveitar a beleza de ambientes internos e externos belamente renderizados.
Graficamente, The Last of Us Part II não chega a ser para o PS4 o que o primeiro game foi para o PS3 no sentido de espremer de forma inédita até a última gota de potencial do console, mas certamente faz um trabalho sensacional em retornar aos píncaros que já havíamos visto em Horizon, Uncharted 4 e Homem-Aranha, por exemplo, com figuras humanas transbordando expressão e texturas e efeitos de luz e sombra lindos, mas a exemplo do primeiro game, o grande trunfo de The Last of Us Part II é sua narrativa.
O game é uma montanha-russa de emoções conflitantes, de largada ele me deixou revoltado, furioso, e mais ou menos na metade, eu me senti esbofeteado na cara, apenas para ser, paulatinamente, conduzido em uma guilty trip de proporções bíblicas conforme era surpreendido por uma mudança de ponto de vista durante o decorrer da trama.
E não me entenda errado, há inúmeras seções do game que são de destruir os nervos. períodos de tensão cavalar que te fazem ficar na ponta do sofá e sentir o coração pulsando na gargante com a adrenalina, mas o momento em que o andamento da história é puxado de baixo dos teus pés é em mesma medida revoltante e genial... Provavelmente o tipo de coisa que Rian Johnson queria fazer em Os Últimos Jedi, e não soube como.
Eu não li reviews de The Last of Us Part II, eu não li comentários a respeito, mas vi que o jogo está sendo vilipendiado no Metacritic, e eu francamente não entendo por que. Talvez as pessoas que leram os spoilers do game entrem na experiência já com uma inclinação hostil ao jogo, talvez a panfletária (e, segundo alguns, hipócrita) agenda política de Neil Druckmann incomode parte da audiência, talvez algumas pessoas não gostem dos eventos que colocam a trama do jogo em movimento e talvez alguns gamers não gostem de protagonistas femininas, eu não sei, mas eu achei o jogo fenomenal...
Ele frequentemente parece um chute nas gônadas, mas no bom sentido, pela forma como sua narrativa nos pega desprevenidos e nos desarma de maneira inapelável, pela forma como ele começa sendo uma narrativa sobre ódio, mas termina sendo uma história sobre amor entre pais e filhas...
É possível que The Last of Us Part II não seja um jogo pra todo mundo, e ninguém é forçado a jogá-lo, mas se tu resolver experimentar, o faça despido de prejulgamentos, e se deixe afetar pela trama.
É um jogaço.

"-Se de algum modo o Senhor me desse uma segunda chance naquele momento... Eu faria tudo de novo."

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Top 10 Casa do Capita: As Melhores Comédias Românticas do Cinema

E, novamente chegamos ao dia dos namorados. É hora de sentar no sofá, no escuro, segurar o rosto entre as mãos e passar a noite se lamuriando por não ter ninguém ao seu lado, ou furar a quarentena, ir jantar fora com a pessoa amada e vocês dois pegarem Covid-19 e morrerem, ou, quem sabe, ficar em casa, pedir pizza e trocar presentes comprados pela internet enquanto assistem a um filminho romântico...
Para auxiliar os optantes por essa última alternativa, nesse ano, vamos elencar dez dos melhores representantes do sub-gênero mais popular dos filmes de amor: As comédias românticas, em mais um infame top-10 Casa do Capita.
À lista:

10 - Ressaca de Amor (Nicholas Stoller, 2008)


O longa mais recente da minha lista é mais velho que a minha sobrinha, o que faz com que eu me sinta irremediavelmente um ancião. De toda a sorte, ainda que Ressaca de Amor (tenebrosa tradução do título original, Esquecendo Sarah Marshall) seja provavelmente o filme mais engraçado da lista, não é difícil imaginar pessoas torcendo o nariz para sua presença aqui.
Ainda assim, o longa de Nicholas Stroller, co-roteirizado pelo protagonista Jason Segel, é um dos mais honestos retratos de como uma situação ruim, mas familiar, pode impedir uma pessoa de tentar encontrar felicidade verdadeira.
Na trama, Peter Bretter (Segel) é dispensado pela namorada, a estrela de TV Sarah Marshall (Kristen Bell). Na tentativa de esquecer o pé na bunda, Peter resolve passar férias no Havaí apenas para descobrir que Sarah e seu novo namorado, o roqueiro inglês Aldous Snow (Russel Brand, praticamente interpretando a si próprio, e ótimo no papel), estão hospedados no mesmo resort que ele.
Se inicialmente a situação parece um pesadelo de proporções bíblicas, logo Peter se vê partindo pra outra e flertando com a adorável recepcionista do hotel (uma Mila Kunis transbordando doçura e beleza).
À primeira vista parece bastante convencional, mas além de ser uma comédia romântica para um determinado estado de espírito, Ressaca de Amor ainda tem um inspirado elenco de apoio que conta com Jonah Hill, Paul Rudd e Bill Hader, cada fala do filme é repleta de propósito cômico, e o jantar no terceiro ato do filme é um daqueles festivais de desconforto alheio dos quais a gente ri, nem que seja de nervoso. Adicione-se a isso a trágica balada a respeito do coração partido do Conde Drácula, e eu tenho certeza de que a presença de Ressaca de Amor nesse top-10 se torna mais do que merecida.

