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sexta-feira, 28 de junho de 2019

Resenha Série: Jessica Jones, Temporada 3, Episódio 7: The Double Half-Wappinger


Nem um pouco surpreendentemente, o desfecho do episódio anterior de Jessica Jones não foi o desfecho da temporada, é claro.
Mal havíamos chegado à metade da quantidade de episódios desse ano, então era óbvio que Sallinger não continuaria preso, Munido de uma das advogadas de defesa mais fodonas de Nova York, Jeri Hogarth, querendo usar a notoriedade do serial killer como trampolim para colocar o nome de seu escritório em evidência após o desastre com o marido de Kith.
E Jeri manja de seu oficio, tanto quanto Sallinger, que retalhou sete defuntos sem deixar nenhum vestígio físico capaz de implica-lo.
Sallinger, porém, não prima pela empatia, e durante a coletiva que oferece nas escadas da delegacia de onde foi solto, Sallinger faz um discurso sobre feminismo militante e sobre ser uma vítima de duas vigilantes superpoderosas.
Quando questionado por Jeri sobre o teor de seu discurso, o maluco replica que estava atuando para suas bases, num subtexto que faz tanto sentido considerando-se o momento político dos EUA, quanto da Europa ou do Brasil.
A troca de farpas entre Jeri e Sallinger é um bom momento do começo do episódio, e, ainda que brevemente, estabelece bases interessantes a respeito da dinâmica entre os dois personagens.
Seja como for, sem ser capaz de usar o testemunho de Erik como evidência dos crimes de Sallinger, já que, para fazê-lo, ela precisaria revelar o esquema de chantagem do sujeito, o que o colocaria na prisão onde ele provavelmente morreria de dor de cabeça, Jessica resolve revisitar o passado do vilão em busca de alguma forma de coloca-lo na cadeia.
Trish e Jess, então, partem rumo à cidadezinha onde Gregory Sallinger cresceu e onde, Jessica espera, ele tenha cometido algum crime sem o nível de refinamento dos dias atuais.
Chegando ao lugar, Jess é hostilizada pela polícia local, e precisa de um "chilique da Patsy" para conseguir acesso aos arquivos da delegacia. A sequência com o achaque falso de Trish é maneira, mostrando, novamente, que Jess funciona melhor em parceria.
A incursão da dupla as leva até a casa de um casal cujo filho, melhor amigo de Sallinger na adolescência, desapareceu após ganhar uma bolsa de estudos por conta da luta greco-romana, modalidade que praticava com o psicopata.
Eventualmente, Jess monta o quebra-cabeça e localiza o cadáver do desparecido, enterrado no quintal dos pais.
Vale ressaltar que se o capítulo tivesse terminado aqui, ele teria estado próximo da perfeição, ao menos no que tange aos parâmetros estabelecidos pela série.
Infelizmente Jessica Jones, o episódio continua.
Malcolm, quem tem uma das linhas narrativas mais chatas dessa temporada, constantemente empilhando conflitos que só servem pra inchar a trama. Todo o segmento envolvendo Zaia descobrindo que ele permitiu que a vigilante mascarada saísse do escritório com arquivos de clientes da firma de Hogarth. Malcolm segue sem saber onde reside sua lealdade.
No fim das contas, lá está ele espionando Sallinger junto com Jess, numa sequência equivocada do começo ao fim.
O psicopata está fazendo seu trabalho voluntário ensinando luta livre para as crianças do bairro, percebe Jessica o observando por trás de um vidro, e a chama para o ringue e, por alguma razão, ela aceita.
A investigadora e o psicopata circulam um ao outro, ele ensina as regras da luta greco-romana, e apanha na frente de todo mundo.
E, pra piorar, as ideias idiotas não acabam aqui.
Antes que o capítulo termine, Trish fal uma denúncia anônima ao Bulletin, atraindo um fotógrafo que a "flagra" com seu traje de vigilante, saltando e correndo para as câmeras, sabe-se lá por que...
The Double Half-Wappinger foi um capítulo mediano de Jessica Jones. Apesar de todo o segmento de investigação ter tido sua cota de momentos interessantes, não chega a ser uma novidade ver o herói da série desenterrar esqueletos do armário do antagonista nas séries da Netflix. Por mais que Jessica seja uma detetive, e que faça sentido que ela investigue os seus inimigos, a gente já viu tanto isso que não dá pra não achar meio cansativo. Além do excesso de filler, a ausência de Erik começa a se mostrar um peso para a série.
O personagem faz maravilhas por Jessica, eu arrisco dizer que é um parceiro melhor pra investigadora do que Trish consegue ser.
Resta torcer para que as posições onde os personagens foram movidos no episódio rendam frutos no que vem pela frente.

"É pior não saber o que realmente aconteceu com sua família."

terça-feira, 25 de junho de 2019

Resenha Série: Jessica Jones, Temporada 3, Episódio 6: Sorry Face


Ao final do último episódio de Jessica Jones Erik havia sido capturado por Sallinger e se torna o modelo da vez na mais recente sessão de fotos do psicopata. Erick parece mais antenado do que as vítimas habituais do assassino em série, e coloca o maluco para conversar.
Enfim, enquanto Erik mantém Sallinger conversando, Jessica fez tudo conforme manda a cartilha, e entregou o fruto de sua quase-morte no episódio anterior às autoridades. Entretanto, conforme a cartilha dos seriados da Netflix manda, não é possível para as autoridades fazerem nada nem remotamente definitivo a menos que estejamos no último episódio da temporada, e os sete cadáveres retalhados no vagão d'água e o testemunho de Jessica não valem absolutamente nada para prender o esquisito, especialmente porque Jess não quer envolver Trish e sua identidade secreta na história toda.
Enquanto Jess descobre que não é o que o que tu sabe, mas o que pode ser provado no tribunal, Erik recebe o tradicional discurso do bandido.
Aqui cabe deixar claro que as motivações de Sallinger além de ser um vilão, não são exatamente inspiradas. Ele é o segundo filho de uma família que queria apenas um rebento, seu pai não o amava, seu irmão, que caçoava dele na infância, morreu em circunstâncias suspeitas e ele valoriza o esforço em nome das conquista o suficiente para considerar pessoas com super-poderes trapaceiros...
Eu meio que preferia Sallinger quando não sabíamos nada a seu respeito. Ele precisou de apenas um discurso para ir de malvado e misterioso a choramingão e meio burro.
Quer dizer, ele tinha Erik nas mãos, e queria tanto se vingar de seu chantagista quanto atingir Jessica, e então, ao invés de matar o camarada e enviar as fotos dele retalhado para a investigadora ele liga pra ela pra provocar? Pra um sujeito que coleciona diplomas e se acha tão esperto, Sallinger toma umas decisões bem estúpidas.
Enquanto Jess e Trish saem em uma corrida contra o tempo para descobrir o paradeiro de Erik antes de ele entrar para o álbum de figurinhas do assassino em série (Jessica segue se referindo a Sallinger e à sua mãe como "assassinos em massa", deixando claro que os roteiristas do programa não sabem a diferença...) Malcolm vai atrás de Berry, que voltou às ruas.
Ele tem uma revanche contra o cafetão da moça, em quem dá uma tremenda surra, e ainda tem tempo para receber sexo oral dela enquanto desliga seu telefone ao receber uma ligação de Zaya (Tiffany Mack), deixando claro que as razões para Erik sentir dor de cabeça na presença do sujeito vão sensivelmente além de seu trabalho pouco ético para Hogarth.
Falando em Hogarth, ela segue fazendo o rescaldo do vídeo de suicídio de Peter no episódio anterior, e a maior perda de todas vem quando ela perde a conta das Indústrias Rand para uma firma rival, ironicamente representada pelo ex-sócio que Jeri sacaneou para ficar com a conta da Rand, na última temporada, Steven Benowitz (Maury Ginzberg).
A despeito de esse pedacinho do MCU em particular estar em seus estertores, foi bom ver, tanto Danny quanto sua jornada sabática serem mencionados na série, e eu continuo lamentando o final desses programas.
Igualmente lamentável foia sequência onde Jess revelou os poderes de Trish para Dorothy. Quer dizer, ninguém estava passando na rua em Hell's Kitchen quando aquilo aconteceu? Se estava, ninguém percebeu?
Apesar disso, a conversa entre mãe e filha não foi ruim, e serviu como mais uma oportunidade de amadurecimento para Trish, que vem precisando disso desde que despirocou na temporada passada.
Sorry Face teve um ótimo começo, mantendo o bom ritmo dos últimos três episódios, e inclusive nos dando uma noção de como funcionam os poderes de Erik, infelizmente, recortar a tensão do camarada nas mãos de Sallinger e da busca de Trish e Jess por ele com as paradas de Jeri e Malcolm somadas a algumas conveniências de roteiro algo bobas, não ajudou.
Apesar disso, o sexto episódio dessa temporada final não foi, nem de longe, ruim.

"-Por que eu causo isso em você? Por que?
-Porque eu sinto a sua maldade doentia... O vazio, o buraco negro de merda. Você mal é humano."

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Resenha Série: Jessica Jones, Temporada 3, Episódio 5: I Wish


Nos anos oitenta, quando ainda fazia muito frio aqui no Rio Grande do Sul, eu me lembro de os proprietários de carros movidos a álcool precisarem deixar os motores esquentando antes de saírem com seus veículos. Não era incomum ver carros ligados por vários e vários minutos parados esperando que o motor aquecesse o suficiente para que a combustão fosse possível e o carro, de fato, andasse.
Acredito que, à exceção da primeira e da última temporadas de Demolidor, todas as séries Marvel/Netflix tiveram um pouco dessa qualidade de carro movido a álcool em lugares muito frios. Elas todas ficaram paradas no lugar antes de esquentarem o bastante para que a trama começasse a se mover.
Se o episódio anterior de Jessica Jones, Costumer Service is Standing By já havia sido o momento em que a trama começara a rodar, nesse I Wish ela começou a ganhar velocidade.
Jessica e Trish formam uma dupla dinâmica para vigiar Sallinger.
O antagonista da vez é apresentado como um assassino meticuloso, organizado, muito inteligente e totalmente desprovido de emoção e empatia. Além de colecionar diplomas universitários e ser um vermicultor urbano, este assassino serial pratica luta greco-romana, gosta de fotografia, onde tem um olho todo especial para capturar os momentos de sofrimento derradeiros de suas vítimas, além de um lugar secreto favorito para descartar os restos dos defuntos.
Em sua vigilância sobre Sallinger os caminhos de Jess se cruzam novamente com os de Erik, e, novamente, eu preciso dizer que a presença do sujeito é muito positiva para a série. Além de seu relacionamento com Jess fazer maravilhas pela detetive (sério, acho que a única coisa mais satisfatória nesse episódio do que ver Jessica lutando pra conter um sorriso enquanto falava com o sujeito, foi perceber que ela tem mais de um par de calças), a adição de sua irmã problemática, a prostituta Berry (Jamie Neumann) à mistura pareceu um pouco forçada de início, mas pelo simples fato de ter dado a Malcolm mais o que fazer do que sentir peso na consciência por suas escolhas profissionais, eu já vou considerá-la bem-vinda.
Malcolm começara a temporada dando pinta de que também teria um arco de desenvolvimento, o que, todos os personagens estavam precisando após o final do último ano, mas antes de a irmã de Erik surgir oferecendo um pouco de ação para o investigador, seu conflito moral e seus problemas de relacionamento com a namorada estavam conseguindo a proeza de ultrapassar Hogarth como o como a linha narrativa mais chata da série.
Vá lá que isso se deu, em grande parte porque a relação de Jeri com Kith foi injetada com uma boa dose de drama após a advogada, movida por seu desejo de recuperar a ex-namorada, divulgou todos os podres descobertos pelo próprio Malcolm a respeito de Peter, o marido da violoncelista, com consequências trágicas.
Seja como for, esses personagens não estão no centro da série, e certamente não estão no centro de I Wish, que, sabiamente, começa a trilhar o caminho da reconciliação entre Jessica e Trish.
As duas ainda batem cabeça por um bom tempo ao longo do episódio, com a loira e a morena deixando claro que têm noções completamente distintas de como funciona todo o lance de vigilantismo, o que, por sinal, é um dos temas centrais da temporada, as noções de certo e errado, do que é heroísmo e da aplicação de absolutos morais em um mundo composto de tons de cinza. Tais discussões nos permitem ver um lado mais moral e heroico de Jessica, o que é muito, muito bem-vindo após termos visto a morena sempre tão emburrada e renitente ao longo dos últimos 26 episódios.
Eu ainda não coloco toda essa fé em Sallinger como grande vilão da temporada, especialmente porque Kilgrave estabeleceu um parâmetro difícil de alcançar, mas se o preço para vermos Jessica, Trish e companhia não agindo como completos escrotos é um vilão meia-boca, eu francamente estou disposto a pagar esse preço na despedida.

"-Ele é um assassino em série. O vilão quintessencial.
-E você é a heroína quintessencial?"

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Resenha Série: Jessica Jones, Temporada 3, Episódio 4: Customer Service is Standing By


Conforme era de se esperar, o cara do hambúrguer é mais do que apenas um comedor em potencial de Jessica, fato que já devia ter ficado claro quando ele foi interpretado por um ator com alguma notoriedade (Abraham Lincoln Caçador de Vampiros, No Coração do Mar...).
Após ele ser convidado por uma solitária Jessica para beber um monte de álcool, descobrimos que seu nome é Erik, e que além de fazer um tremendo hambúrguer, ele tem problemas com apostas, está devendo dinheiro pras pessoas erradas e, aparentemente, tem super-poderes.
As habilidades de Erik são semelhantes ao "sentido de herói" de Bruce Willis em Corpo Fechado.
Ele é capaz de sentir a maldade das pessoas. Quanto pior a natureza do crime pelo qual são culpadas, maior é o efeito que causam nele, mas, ao invés de flashes dos crimes cometidos pelas pessoas, ou um zumbido em sua cabeça, Erik sente enxaqueca, e, quando na presença de criminosos particularmente medonhos, ele sente dores lancinantes.
Também descobrimos que Erik usa suas habilidades para chantagear gente escrota e conseguir dinheiro para pagar seus débitos com uma agiota que adora jogar gente na piscina com pesos amarrados aos pés, e, que é bem provável que um dos alvos da chantagem do rapaz tenha sido o responsável pelo ataque à Jess.
Com três malfeitores em sua lista, Erik e Jessica formam uma breve parceria onde visitam cada um dos agressores em potencial numa divertida montagem que dá uma boa mexida na estrutura dos episódio em comparação com os capítulos anteriores. Jessica é sempre mais divertida quando tem alguém operando junto com ela. E Krysten Ritter tem uma química bacana com Benjamin Walker. As interações do casal, cheias de tiradas sarcásticas de parte a parte deixam o programa mais divertido, e é difícil não perceber como ela também fica mais eficiente agindo em dupla.
Seja com Luke, Malcolm, Trish, Matt, Alisa... Até com Kilgrave como co-piloto, Jessica se torna uma heroína melhor quando age em dupla.
A própria Jessica parece entender isso logo que começa a seguir a pista da pessoa que a esfaqueou.
Erik, porém, tem problemas mais prementes a resolver do que formar uma dupla dinâmica, no caso, pagar Sal Blaskowski, a agiota que deseja colocá-lo no fundo da piscina.
A senhora Blaskowski, por sinal, não é a pessoa mais compreensiva do mundo, e mesmo após ser paga, resolve dar um banho em Erik, que provavelmente teria sido seu último se ele não tivesse recebido a ajuda de Trish, que surge no último instante para salvar o dia, não sem antes levar um tremendo cagaço após sua inexperiência cobrar um preço quase fatal durante sua operação de resgate.
Além de tudo isso, ainda houve tempo para Jessica descobri a existência de quem parece ser o grande vilão da temporada: Gregory Sallinger (Jeremy Bobb), o terceiro alvo da chantagem de Erik que aparentemente é um gênio, não gosta de pessoas com super-poderes e é um assassino em série nas horas vagas.
Vou confessar que achei Sallinger um personagem meio forçado nesse primeiro contato.
O ato de psicopata manipulativo de Bobb é um pouco reciclado, mas vamos ver como isso se desenvolve nos episódios vindouros.
Jessica Jones é, afinal de contas, uma série de detetive em algum nível, ter Jessica precisando efetivamente investigar os crimes de um assassino serial pode ser interessante para o desenvolvimento da temporada.
Certamente mais interessante do que ver Malcolm trovar com a namorada e antever que, em sua ânsia de ficar com Kith, Jeri vai detonar a vida da mulher.
Pra encerrar o episódio dando uma chacoalhada no status que começava a encher o saco, Jessica resolve ouvir a voz da razão, aceitar sua condição momentânea, e pedir ajuda.
Customer Service is Standing By foi o episódio mais interessante dessa jovem temporada de Jessica Jones, vamos torcer para que a série mantenha a pegada e, a exemplo de Punho de Ferro, Justiceiro e especialmente Demolidor, se despeça dos fãs por cima.