9 - Procura-se Amy (Kevin Smith, 1997)


Existia uma sensibilidade nos trabalhos iniciais de Kevin Smith que, certa vez, fez a revista Set considerá-lo um dos jovens diretores de cinema mais promissores em atividade, e chegar a citá-lo como o sujeito que melhor falava de relacionamentos desde Woody Allen.
Claro, todos nós sabemos que, eventualmente, Smith resolveu que queria ganhar a vida como nerd profissional ao invés de cineasta, e, que bom pra ele. O nativo de Nova Jersey continua fazendo filmes aqui e ali, ele recentemente lançou um Jay & Silent Bob Reboot, mais uma visita ao mundo de suas comédias mais rasgadas, e flertou com estilos variados, fazendo filmes de terror e suspense, como Red State e The Walrus, mas provavelmente o ponto mais alto de carreira de Smith, junto com Barrados no Shopping, seja Procura-se Amy, onde o autor de quadrinhos underground Holden (Ben Affleck) se apaixona pela colega Alyssa (Joey Lauren Adams), apenas para ficar arrasado ao descobrir que ela é lésbica.
Isso, no entanto, não o impede de começar uma amizade com ela, e, à revelia das advertências de seu amigo Banky (Jason Lee) eventualmente, um relacionamento romântico que parece fadado à tragédia.
Rodado a toque de caixa por Smith com seus amigos e namorada nos papéis principais, Procura-se Amy é um longa verborrágico, todo galgado nos diálogos de seus personagens que gentilmente revela a hipocrisia que cerca relações amorosas, ultrapassando os clichês tradicionais do gênero e se concentrando nas inseguranças que todos os seres humanos, sejam gay ou hétero, inevitavelmente compartilham.

8 - Um Lugar Chamado Notting Hill (Roger Michell, 1999)


Um Lugar Chamado Notting Hill provavelmente nem é a minha comédia romântica favorita com Hugh Grant, meio que o garoto-propaganda do gênero (Eu, francamente, prefiro Um Grande Garoto...). Ainda assim, a simplicidade da trama do longa escrito por Richard Curtis, que faz com que Anna Scott (Julia Roberts) a estrela de cinema mais famosa do mundo, se apaixone pelo sujeito comum que tem uma loja de livros de viagem no bairro de Notting Hill, em Londres e, mais do que isso, o faça sendo apenas uma garota, em frente a um garoto, pedindo que ele a ame, elevam o filme muito além do básico.
A auto-piedade quase patológica de Grant e a estridência por vezes excessiva de Roberts os tornam opostos que a audiência acredita que possam se atrair graças ao trabalho do diretor Roger Michell e de Curtis, que calibram a história de Anna e Will de maneira quase imaculada, fazendo com que o longa seja um campeão de reprises na TV a cabo que eu quase sempre acabo revendo, seja pelo exercício de nonsense da sequência com as entrevistas para a revista Cavalos & Cães de Caça, seja pela maneira como Rhys Ifans eleva a tendência do "amigo excêntrico" a níveis estratosféricos ou pelo restante do encantador elenco de apoio que ajudam a carregar o longa até a obrigatória corrida no clímax que se tornou uma das epítomes do gênero.

7 - Uma Linda Mulher (Gary Marshall, 1990)


Olha a Julia Roberts aí, de novo... E no filme que colocou a ruiva e seu enorme sorriso, no mapa das estrelas Hollywoodianas com o tipo da história a respeito de uma puta com coração de ouro que só a Disney poderia financiar.
A variação de Minha Bela Dama que troca a florista de Londres por uma prostituta de Los Angeles é turbinada, em grande parte, pela presença de Roberts, então uma novata metendo o pé na porta de Hollywood, e de Richard Gere, então um dos galãs fundamentais do cinemão norte-americano contando a história da prostituta Vivian, que aceita três mil dólares para ser a acompanhante do homem de negócios milionário Edward durante uma semana.
A despeito de sua história mais do que previsível, o diretor Gary Marshall conseguiu tirar uns coelhos da cartola para turbinar o charme do filme, a começar pela inegável química do casal protagonista, uma série de atores competentes interpretando coadjuvantes gostáveis (como Laura San Giácomo e Hector Elizondo) ou detestáveis (o George Costanza Jason Alexander dando aula de como ser asqueroso), tudo embrulhado em romance com R maiúsculo pra nenhuma tia velha botar defeito, em um dos longas que ajudou a consolidar a fórmula das comédias românticas dos anos 90, que se tornaria a regra a partir de então.

6 - O Diário de Bridget Jones (Sharon Maguire, 2001)


Eu já devo ter dito antes, aqui mesmo nesse espaço, que Bridget Jones é uma das personagens femininas fundamentais da sétima arte. A personagem que é apresentada à audiência de pijama, comendo bolo e tomando vinho ao som de "All by Myself" é uma hipérbole com a qual quase todas as mulheres parecem ser capazes de se relacionar em algum nível.
Por isso, apenas, o primeiro dos três filmes estrelados pela loira já mereceria uma menção honrosa em qualquer lista de comédias românticas, mas há mais do que a heroína vivida por Renée Zellweger e sua busca por melhorar como pessoa e encontrar o amor antes dos quarenta nesses filmes.
Apesar de muita gente detonar as sequências, eu, pessoalmente, gosto igualmente de todas as partes da trilogia Jones, ainda que seja inegável que o longa inaugural é a grande primeira impressão da série, com o estabelecimento do divertido triângulo amoroso de Bridget, Daniel Cleaver (Hugh Grant, de novo...) e Mark Darcy (Colin Firth), e repleto de momentos memoráveis como a sopa azul, blusões de natal feios, uma das melhores cenas de luta mal coreografadas da história do cinema, além de um clímax de de comédia romântica tão satisfatório quanto absurdo, com a rechonchudinha Bridget perseguindo o amado pelas ruas nevadas de Londres usando apenas uma jaqueta, tênis e calcinhas de zebra.

5 - Simplesmente Amor (Richard Curtis, 2003)


É bem provável que "a comédia romântica definitiva" esteja em um posto mais alto da lista de muitos leitores. Eu mesmo adoro Simplesmente Amor, tenho o filme na estante e sempre que ele está passando na TV, eu acabo vendo ao menos por algum tempo.
A grande força do longa do papa do gênero Richard Curtis, sua enorme quantidade de personagens (praticamente todos os atores britânicos vagamente relevantes aparecem no filme, geralmente usando um grande blusão de gola rolê) e linhas narrativas paralelas que confluem para a apoteótica véspera de natal, também é, em parte, sua fraqueza.
Por vezes parece que nós não estamos vendo um filme, mas uma coleção de trechos de filmes. Há um claro desequilíbrio entre essas pequenas histórias, com algumas excelentes, como a do roqueiro decadente Billy Mac, de Bill Nighy, ou o terno romance ininteligível de Colin Firth e Lúcia Moniz, e outras, como a do jovem garçom Colin viajando para os EUA para comer americanas encantadas com seu sotaque, nem tanto... Ainda assim, é bem provável que apenas os muito azedos se incomodem com isso o suficiente para deixar o longa de 2003 de fora de uma lista desse tipo.