"Essa foi a coisa mais heroica que eu fiz esse ano e não levou nem duas horas..."

Resenha Série: Jessica Jones, Temporada 3, Episódio 3: I Have No Spleen


Após passarmos uma hora na companhia de Trish Walker e ver os primeiros passos da loirosa na carreira de vigilante em Nova York, retornamos à programação normal.
O ataque sofrido por Jessica foi ainda mais violento do que parecia. A investigadora beberrona perdeu seu baço por conta do esfaqueamento sofrido na porta de sua casa no final do primeiro episódio, e se vê em uma posição especialmente difícil para uma detetive particular solitária com super-poderes:
Vítima de um crime.
A relutância de Jess em aceitar esse papel é bastante crível para com o passado da personagem. Órfã, vítima de um relacionamento abusivo com um psicopata (sem contar toda a relação com o sujeito dos clubes noturnos, anos antes, e o novelão com a mãe dada como morta ressurgindo como vilã e morrendo pelas mãos de Trish...), é óbvio que ela detesta se ver indefesa ante qualquer pessoa.
A forma instantânea como ela nega o rótulo quando o detetive Costa (John Ventimiglia) tenta tomar seu depoimento diz tudo. Ela não vai esperar que a polícia pegue seu agressor quando ela própria é capaz de arremessar uma mini-van.
Ou era, antes de sofrer os ferimentos que sofreu.
Saindo do hospital contra as recomendações de seu médico, Jess imediatamente começa uma caçada a Andrew Brandt (Matt Weiss), o sujeito do apartamento invadido no primeiro episódio, em paralelo com Trish, que tem perseguido o sujeito atrás da escultura roubada há semanas.
Trish e Jessica fazem um jogo de gato e rato bem chatinho ao longo desse episódio.
O capítulo anterior nos ajudou a entender as razões de Trish para estar no que parece um duelo de patadas com sua irmã adotiva nos últimos tempos, ainda assim, o episódio não chega a fazer maravilhas pela apresentadora que segue agindo como a dona da verdade e mestra da virtude . Ainda assim, se o seu discurso para Jessica a respeito das diferenças entre justiça e vingança soam vazios, ela não deixa de ter razão na hora de diferenciar pessoas com poderes e heróis, seja como for, a insistência na queda de braço entre as duas já começa a se tornar enfadonha.
Falando em enfadonho, Jeri Hogarth e sua insistência em retomar o relacionamento com a namorada da faculdade, Kith (Sarita Choudhury, de Negócio das Arábias) está começando a encher o saco após apenas três episódios.
A personagem de Carrie Anne-Moss sempre foi moralmente dúbia, como todos os advogados que não são Nelson e Murdock devem ser, e, tudo bem, nós conseguimos sacar uma pessoa egoísta como Jeri dedicando toda a sua energia a passar seus últimos dias com a pessoa que considera o amor de sua vida custe o que custar, mas essa linha narrativa é bastante parada, e desvia foco da trama principal. Pra piorar, alimenta os conflitos de consciência de Malcolm, que consegue a proeza de ser ainda mais chato do que a obsessão de Jeri que, ao menos, tem uma dinâmica interessante com Kith, uma mulher inteligente e segura que, aparentemente, é capaz de ver além da manipulação da ex que começa a andar em cima da linha da vilania.
O ponto central desse episódio, porém, é mesmo a rivalidade entre a ex-Patsy e Jess enquanto as duas caçam o mesmo homem.
E, novamente, eu entendo a vontade da série de se dirigir à nova dinâmica do relacionamento entre Jessica e Trish, após os eventos da temporada passada e reforçar porque elas chegaram a esse nível de animosidade, mas a insistência no tema pode, em breve, começar a encher o saco, especialmente quando fica muito claro que as duas querem, basicamente a mesma coisa. Por mais que eu seja capaz de entender se aelas não se tornarem melhores amigas de novo, parece bastante cristalino que elas irão, ao menos, formar uma parceria, tomara que a showrunner não espere até que a audiência não suporte mais a dupla para fazê-lo. Idealmente alguma coisa acontece para mudar essa dinâmica antes da metade dessa inchada temporada.

"-Você faz isso há duas semanas, eu sou uma heroína há vinte-
-Super. Você é super, Jess. Tem uma diferença."

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Resenha Série: Jessica Jones, Temporada 3, Episódio 2: You're Welcome


Após o primeiro episódio da nova temporada de Jessica Jones ter terminado com um brutal atentado à investigadora, o segundo capítulo voltou no tempo até o final do último season finale, no momento em que Trish descobriu que a experiência de Karl havia funcionado e ela desenvolvera algum tipo de aprimoramento.
Dirigido por Krysten Ritter, praticamente todo o episódio ocorre em flashback, nos mostrando o que a ex Patsy andou fazendo de sua vida.
Basicamente, assim que descobriu suas novas habilidades, Trish se pôs a treinar incansavelmente testando a extensão das mudanças que a cirurgia do doutor Malus lhe causaram. Ela vai para o parque e salta, corre, pula, escala e faz piruetas com crescente habilidade cada vez mais segura e feliz da vida com a extensão de seus novos poderes.
Após chegar ao que considera o ideal em termos de habilidades físicas, Trish começa a monitorar a frequência da polícia pronta para agir. Inicialmente chegando sempre atrasada às ocorrências que lhe interessam, ela eventualmente tem a chance de botar a mão na massa ao presenciar um roubo de celular. É quando a senhorita Walker descobre que ser uma persona pública não combina com vigilantismo após ser reconhecida tanto pela vítima que ajudava quanto pelo ladrão que agrediu (O que nos leva à cena onde ela experimenta uniformes e faz alusão direta ao uniforme que a personagem usa nos gibis).
Intimada pelo bandido, Trish é obrigada a recorrer aos serviços de Jeri Hogarth (é estranho que Trish, desempregada e vivendo de suas economias vá atrás de uma advogada caríssima ao invés de procurar por conselheiros legais mais modestos como Nelson & Murdock, por exemplo...), e um desconfortável reencontro com Malcolm.
You're Welcome fez um ótimo trabalho mostrando quão isolada Trish se tornou após suas desastradas decisões na temporada passada.
Ela segue sendo justificadamente ignorada por Jessica (é um dos raros casos onde conseguimos entender a cara emburrada da protagonista. Se minha melhor amiga matasse minha mãe eu provavelmente guardaria algum rancor, também), olha para Malcolm com desdém por acreditar que o trabalho que o ex-viciado faz para Hogarth é uma forma de livrar a cara de gente suja (realmente é. O próprio Malcolm reconhece como vimos no capítulo anterior), ela perdeu seu talk show, seu apartamento e seu noivo, e a única pessoa que parece disposta a não desistir dela é sua mãe.
Aliás, o episódio mostra um lado mais humano de Dorothy.
A personagem de Rebecca De Mornay (a atriz que ainda hoje mantém o título de melhor cena de nudez mainstream de Hollywood) finalmente parece mais do que uma víbora parasitando o sucesso da filha, e é bom ver que a série se preocupa em dar camadas a seus coadjuvantes.
Sim, Dorothy segue preocupadíssima com a carreira de Trish, mas isso não é totalmente injustificável considerando que a loira precisou vender seu apartamento para pagar custas legais do processo que sofreu e suas economias não vão durar pra sempre.
Ela eventualmente consegue até levar a filha de volta à TV, e ambas parecem encontrar uma forma de equilíbrio onde Dorothy pode gritar com estagiários e dar pitacos na direção do programa de moda e Trish consegue um ganha-pão para sustentar sua verdadeira paixão: O combate ao crime.
A duras penas a apresentadora vai descobrindo que caçar malfeitores é mais do que apenas sair por aí chutando gente nas costelas. A vocação de Trish ao heroísmo, porém, a faz perseverar em sua impaciência para tocaias, e seu primeiro grande sucesso, quando impede um estupro, a deixa com a certeza de estar no caminho certo.
Após o cliffhanger cansado do primeiro episódio (sejamos francos, Jessica poderia ter sangrado até seu corpo estar drenado, nós todos sabemos que a personagem título não vai morrer no primeiro episódio da temporada...) o programa correu riscos com um grande flashback de cinquenta e seis minutos, mas a verdade é que o episódio foi bastante satisfatório.
Trish foi um dos pilares da série em sua primeira temporada, e se tornou terrivelmente enjoada ao longo do segundo ano (que pareceu um esforço deliberado para tornar Jessica menos antipática ao tornar todos os coadjuvantes pessoas piores do que ela). Vê-la ser aprofundada e humanizada de maneira que suas falhas sejam óbvias mas não se tornem as únicas características de sua personalidade foi bastante agradável, e Rachael Taylor fez um excelente trabalho ao mostrar o quanto Trish está sozinha por operar em modo preto no branco em um mundo terrivelmente cinzento, mas se recusa a desistir.
Por mais que suas escolhas erradas sejam frustrantes, ao menos dessa vez parece que o programa está disposto a lhe dar a chance de aprender.