4 - Jerry Maguire: A Grande Virada (Cameron Crowe, 1996)


Jerry Maguire, talvez não se encaixe, propriamente, nos parâmetros mais restritivos de uma comédia romântica prototípica porque há muita coisa acontecendo no longa de Cameron Crowe o tempo todo, de modo que o romance, por vezes, fica relegado ao segundo ou terceiro plano.
Essa impressão, porém, só dura até o momento em que o roteiro reconduz os personagens e a audiência de volta até a preocupação com o papel que nós permitimos que o amor desempenhe em nossas vidas, por mais competitiva, cínica, egoísta e incompleta que essa vida possa ser.
Interpretado com um desespero implosivo por um Tom Cruise em um dos melhores momentos de sua carreira, Jerry Maguire é um agente esportivo que se descobre tendo uma crise de consciência com a falta de coração de sua profissão que lhe custa o emprego. A única pessoa que o segue é a secretária Dorothy Boyd (Renée Zellweger exibindo uma apaixonante mistura de fragilidade e pés cravados no chão). As histórias dos dois se entrelaçam e, se separam e se atam novamente enquanto os dois são puxados pra longe um do outro seja pelas circunstâncias profissionais, seja pelas inseguranças de um ou do outro, até o desfecho que poucas comédias românticas convencionais teriam colhão pra entregar, com o glorioso momento de auto-afirmação definitivo em que Jerry percebe que a única coisa que faz essa vida de merda valer a pena é o amor. "Eu estou procurando a minha esposa.", e, claro, o clássico "você me ganhou no olá".


3 - Embriagado de Amor (Paul Thomas Anderson, 2002)


O frenético quase musical a respeito de pessoas violentas e isoladas que descobrem que não precisam se condenar à própria tristeza e solidão é Paul Thomas Anderson destilando emoção em quantidades industriais e engarrafando em um terno azul.
Barry Egan é uma genial criação de Adam Sandler, que pega seus tradicionais acessos de fúria lhes dá uma função ao não permitir que eles tenham pra onde explodir.
Nada de ganhar torneios de golfe, nada de lutar com tenores ou de perseguir valentões irlandeses. Ele precisa conduzir uma pequena empresa, lidar com trocentas irmãs e com um buraco do tamanho do Havaí em seu coração.
E então surge Lena Leonard (Emily Watson), que olha para Barry e ao invés de ver um desajustado qualquer, vê harmonia. O desejo dela dá início a uma história de amor que nubla os sentidos dando ao filme uma cara de sonho que jamais se desfaz, tornando totalmente aceitável que os personagens ajam da maneira que agem. As oportunidades abundam como milhas aéreas oferecidas com pudim no mercado, e todos têm o poder de entrar em um avião e perseguir seu amor antes que ele se vá, e tornar-se mais forte do que qualquer operador de tele sexo possa imaginar.

2 - Feitiço do Tempo (Harold Ramis, 1993)


Frequentemente imitado ou referenciado o clássico dirigido por Harold Ramis é, sem sombra de dúvida, um dos filmes mais reassistíveis dessa lista.
E, se o espectador assistir esse longa vezes o suficiente, ele inevitavelmente irá descobrir, ao menos, três coisas: Que Bill Murray é um dos maiores protagonistas cômicos do cinema, capaz de ancorar um longa inteiro apenas com seu talento, que o filme é carregado de uma pujante e casual lição de vida que fica no meio do caminho entre A Felicidade Não se Compra e filosofia budista que de alguma forma faz sentido na complexidade e simplicidade de suas ideias, com o protagonista sendo seu próprio pior obstáculo e a sua gentil produtora a motivação para que ele aprenda a viver além de si próprio, ou ainda que o roteiro que usa o poder narrativo do cinema de uma forma que nenhuma comédia mainstream jamais havia feito até então para nos mostrar o insuportável homem do tempo Phil (Murray) preso na cidade de Paunxotawney em um dia da Marmota que se repete aparentemente ad eternum, até ele perceber que está se apaixonando pela sua produtora, a doce Rita (Andy McDowell).
Seja como for, o verdadeiro segredo de O Feitiço do Tempo é que, não importa se tu está vendo pela primeira vez ou pela quadragésima, o filme sempre deixa um sorriso na nossa cara.

1 - Harry & Sally: Feitos Um para o Outro (Rob Reiner, 1989)


Os clássicos não morrem jamais.
O diretor Rob Reiner e a roteirista Nora Ephron não fizeram apenas uma comédia romântica. O gênero existe desde a época do cinema mudo, afinal de contas, mas eles certamente estabeleceram as regras que ainda hoje regem esse gênero.
Não basta a coleção de frases que permanecem na cabeça da audiência ainda hoje é capaz de recitar de cabeça, o longa ainda tem uma apaixonante Meg Ryan com seus cabelos que parecem plumas, suas ombreiras e seus jeans com cintura no pescoço, e um Billy Cristal surpreendentemente charmoso com sua misantropia inclemente e com quem Ryan partilha uma química tão neurótica quanto inegável e que, francamente, poucas vezes foi repetida em um filme.
Some-se a isso o humor seco que Carrie Fisher empresta à melhor amiga de Sally, Marie, que eventualmente começa a namorar o melhor amigo de Harry, Jess, vivido por Bruno Kirby e nós temos um esforço de ternura ímpar de Reiner e Cia., que jamais pesa a mão no sentimentalismo e nem tampouco sonega risadas.
Homens e mulheres podem ser amigos ou o sexo sempre estará entre eles?
Nós talvez jamais tenhamos uma resposta definitiva, mas ver Harry e Sally tentando responder a essa pergunta certamente é um bom programa.

quinta-feira, 4 de junho de 2020

(In)Adaptável


A reabertura da cidade já vinha acontecendo há alguns dias.
Os comércios, antes com as cortinas de ferro fechadas vinte e quatro horas por dia, já tinham recebido autorização para reabrir as portas durante horários pré-determinados e receber clientes, e os lojistas, ansiosos por tentarem recuperar um pouco do prejuízo dos mais de dois meses parados, estavam a mil com atendentes postados nas portas dos estabelecimentos usando máscaras, escudos faciais de acrílico e aspergindo álcool gel nas mãos de todos os clientes em potencial, e as ruas do Centro voltavam a se encher com pessoas de todos os formatos e tamanhos que vagueavam pelas calçadas da Rua da Praia com suas máscaras, fosse aplicadas corretamente sobre nariz e boca, fosse pendurada em uma das orelhas ou puxadas pro pescoço porque aparentemente as pessoas não gostam de usar máscaras, mesmo as mais feias, que poderiam se valer de manter a cara escondida, insistem em deixar a carranca à vista de todas, ignorando os benefícios de criar ao menos uma sombra de dúvida em que os vislumbra mascarados.
Ele andava pela rua após o trabalho e a academia com a máscara devidamente colocada sobre nariz e boca, e óculos escuros. Era tanto uma medida de proteção sanitária quanto o realismo de alguém que sabia fazer parte de um clube de homens que se beneficia de ter menos do rosto à mostra e ainda uma pequena satisfação de poder andar por aí praticamente vestido de Soldado Invernal.
Ele não sofrera em demasia durante o encerramento da pandemia. Sentira falta de lançamentos de cinema, sem dúvida, e sentira na carcaça molenga a falta de sessenta dias de academia ao dar-se conta que breves sessões diárias de flexões de braço, abdominais e quatro quilômetros de corrida antes do amanhecer não substituíam a rotina de exercícios à qual se habituara nos últimos anos.
Fora isso, tivera a quarentena quase como férias. Jogara videogame, assistira documentários, lera quadrinhos e livros... Só não foi exatamente igual a férias porque ele aproveitara o tempo para se dedicar com mais afinco aos estudos transformados em EAD, e não chegou nem perto de viajar para o litoral, mas fora isso... Férias, basicamente.
Agora já estava novamente habituado à nova rotina. Máscara, álcool gel, mãos lavadas o tempo todo...
Rapidamente transformara todas as facetas do "novo normal" em rotina. Até seus temores de que não seria capaz de frequentar a academia usando máscara provaram-se infundados. Ele tinha uma capacidade quase mutante de transformar qualquer coisa em rotina.
Ás vezes gostaria que fosse menos.
Questionava-se se não seria melhor ser mais inconformado.
Mas a verdade é que não era conformado. Era realista, disciplinado e extremamente adaptável.
Pensava justamente nisso voltando para a casa como sempre fazia no final da tarde, antevendo a hora em que sentaria em casa para assistir um documentário a respeito do caça japonês Zero na Segunda Guerra Mundial após ver os três noticiários que assistia depois do banho quando um cheiro muito gostoso invadiu suas narinas mesmo estando devidamente mascarado.
De imediato pensou que o cheiro era muito gostoso, mas não conseguiu identificar de que era.
Na sequência, percebeu que o cheiro o fazia lembrar de algo...
De alguém...
Levantou o cabeça e tirou os óculos procurando a fonte da fragrância e percebeu que estava diante de dois estabelecimentos que partilhavam uma parede na mesma calçada, um salão de beleza e uma confeitaria.
Sorriu sob a máscara e recolocou os óculos enquanto se lembrava que havia uma coisa à qual ele não sabia se adaptar:
A ausência dela.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Resenha Série: Space Force, Temporada 1