"Eu invejava seus poderes, mas nunca o lance de investigação. Perseguir um cara por semanas? É como ver a grama crescer..."

terça-feira, 18 de junho de 2019

Resenha Série: Jessica Jones, Temporada 3, Episódio 1: The Perfect Burger


Eu não sei ao certo o que me levou a começar a ver a terceira e última temporada de Jessica Jones na Netflix.
Me pareceu algo fútil ver o desfecho da série que será o fim oficial da parceria Marvel/Netflix antes de o Disney+ se tornar a única e definitiva casa dos heróis do MCU, e Jessica Jones, pra mim, sempre foi a série menos divertida do quatrilho dos Defensores (além de Jessica, Punho de Ferro, Luke Cage e a excepcional Demolidor). Ainda assim, pensei que seria injusto não ver o final do seriado já que eu assistira às duas primeiras temporadas, então, aqui estamos.
Reencontramos Jess (Krysten Ritter) algum tempo após a trágica morte de sua mãe.
Seguindo os conselhos de Alisa, Jessica assumiu seu lado heroico. Ela retomou sua rotina como investigadora, é cheia de clientes e tem uma lista de espera de pessoas a quem ajuda de graça.
Ela tem uma assistente de quem não gosta, Gillian (Aneesh Sheth), ainda bebe demais e faz sexo casual com estranhos que pega em bares, mas seus vísculos estão cada vez mais reduzidos.
Sua relação com Trish (Rachel Taylor) ainda não voltou ao normal após sua melhor amiga-quase irmã ter assassinado sua mãe com um balaço na cabeça. Sua amizade com Malcom (Eka Darville) também segue comprometida após os sucessivos passa-foras da temporada anterior, e eles se falam de maneira cordial e distante apenas quando se esbarram no corredor do prédio. Mesmo seu relacionamento com Oscar (J. R. Ramirez) teve um fim nesse meio tempo e suas interações humanas não-hostis se resumem à tietagem de Vido (Kevin Chacon) e à sua pseudo amizade com Jery Hogarth (Carrie Anne-Moss), que também está isolada.
A advogada durona começou a sentir os primeiros sintomas mais graves de sua esclerose lateral amiotrófica, e começa a ficar com medo, não apenas das consequências da doença, mas também de não ter a quem recorrer se, eventualmente as coisas ficarem ruins a ponto de ela decidir abreviar a própria vida.
A única pessoa na vida de Jeri, é Jessica.
A cena entre as duas, aliás, é um dos melhores momentos de um episódio sem grandes luzes.
Não vamos além daquelas cenas de ação estilo Power Rangers, com gente sendo arremessada e tiradinhas sarcásticas de Jessica, de modo que a discussão entre a investigadora e a advogada talvez seja o ponto mais dramaticamente pujante dessa primeira hora da temporada.
Ao menos até Dorothy (Rebecca De Mornay) surgir no escritório de Jess avisando que Trish desapareceu.
Se inicialmente Jessica faz todo o possível para ignorar as súplicas da mãe mais irritante do MCU, ela eventualmente cede e resolve ir atrás de de Trish, apenas para descobrir que a bonitona anda trilhando um caminho perigoso desde que descobriu que o procedimento a qual se sujeitara na temporada passada rendera frutos e que ela desenvolvera habilidades sobre-humanas.
Jessica não parece muito satisfeita em descobrir o que Trish anda aprontando, e nem parece levar lá muita fé no modus operandi da ex-amiga, o que, sejamos francos, nem é algo pelo qual possamos condenar a detetive beberrona. Se uma coisa ficou muito clara na segunda temporada de Jessica Jones foi que as boas intenções de Trish são inversamente proporcionais ao seu bom-senso.
Pra jogar ainda mais lenha na fogueira, após conhecer um sujeito em um bar (Benjamin Walker, de Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros), Jessica é atacada em seu escritório e esfaqueada.
The Perfect Burger é um episódio de reintrodução decente.
Nós reencontramos esses personagens, descobrimos o que eles têm feito desde a última vez que os vimos, que eles cresceram a mudaram ao longo do hiato entre as temporadas e que parecem prontos para continuar mudando conforme forem encarando o que o futuro reserva ao mesmo tempo em que o terreno é preparado para o que vem pela frente nos próximos doze episódios (a propósito, por que treze episódios? Tanto Punho de Ferro quanto Demolidor foram tão bem com dez capítulos em suas temporadas finais?).
Jessica Jones teve uma primeira temporada muito chata, salva por Trish e especialmente Kilgrave, a segunda temporada foi superior sob diversos aspectos, mas ainda longe de ser perfeita, veremos se o terceiro ano será aquele proverbial canto do cisne.

"-Talvez seja melhor se você ficar de fora.
-Porque você é uma heroína, agora?
-Sim."

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Minha Fortaleza da Solidão


Durante muito tempo, fora só ele.
Mesmo quando não era.
Mesmo quando havia mais alguém.
Era só ele.
Ele gostava assim.
Achava importante que houvessem momentos para estar só.
Para se dedicar às próprias coisas e pensamentos.
Para se entregar à melancolia solitário.
Para encarar o vazio sem que lhe perguntassem se estava tudo bem.
Para decidir que, naquele sábado, estava com preguiça de jantar.
Que naquela terça dormiria depois do banho e passaria a madrugada assistindo TV.
Gostava da privacidade de escolher a própria rotina.
Mesmo que, de modo geral, não fosse dado a arroubos de imprevisibilidade.
Apenas gostava de ter um perímetro de individualidade.
Vira pessoas de quem gostava sofrerem por conta disso.
Mas não sabia evitar.
Crescera sem acesso a privacidade.
Fora o filho de uma casa onde todas as portas estavam sempre abertas.
Mesmo as que deveriam estar fechadas.
Quando finalmente teve a chance de estar só, gostou.
Não era lá grande companhia, mas se bastava.
Jamais se deu conta que podia estar magoando pessoas caras.
Nem se deu conta que alienava quem queria por perto.
Habituou-se a isso.
A solidão e aos retiros estratégicos.
A se afastar quando incomodado.
A se isolar de tempos em tempos.
Lhe era natural.
Quase automático.
Ele gostava assim.
Não quer dizer, porém, que só sabia ser assim.
Não quer dizer que não houvesse alguém capaz de mudar-lhe as disposições.
Havia.
Há.
Há quem o faça querer abrir todas as portas e todas as janelas.
Há quem o faça querer transformar seu eu em nós.
Há quem o faça querer dividir tudo, o tempo todo.
Há quem o faça estar pronto a abrir as portas de sua Fortaleza da Solidão.
Há quem o faça desejar se abrir, oferecer um brinde em sua caneca favorita e dizer:
Bem vinda, amor da minha vida.

Resenha Minissérie: Chernobyl


Quando criança, eu acredito já ter tido essa reminiscência por aqui, eu tinha uma liberdade surpreendente no que tange ficar acordado até altas horas da madrugada, ás vezes sem supervisão, e assistir filmes muito além de minha faixa-etária (além do programa Comando da Madrugada com Goulart de Andrade no SBT, que tinha strip-teases em alguns blocos, mas isso é outra história). Assisti grandes filmes naquela época, o Planeta dos Macacos original, 2001: Uma Odisseia no Espaço (cuja trilha me apavorava), ...E o Vento Levou, Lawrence da Arábia, O Tesouro de Sierra Madre, e outros não tão grandiosos, A Dama de Vermelho, na verdade quase toda a filmografia de Wilder e Pryor, e Lewis e Martin, os filmes catástrofes setentistas, Terremoto, Inferno na Torre, O Destino do Poseidon e ao menos um dos filmes da série Aeroporto, ainda que eu não lembre qual, e uma série de filmes de terror, de O Bebê de Rosemary a O Exorcista passando por grandes bombas como O Ataque das Aranhas Gigantes, Alligator e dúzias do incipiente cinema slasher. Nenhum filme, porém, me assustou da maneira de O Dia Seguinte assustou.
O longa de 1983 que mostra o resultado de um ataque nuclear contra os Estados Unidos foi uma das experiências mais aterrorizantes da minha infância, e me fez nutrir genuíno pânico de energia nuclear ao longo de muitos anos de minha vida, de uma forma que nem mesmo os milagres atômicos da Marvel (O Homem-Aranha era picado por uma aranha radioativa, o Demolidor recebia um isótopo nos olhos, os X-Men eram os "filhos do átomo"...) eram capazes de amainar.
Eu cresci interessado no assunto, sempre de maneira assombrada, e ao me tornar um estudante de História, as vezes em que estivemos no limiar de um desastre nuclear só não me apavoravam mais do que as ocasiões em que esse tipo de energia realmente fora usado contra seres humanos.
Quem jamais viu Robert Oppenheimer falando a respeito da bomba atômica deveria procurar esse vídeo. Quem não sabe o tamanho da tragédia que uma bomba nuclear causa deveria ler O último Trem de Hiroshima, quem não tem medo da fissão do átomo, deveria se informar a respeito.
Meu pavor por energia nuclear foi reavivado na última semana, quando assisti Chernobyl, minissérie da HBO que revisita o desastre ocorrido na usina nuclear de mesmo nome na madrugada de 26 de abril de 1986 na cidade de Pripyat, na Ucrânia, e suas consequências.
Brilhantemente estruturada e contando com atuações excepcionais de um grande elenco encabeçado por três cobras, Jared Harris, Emily Watson e Stelan Skarsgard, Chernobyl é uma série que a cada hora que assistimos parece ficar mais pesada e mais sombria, tornando-se mais poderosa e impressionante em mesma medida conforme o foco da narrativa é tanto no desastre quanto nas pessoas que "sofreram e se sacrificaram" (como nos diz o recordatório ao final do último episódio).
A série revisita uma tragédia de proporções inimagináveis através dos homens e mulheres que estiveram lá, que morreram na explosão ou nos esforços de contenção que se seguiram e aos cientistas que tentavam entender o que originara o mais trágico acidente nuclear da História da humanidade que, sob a lente de Johan Renck, se torna mais devastador quando leva o espectador para dentro do microcosmo do evento de carona com seus personagens.
Chernobyl começa bastante episódica. Após um prólogo, somos apresentados a vários personagens que orbitam os eventos daquela fatídica madrugada de 26 de abril quando um teste de segurança que fora adiado por conta do calendário de produção das fábricas soviéticas foi levado a cabo durante a noite, com funcionários de plantão inexperientes e/ou mal-informados quanto à natureza da operação que deveriam realizar liderados pelo engenheiro chefe Anatoly Dyatlov (Paul Ritter, simplesmente asqueroso, e isso é um elogio ao ator), um escroto abusivo querendo uma promoção a qualquer custo. Sob a batuta de Dyatlov os funcionários da usina foram, tanto levados a cometer erros, quanto expostos a perigos inimagináveis conforme seu superior se recusava a reconhecer a extensão da tragédia que suas ações haviam gerado. A recusa de Dyatlov em admitir a catástrofe coloca em risco a vida de todos os trabalhadores sob seu comando e massacra os bombeiros chamados para conter o que pensavam ser apenas um incêndio no telhado da usina, alheios à verdadeira natureza do fogo, mas é a ação dos políticos do governo soviético, mais interessados em manter as aparências frente a comunidade internacional que condena milhares de residentes de Pripyat nas horas que se seguiram à explosão do reator número 4.
É quando entra em cena um dos pilares da série, Valery Legasov (Jared Harris, excepcional), físico nuclear convocado para servir como consultor por sua expertise em reatores nucleares RBMK, modelo usado em Chernobyl. Legasov é o primeiro a perceber o que de fato ocorreu em Chernobyl, e o que isso realmente significa após ler o relatório que indica a presença de grafite fora do prédio. Ele imediatamente sabe que isso significa uma explosão no reator, e não um mero vazamento no tanque de resfriamento, a versão oficial passada adiante pelas autoridades. Após enfrentar a ferrenha oposição dos líderes locais do Partido Comunista, Legasov finalmente recebe carta branca para iniciar protocolos de contenção apropriados para o problema verdadeiro, e todas as consequências que ele poderia acarretar, inclusive explosões nos outros três reatores, ainda ativos na usina, um vazamento de radiação se espalhando pelo oeste da União Soviética, e a possibilidade do derretimento do reator danificado contaminar todo o suprimento de água do país e de partes da Europa oriental.
A minissérie nos leva a descobrir como, ao custo do sacrifício de dezenas de milhares de vidas humanas, cada um desses desastres em potencial foram evitados colocando homens em face de níveis de contaminação tão elevados que os aparelhos de medição simplesmente deixavam de funcionar por conta dos altíssimos índices de radiação, forçando Legasov, o oficial do primeiro-ministro Boris Shcherbina (Skarsgaard) e a física nuclear bielorussa Ulana Khomyuk (Emily Watson) a encontrar soluções para impedir o alastramento de um desastre jamais visto durante a passagem do Homem pela Terra.
Além deles, há ainda espaço para termos um vislumbre do impacto sobre as vítimas e seus familiares através de Lyudmilla (Jessie Buckley), esposa de um dos primeiros bombeiros a chegar ao reator, e, no quarto capítulo, "The Happiness of All Mankind", descobrirmos pormenores do esforço de contenção com Pavel (Barry Keoghan, de Dunkirk), que se junta a uma equipe encarregada de sacrificar animais que viviam nas imediações de Pripyat e se tornaram agentes contaminadores, incluindo animais domésticos abandonados em um episódio dolorosamente deprimente, sim, mas conduzido e atuado de maneira certeira garantindo que o soco no estômago não seja forte demais a ponto de afugentar a audiência.
Equilíbrio, aliás, é algo no cerne do que faz Chernobyl funcionar tão bem.
O escritor Craig Mazin (Cujo currículo abismal inclui os scripts de Super-Herói: O Filme, Todo Mundo em Pânico 3 e 4, Uma Ladra Sem Limites e Se Beber Não Case partes II e III) e o diretor sueco Johan Renck (egresso de videoclipes e de seriados como Bates Motel, Vikings e Breaking Bad) acertam tão na mosca na hora de destacar o elemento humano por trás do desastre que aqueles que, a exemplo de mim, ainda se lembram, apavorados, das notícias a respeito de Chernobyl nos telejornais conseguem ver o que antes era um evento entendido com distanciamento tão emocional quanto físico de forma totalmente nova. A abordagem da dupla é o que torna um material que poderia facilmente se tornar acadêmico e científico em algo inteligível, quase tátil.
Novamente, essa é uma tarefa onde a dupla tem o apoio de um elencaço na ponta dos cascos, começando pela trinca principal.
Stelan Skarsgard faz um dos grandes trabalhos de sua vida como o político carreirista do Partidão soviético que subitamente percebe que as falácias ideológicas que movem a máquina do socialismo bolchevique não vão resolver os problemas de Pripyat. A maneira como a abordagem de seus superiores vai mudando sua visão do governo soviético só não é melhor que sua química com Harris ou seu espetacular trabalho de atuação.
Emily Watson tem uma missão ingrata, a de viver Ulana Khomiyuk, criada para a série como avatar de parte da comunidade científica soviética da época, e o que ela consegue fazer com um personagem que poderia facilmente se transformar em um recurso narrativo ou uma máquina de exposição parecer uma pessoa mesmo à revelia de, frequentemente ser um veículo para expor o poder da KGB, a busca pela verdade ou apenas os horrores do rescaldo da tragédia.
Jared Harris, por sua vez, está monstruoso. A forma como ele imbui Legasov com intelectualismo o suficiente para nós sabermos que ele sempre é a pessoa mais inteligente na sala, mas não tanto a ponto de desumanizá-lo é espetacular. Somado à forma como sua voz frequentemente treme sob notas de desespero ou resignação, deixando dolorosamente claro que ele está tentando resolver um problema que talvez não possa ser resolvido, e que já causou tanto estrago que pode já ter matado todos os envolvidos, incluindo ele próprio tornam o seu trabalho uma obra-prima. Não e exagero colocá-lo como favorito em todas as listas de premiação do ano que vem.
E pode parecer, ao ler essa resenha, que Chernobyl é toda falatório, mas a verdade é que não faltam momentos de deixar o coração na garganta, especialmente no primeiro episódio, 1:23:45, que é um incessante pontapé nas gônadas, ou a forma como acompanhamos os técnicos e socorristas da usina literalmente se desmanchando como consequência de sua exposição ao grafite lançado de dentro do núcleo do reator exposto, e, novamente, isso não é gore gratuito, pois o enfoque de Chernobyl nos leva a pensar nos personagens passando por tais desgraças com mais pesar do que curiosidade.
Somado a isso uma fotografia belíssima, edição de primeiríssima categoria, orgânica e opressiva trilha sonora da compositora Hildur Guðnadóttir e um fidelíssimo design de produção, Chernobyl nos enche de pavor e assombro. Sem jamais se entregar à soluções fáceis ou espetáculo vazio, a minissérie ilustra um desastre de proporções inimagináveis e faz uma dolorosa pergunta:
Qual o custo das mentiras?