Esse período de distanciamento social que tem se seguido ao isolamento social recomendado pelas autoridades sanitárias não tem sido particularmente gentil para com a indústria do entretenimento em geral e, por consequência, com seus consumidores.
As pessoas estão órfãs de lançamentos já que a maioria dos estúdios resolveu guardar seus produtos para quando as pessoas puderem sair para consumir sem medo de pegar uma doença altamente transmissível e potencialmente fatal, e até criadores de conteúdo que poderiam estar lucrando com a pandemia, como a Naughty Dog (que podia ter lançado The Last of Us 2 durante um período em que estava todo mundo trancado em casa e precisando de um game novo), resolveu segurar a onda.
Eu passei praticamente todo o mês de maio estudando, assistindo documentários, lendo gibis do Conan e vendo filmes repetidos, a única exceção foi Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, mas, na última sexta-feira, a Netflix disponibilizou a primeira temporada de sua nova comédia, a co-criação de Steve Carell e Greg Daniels, ambos egressos de The Office, Space Force, e eu resolvi aproveitar o final de semana para maratonar a série.
Space Force não tem o melhor episódio piloto.
À primeira vista, é uma série estranha, política, mas não necessariamente específica, engraçadinha, mas não histérica, irônica, mas ocasionalmente surpreendentemente doce de um modo que desafia descrição. Logo de cara acompanhamos a pequena cerimônia onde o general da aeronáutica Mark R. Naird (Carell) recebe sua quarta estrela e se prepara para assumir o comando da força aérea norte-americana. Ele, sua esposa Maggie (Lisa Kudrow) e sua filha Erin (Diana Silvers) são surpreendidos ao descobrir que esse não será o caso. O governo dos EUA está criando um novo ramo nas forças armadas, a Força Espacial, e o presidente quer "coturnos na Lua" até 2024. A hercúlea tarefa de criar e dirigir esse novo setor da defesa dos EUA recairá sobre Mark, e se ele inicialmente fica profundamente frustrado com a nomeação, seu pétreo senso de dever o faz abraçar o desafio com unhas e dentes.
O episódio, então, salta no tempo para nos mostrar a Força Espacial totalmente funcional e ainda sob o comando de Naird que precisa lidar com problemas do dia-a-dia que assolam esse totalmente novo setor das forças-armadas enquanto tenta agradar o presidente dos EUA, controlar seu ávido diretor de comunicações e trabalhar ao lado dos vários cientistas que tornam a Força Espacial remotamente operacional.
Este, por sinal, é um dos conflitos centrais de Space Force, o cabo de guerra entre os militares e os cientistas necessários para fazer a viagem espacial possível fica ilustrado na relação de Naird com o doutor Adrian Mallory, interpretado com descontraída maestria por John Malkovich (que é extremamente subestimado como comediante).
Mallory é, sob diversos aspectos, o braço-direito de Naird, mas os dois são extremos opostos que passam o tempo todo se bicando. Há, entretanto, um respeito inerente de parte a parte, que continua os mantendo juntos a despeito de suas discórdias, e a amizade entre esses dois personagens, é um dos fundamentos de Space Force, e uma tábua de salvação onde se agarrar quando a sátira se torna excessiva.
Porque Space Force é uma comédia satírica fundamentada em alguns dos mais ridículos aspectos da situação política atual dos EUA (e do mundo em geral) extrapolando o que aconteceria se o mandatários dos EUA enfiasse na cabeça que quer "coturnos na Lua até 2024". A série faz todo o possível para jamais nomear seu chefe do executivo, mas as constantes referências feitas à sua presença no Twitter, seu gênio ruim, sua falta de conhecimento ao fazer demandas e promessas grandiosas e até o foco da primeira-dama em moda deixam claro que a série trabalha com um presidente que é Donald Trump ou um personagem que é igual a ele.
A sátira política não para por aí, também há referências às deputadas Alexandria Ocasio-Cortez e Nancy Pelosi, e até o diretor de comunicação interpretado por Ben Schwartz, Tony Scarapiducci, guarda semelhanças com Anthony Scaramucci, ex-diretor de comunicações da Casa Branca de Trump.
Eu não sei como esse festival de referências políticas cai com a audiência americana, mas no Brasil isso provavelmente passa batido para pessoas que não dão muita atenção ao noticiário internacional ou não assistem programas como Last Week Tonight e Real Time com Bill Maher, e acabam sendo apenas uma distração para o público em geral.