"-Não houve nada de são a respeito de Chernobyl."

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Top 10 Casa do Capita: Os Casais Mais Maneiros da TV

Ah, o dia doze de junho... Dia dos namorados para nós brasileiros, aquele dia de chegar do serviço com um balão em forma de coração pra entregar pra patroa, ou um buquê de rosas, uma caixa de bombons, ou a ombreira de uma armadura de couro (sério, foi o que o meu irmão comprou pra minha cunhada...), dia de jantares românticos, idas ao cinema, ou ao motel, ou hotel, ou qualquer lugar com camas, na verdade (não recomendo hospitais e lojas de móveis) onde os casais possam demonstrar seu afeto de forma mais veemente e inventiva.
Um dia muito mais especial para alguns de nós, o doze de junho é dia de celebrar o amor, e eu volto a fazer minha parte com mais um infame Top 10 Casa do Capita, desta vez, dedicado aos casais mais maneiros da TV.
À lista:

10 - Maddie e David (Cybill Shepherd e Bruce Willis - A Gata e o Rato)


Quando criança eu assistia A Gata e o Rato na companhia de minha mãe e de minha tia (que chamavam a série de a Rata e o Gato porque ambas eram apaixonadas por Willis), anos mais tarde, revi o seriado, não me lembro se no Mutishow ou no canal Sony por mera nostalgia, e se o programa oitentista não envelheceu bem com suas piadas e produção típicas da TV daquela década, a verdade é que a tensão sexual entre Shepherd e Willis era de incendiar. Os dois transformaram a expectativa sobre se eles cederiam àquela chama em uma forma de arte, e, infelizmente, eles eventualmente cederam, e a coisa toda ficou meio sem graça. Ainda assim, a ex-modelo e o detetive malandro são um dos casais pelo qual eu tenho mais afeto em meus tempos de criança.

9 - Carol Hathaway e Doug Ross (Julianna Margulies e George Clooney - ER/Plantão Médico)


Eu me lembro de, na praia, no verão de 96, enquanto minha família jantava churrasco ao redor da mesa na garagem, eu ia para a sala comer assistindo Plantão Médico, nome da série no Brasil...
A melhor série médica de todos os tempos (sim, melhor que House e dá uma surra de pau mole em Grey's Anatomy) também teve um dos mais maneiros casais a dar as caras na TV: Doug Ross, vivido pelo então desconhecido George Clooney, e Carol Hathaway, interpretada por uma Julianna Margulies que ainda não era a boa esposa de ninguém. Ross era um pediatra meio porra-louca e problemático, Carol uma enfermeira durona e diligente, os dois se complementavam e o casal de atores tinha uma química excepcional que fez mais doloroso quando eles se separaram, após Clooney deixar o programa, e mais recompensador quando Doug ressurgiu para reencontrá-la no último episódio de Margulies anos mais tarde.

8 - Amy e Sheldon (Mayim Bialik e Jim Parsons - The Big Bang Theory)


Acho que é um traço particularmente nerd se sentir algo ofendido pela interpretação que The Big Bang Theory faz dos amantes de cultura pop.
No entanto, mesmo sem ser um grande fã do longevo seriado criado por Chuck Lore, eu assisti a uma boa quantidade de episódios da série, que melhorou exponencialmente com a adição de Bernadette e, especialmente, de Amy.
A neurocientista tão brilhante quanto qualquer um dos quatro nerds originais se apaixonou por Sheldon a despeito, ou por causa, de suas excentricidades, e escavou com dedicação um caminho até o coração do astrofísico.
Infinitamente mais recompensador do que ver Amy se apaixonar por Sheldon, porém, foi ver o doutor Cooper retribuir o amor que lhe foi dedicado, ainda que de maneiras por vezes cômicas, inapropriadas ou desconfortáveis, no retrato definitivo de que, em algum lugar, há alguém para todo mundo.

7 - Scully e Mulder (Gillian Anderson e David Duchovny - Arquivo X)


Qualquer pessoa seria sortuda em ter um relacionamento romântico nos moldes de Mulder e Scully. O relacionamento que começou como uma desigual relação profissional entre a pragmática católica não-praticante e o agente do FBI que despirocou após o sumiço da irmã e colou um poster escrito "Eu Quero Acreditar" na parede do escritório onde se ocupava dos casos mais estranhos que chegavam ao bureau evoluiu ao longo dos anos.
Eventualmente Dana e Fox formaram uma parceria complementar, onde ele a fazia olhar além do que os olhos podiam ver e a mente podia aceitar, e ela o mantinha com os pés no chão quando ele começava a flutuar em direção a algum raio luminoso no céu.
De parceiros a amigos, e de amigos a amantes, Mulder e Scully continuaram sendo uma dupla antes de serem um casal, sem jamais permitir que seus sentimentos interferissem em seu relacionamento e esse, talvez, seja o grande charme dos dois.

6 - Onze e Mike (Millie Bobby Brown e Fynn Wolfhard - Stranger Things)


Pode parecer estranho para adultos ficarem torcendo para crianças se tornarem um casal, mas acho que a maioria de nós fez isso com Onze e Mike em Stranger Things, porque... Quem foi que nunca se apaixonou na infância?
Mike e Onze nos levam de volta àquele momento da vida em que nós só temos olhos pra aquela paixão de verão que não sabemos se vamos rever no ano que vem. Os dois são tão desgraçadamente fofos juntos, ou fui só eu que fiquei com um nó na garganta quando eles se reencontraram em The Mind Fyer? A inocente história de amor dos dois fedelhos é adorável de uma maneira que só quem foi uma criança nos anos oitenta (quando uma paixonite e um selinho não eram hiper-sexualizados ou considerados uma forma de agressão) é capaz de compreender, e sim, eu sei que amores de infância não são feitos para serem duradouros, mas como Visão sabiamente nos disse, as coisas não são belas porque duram...


5 - Elektra e Matt (Élodie Yung e Charlie Cox - Demolidor)


À certa altura da segunda temporada de Demolidor, eu estava torcendo para que Karen e Foggy ficassem juntos de modo a limpar o caminho para Matt ficar com Elektra.
Esse é o tanto que eu gosto desse casal.
Sim, a morena é uma assassina fria incapaz de conter seu instinto matador, e Matt é um vigilante católico incapaz de tirar uma vida, ainda assim, ele está disposto a acreditar que ela pode fazer e ser melhor de uma forma tão contrita que é capaz até mesmo de convencê-la a tentar. E, no limiar do fim, quando parece que só o que resta são os dois e a luta contra o Tentáculo, Matt está disposto a largar tudo para ficar, não com Karen, mas com Elektra, que a despeito de todas as suas falhas de caráter, é o verdadeiro amor de sua vida.
Difícil não entender Matt quando Elektra foi interpretada pela linda Élodie Yung, com quem Charlie Cox partilhava uma excelente química em cena, tornando sua mal contida atração pela ninja cativante e divertida.