Felizmente antes de se tornar excessivamente política, Space Force resolve trabalhar em seus personagens. A despeito de preparar seu terreno em um mundo claramente polarizado o programa é menos sobre as diferenças entre as pessoas, e mais sobre onde elas podem encontrar terreno comum para trabalhar juntas por um objetivo, não importa o quão estrambótico ele pareça à primeira vista. Isso é um acerto da série porque, por mais que política seja importante na vida das pessoas (e é, não importa o quão indigesta ela seja), provavelmente é o aspecto menos interessante de Space Force enquanto entretenimento. O mapa da mina para a série, assim como acontecia em O Rei do Pedaço, The Office e Parks & Recreation, todas essas produzidas por Greg Daniels, são seus personagens, um grupo de pessoas por quem a audiência sente prazer em torcer (com destaque para a capitã Angela Ali, interpretada pela ótima Tawny Newsome, uma piloto de helicóptero que deseja se tornar astronauta e o extremamente qualificado e aborrecido cientista Chan Kaifang vivido por Jimmy O. Yang). O potencial desses personagens fica óbvio no próprio arco de Naird, que domina a temporada, e no qual Steve Carell faz um excelente trabalho.
À primeira vista Naird não parece um grande candidato a protagonista de série cômica. Ele praticamente não tem senso de humor, tem mão firme e é um sujeito competente em seu ramo. Ainda assim, Daniels e Carell (que também faz parte do time de escritores da série) conseguem usá-lo para criar piadas e situações de humor mais seco que funcionam em especial quando ele é oposto a personagens mais intencionalmente engraçados, como Scarapiducci, ou quando faz a tradicional comédia de "estranho casal" com Mallory.
Outro aspecto que torna o general Naird um anti-Michael Scott é o fato de ele ser capaz de profunda empatia, conforme seu relacionamento com a filha Erin atesta. A relação dos dois, por sinal, é outro dos alicerces emocionais da temporada, ainda que, por vezes, Erin não seja a personagem mais gostável da trama, algo que provavelmente advoga em favor do apuro dos roteiristas na hora de escrever uma adolescente.
Na parte técnica, fica claro que a Netflix não poupou esforços para fazer com que Space Force não tenha o visual de uma sitcom comum. Há uma óbvia qualidade cinematográfica na produção, com cenas externas, cenários múltiplos e efeitos visuais de boa qualidade. Diretores habituados à tela grande como Paul King e Dee Rees comandam alguns dos episódios, e a trilha sonora é assinada pelo indicado ao Oscar Carter Burwell.
A pergunta fundamental, porém, quando se fala em comédias é: É engraçado?
E a resposta é sim.
Space Force é uma série engraçada. Ela não é histérica, não é de rolar de rir, mas é divertida e sabe jogar com o elemento do absurdo que permeia toda a sua trama, então é uma comédia de situação mais do que de texto, ainda que Ben Schwartz, em especial, faça piadas desse tipo com sucesso ao longo dos dez episódios (ele certamente me arrancou as risadas mais altas durante minha maratona).
A grande força de Space Force, eu repito, são seus personagens. Há um charme muito bem explorado na performance de Steve Carell, e sua relação com John Malkovich é absurdamente repleta de potencial, alguns personagens funcionam melhor do que outros, algumas piadas funcionam melhor do que outras, e a série não encontra seu tom logo na primeira meia hora, mostrando que navegar pela seara da sátira foi mais difícil do que os roteiristas talvez tenham esperado, ainda assim há uma genuína sinceridade que brilha durante os melhores momentos dessa primeira temporada, e eu me vi enternecido pelo programa e ansioso pelo que vem a seguir.
A série precisa rever algumas coisas? Claro.
Mas qual série cômica teve uma primeira temporada perfeita? Friends engrena a partir da terceira, Seinfeld, também. The Big Bang Theory precisou de mais do que isso, e mesmo The Office passou por várias mudanças da primeira para a segunda temporada, então...
Com uma pequena correção de curso, Space Force pode aproveitar todo o seu potencial.
Eu estou ansioso pela segunda temporada.

"-Digam-me, o que faz a relação de vocês funcionar?
-Confiança. E respeito-mútuo.
-Certamente confiança."