4 - Winnie Cooper e Kevin Arnold (Danika McKellar e Fred Savage - Anos Incríveis)


Quando criança, eu precisava fazer malabarismo pra driblar o Jornal Nacional do meu avô e a novela das sete da minha avó, e conseguir assistir uns episódios de Anos Incríveis na TVE.
Eu me identificava com Kevin Arnold antes mesmo de conhecer uma morena com quem eu queria passar o resto da vida. A história de amor entre Kevin Arnold e Gwendolyne "Winnie" Cooper ao longo dos seis ou sete anos pelos quais os acompanhamos pode ser resumida a uma frase:
“Era uma vez essa garota que eu conheci, que morava do outro lado da rua. Cabelo escuro, olhos castanhos. Quando ela sorria, eu sorria. Quando ela chorava, eu chorava. Tudo o que me aconteceu e importou, de algum modo, teve a ver com ela. Naquele dia, Winnie e eu prometemos um ao outro que não importava o que acontecesse, estaríamos sempre juntos. Foi uma promessa cheia de paixão e verdade e sabedoria, Foi o tipo de promessa que só pode vir do coração dos muito jovens.".

3 - Ygritte e Jon Snow (Rose Leslie e Kit Harrington - Game of Thrones)


Jon e Daenerys até podiam combinar por terem trajetórias de vida semelhantes e serem ambos bonitos e pequenos, mas não há dúvida de que o grande casal de Game of Thrones foi formado por Ygritte e Jon Snow.
A selvagem beijada pelo fogo era o contraponto perfeito ao bastardo nortista de coração puro e honradez quase irritante. Desde o momento em que eles se aninharam para dormir de conchinha junto à uma pedra além da Muralha ficou claro que era pra ser. Infelizmente, o dever de Jon para com seus irmãos da Patrulha da Noite falou mais alto do que seus sentimentos por Ygritte, e ela eventualmente morreu em seus braços durante o assalto do Povo Livre a Castelo Negro, ainda assim, os momentos que os dois compartilharam no período em que Jon se juntou ao exército de Mance Raider foi muito mais significativo do que o romance artificial armado entre ele e Dany, e rendeu tanto um casamento de verdade entre Leslie e Harrington, quanto os memes "Você não sabe nada, Jon Snow", e, a tocante resposta dele:
-Eu sei algumas coisas... Eu sei que te amo.

2 - Monica e Chandler (Courtney Cox e Matthew Perry - Friends)


Sejamos francos, Friends se desenvolveu quase que inteiramente ao redor das idas e vindas do relacionamento entre Rachel e Ross, mas a verdade é que eles não eram nem o segundo melhor casal da adorada sitcom (esse era formado por Phoebe e Mike).
A honraria de casal definitivo da série coube a Mônica e Chandler e surgiu quase ao acaso quando Mon, bêbada e deprimida por ter sido confundida com a mãe de Ross, acaba caindo na cama com Chandler, que estava lá para apoiá-la.
Os dois amigos acabaram descobrindo que além do afeto entre pessoas que se conheciam desde a adolescência, ainda tinham uma excelente química sexual, partilhavam sensos de humor alinhados e tinham personalidades distintas o suficiente para não se entediarem um com o outro sem jamais entrarem nas folhetinescas idas e vindas de Ross e Rachel.

1 - Pam e Jim (Jenna Fisher e John Krasinski - The Office)


Quando entramos pela primeira vez na Dunder Mifflin logo fica claro que a cumplicidade entre Jim Halpert e Pam Beesly é mais do que apenas camaradagem entre colegas de escritório. Por muito tempo parece que apenas as brincadeiras e o flerte com Pam mantém Jim voltando à empresa de papel dia após dia. Os desencontros amorosos entre os dois ao longo das primeiras temporadas, com Pam noiva e Jim transferindo-se para outra cidade, e depois começando um namoro com outra colega fez parecer que o mote da relação dos dois seria o "vai-não vai" de tantos outros programas, mas na terceira temporada os dois se transformam em um casal (Quem não ficou com o coração leve quando ele interrompeu a entrevista dela para convidá-la pra jantar?).
Felizmente, a fagulha de cumplicidade que havia entre os dois desde o primeiro episódio jamais se apagou enquanto eles foram do flerte ao namoro, ao noivado, ao casamento e à criação de uma família, garantindo aos dois o posto mais alto nesse pódio.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Efeméride


Onze de junho, em 1184 antes da Era Comum, foi o dia em que Tróia foi assaltada pelos gregos, saqueada e queimada, segundo consta da datação calculada do matemático, poeta, gramático, poeta, bibliotecário, astrônomo e filósofo Eratóstenes de Cirene, o Beta, porque era o segundo melhor em tudo o que fazia... Devia ser uma segunda-feira de manhã, ou seu equivalente segundo o calendário usado em Tróia...
Na mesma data, em 1864, nascia o compositor alemão Richard Strauss, e, quando o pequeno Richard completava um aninho de vida, era travada a maior batalha da Marinha do Brasil, a Batalha do Riachuelo, durante a guerra do Paraguai.
A vitória dos marujos brasileiros sobre os paraguaios foi crucial para que a tríplice aliança alcançasse o sucesso derradeiro sobre o Paraguai, arrasando definitivamente o que era uma das nações mais desenvolvidas da América Latina, mas que pensou que podia comprar briga com os três vizinhos ao mesmo tempo e sair por cima da carne seca... Outra consequência da supramencionada batalha foi que a data tornaria-se o Dia da Marinha do Brasil.
Também em 11 de junho, já em 1935 o inventor norte-americano Edwin Armstrong, até onde eu sei, sem relação com o astronauta, demonstrou pela primeira vez, uma transmissão de rádio em frequência modulada, ou, FM. Formato que, setenta anos mais tarde, seria o padrão pra quem não quer ouvir os CDs de trance e pop que tocam na academia.
Efeméride, uma palavra em latim que significa memorial diário, e é usada para classificar datas em que ocorreram fatos marcantes, como aqueles ali em cima, da data de hoje.
Estes, porém, não são os fatos mais importantes ou significativos do dia onze de junho.
Estão muito longe da importância de outro dia 11 de junho...
Um onze de junho oito anos atrás.
Aquele foi um dia... Uma noite, na verdade... Muito, muito mais memorável, importante e marcante.
Não é, afinal, todos os dias que alguém conhece o amor da sua vida.
Feliz nosso aniversário.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Resenha Mini-Série: Belas Maldições


De modo geral, Neil Gaiman sempre vale uma espiada. Seja nos quadrinhos, na literatura, no cinema ou na TV.
O Sandman do escritor britânico é uma das obras fundamentais da nona arte, sem entrar em seus best sellers mais óbvios, como Deuses Americanos ou Os Filhos de Anansi, na compilação O Príncipe de Westeros, o conto de Gaiman "Como o Marquês Recuperou seu Casaco" é o melhor do livro, sua interpretação do poema épico Beowulf se transformou em um interessante filme de Robert Zemeckis, e a já citada Deuses Americanos se transformou em uma série com uma primeira temporada espetacular (não vamos falar da segunda).
Foi justamente o nome de Gaiman que despertou meu interesse por Good Omens, no Brasil, Belas Maldições, adaptação televisiva do livro co-escrito por Gaiman e Terry Pratchett em 1990.
À autoria do escritor de 1602, juntaram-se os nomes dos ótimos David Tennant e Michael Sheen como os protagonistas e um estrelado elenco de coadjuvantes contando com gente como John Hamm, Michael McKean, Miranda Richardson, Frances McDormand, Brian Cox, Mireille Enos e Benedict Cumberbatch, além da co-produção da Amazon, que andou tirando do papel filmes e séries bem interessantes nos últimos anos.
Na trama conhecemos o anjo Aziraphale (Sheen) e o demônio Crowley (Tennant), que se conhecem no dia em que Adão e Eva são expulsos do Jardim do Éden e formam uma improvável amizade que se estende por milênios.
Os dois se habituam à vida na Terra e formam uma parceria onde, por conveniência, muitas vezes um dos dois faz o próprio trabalho e o do outro (ou seja, Crowley, por vezes inspira atos de bondade nos mortais, enquanto Aziraphale espalha tentações).
A amizade e a própria existência da dupla, porém, se torna ameaçada quando Crowley é honrado (em grande parte por mentir descaradamente em seus relatórios) com a tarefa de entregar o anti-cristo ao casal de embaixadores norte-americanos que devem criá-lo até que ele tenha idade para dar início ao seu reinado de terror e começar o armageddom, a guerra entre Céu e Inferno que destruirá a Terra.
A questão é que Aziraphale e Crowley se habituaram a viver como mortais na Terra, e não estão dispostos a abandoná-la sem resistir, ainda que discretamente. Quando o estratagema dos dois eventualmente falha por conta de um equívoco das freiras infernais incumbidas de trocar os bebês, porém, Crowley e Aziraphale precisam arregaçar as mangas e sujar as mãos para impedir o fim do modo de vida que aprenderam a amar.
...Ah, sim, e salvar a humanidade, também.
Com seus seis episódios dirigidos por Douglas Mckinnon e roteirizados pelo próprio Gaiman, Belas Maldições sofre com alguma irregularidade.
Se o primeiro episódio, No Começo é excelente, e se encerra deixando gostinho de quero mais, o segundo, O Livro, que introduz Boaf e Acuradas Profefias de Agnes Nutter, Bruxa, compilação de previsões da bruxa Agnes Nutter, sua descendente Anathema Device (a bela morena Adria Arjona), além do caçador de bruxas Não Cometerás Adultério Pulsifer e seu descendente Newton (ambos Jack Whitehall), o Sargento Encontra-Bruxas Shadwell (McKean) e Madame Tracy (Miranda Richarson), mais a cavaleira do apocalipse Guerra (Enos) e mais outros coadjuvantes da série, é excessivamente inchado e deixa claro que a série funciona sempre que Crowley e Aziraphale estão em cena, mas não tanto quando eles não estão.
E isso não é porque os demais atores sejam ruins, há muitos ótimos atores no elenco de apoio, de John Hamm (interpretando uma hilariante versão do arcanjo Gabriel) a Michael Mckean e Mireille Enos, mas a verdade é que esses personagens, primeiro, não ganham o tempo de tela necessário para se desenvolverem e irem além de acessórios do roteiro, e segundo, não têm o carisma de Tennant e Sheen.
No terceiro episódio, Tempos Difíceis, isso fica extremamente claro.
O episódio abre com uma cold opening de quase meia hora mostrando o desenvolvimento da amizade de Aziraphale e Crowley ao longo de milhares de anos, dos tempos do Dilúvio até os anos dias de hoje passando pela Roma antiga, as peças de Shakespeare, a Revolução Francesa e a Segunda Guerra Mundial, e é, de longe, um dos melhores momentos de toda a temporada porque vemos os intérpretes em cena o tempo todo.
O elenco infantil não chega a ser ruim, de forma alguma, mas as crianças são particularmente importantes ao final da trama, e, da mesma forma que outros coadjuvantes (os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, por exemplo, que têm visuais muito bem sacados mas são pouco mais que acessórios), teria sido interessante ter descoberto mais a respeito deles, um pouco mais de background e personalidade.
Os efeitos visuais estão longe de serem excelentes, e, muitas vezes, parecem saídos dos episódios de Doctor Who por sua precariedade bem-intencionada, mas estão longe de ser um problema terrível, assim como as mudanças bruscas de tom, que nem sempre favorecem a narrativa, apesar de seus defeitos, porém, Belas Maldições se segura com seus acertos.
O visual de demônios e anjos, as representações do Céu, como um imenso espaço branco decorado de maneira minimalista, e do inferno como uma repartição pública dilapidada, mas, especialmente, em seus protagonistas.
Michael Sheen e David Tennant estão simplesmente perfeitos em seus papéis, e quando chegamos ao final do último episódio, sabemos que a série poderia ter sido melhor com mais episódios, episódios mais longos, ou até uma segunda temporada (A lição de Game of Thrones de que, por vezes, desenvolvimento seria melhor que concisão) fosse para termos tido um insight melhor dos coadjuvantes, fosse apenas para passarmos mais tempo com Crowley, o demônio totalmente descolado com pinta de roqueiro blasé ocultando um bom-coração, e Aziraphale, a epítome do bom-moço com um fraco por vinhos e boa comida.
Apesar de seus percalços, Belas Maldições é um programa maneiro para o final de semana. Um bom exemplar da prosa mais levinha e descompromissada de Neil Gaiman trazida à vida por uma equipe que, se não tinha à mão todos os melhores recursos, fez muito bom uso daqueles de que dispunha.

"-Nós não somos amigos. Eu sou um anjo. Você é um demônio, eu nem gosto de você.
-Você gosta..."

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Resenha Cinema: X-Men: Fênix Negra


Não é de hoje que eu digo que os filmes dos X-Men produzidos pela Fox são vítimas de uma incompreensível má-vontade por parte da audiência, especialmente após o advento do MCU.
Veja, eu entendo que as pessoas prefiram o MCU, realmente entendo. É particularmente bem arquitetado, têm atores e personagens que aprendemos a amar ao longo de inúmeros filmes e é, basicamente, uma coleção de feel good movies de super-herói. Mesmo entre os piores filmes do MCU (E acredite, há alguns que são de amargar numa segunda assistida), é difícil não conseguir encontrar algo de que se gostar, nem que seja o carisma de um único ator (ouviram bem, Homem de Ferro 2 e 3 e Homem-Aranha: Volta ao Lar?).
E eu sou o primeiro a reconhecer que o X-Verso da Fox é extremamente irregular pra se dizer o mínimo. X-Men 3 - O Confronto Final, é horroroso, de três filmes solo do Wolverine, dois não valem a película em que foram filmados e X-Men: Apocalipse é um longa menor na comparação aos seus irmãos oriundos de Primeira Classe. Eu sei. Ainda assim, X-Men: O Filme é uma ótima adaptação, especialmente se contextualizarmos o filme de maneira correta. X-2 ainda é um dos melhores filmes de quadrinhos de seu tempo. Primeira Classe é excelente (e especial, pra mim), Logan é uma pérola, Deadpool e Deadpool 2 são divertidíssimos e X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido é uma das minhas adaptações de gibi favoritas, então, enquanto fã de cinema e de quadrinhos, sempre foi muito difícil, pra mim, não ver esse ranço para com os filmes como mero mimimi.
E foi por isso que ontem eu me dirigi ao cinema mais próximo da minha casa pra conferir o penúltimo longa da franquia sob a batuta da Fox (eu acho, francamente não sei de Novos Mutantes e nem tenho certeza se o filme será lançado e, quando for, se será pela Fox ou pela Disney...), X-Men: Fênix Negra.
O longa abre com um flashback. É 1975 e os Grey estão fazendo uma viagem de carro, Elaine Grey (Hannah Anderson) dirige ao lado de seu marido John (Scott Shepherd) com Jean, então com oito anos de idade, no banco de trás. Jean, que ainda não controla seus poderes, causa um grave acidente, e após ser liberada do hospital sem nenhum arranhão, é acolhida por Charles Xavier (James McAvoy).
Corta pra 1992.
Um acidente que parece envolver erupções solares coloca toda a tripulação de um ônibus espacial em perigo.
Na Mansão X, Charles Xavier recebe uma ligação em sua linha pessoal com o presidente dos EUA (Ponta de Bryan d'Arcy James, de Spotlight) e envia os X-Men para o resgate.
Liderados por Mística (Jennifer Lawrence) e Fera (Nichola Hoult), a equipe formada por Ciclope (Tye Sheridan), Tempestade (Alexandra Shipp), Mercúrio (Evan Peters), Noturno (Kody Smit-McPhee) e Jean Grey (Sophie Turner) viaja à órbita da Terra para salvar os astronautas.
À revelia das incertezas de Fera e Mística, Charles insiste para que nenhum membro da tripulação da NASA seja deixado para trás, o que faz com que o ônibus espacial seja banhado por uma estranha forma de energia que é absorvida por Jean.
De volta à Terra, os X-Men, agora celebrados pela humanidade como heróis, com direito a pintura facial e figuras de ação, são recepcionados como heróis e tudo parece terrivelmente bem até que Jean começa a sofrer efeitos colaterais de sua exposição à estranha energia no espaço.
Seus poderes começam a aumentar eme escala geométrica e ela passa a ter dificuldade em contê-los. E quando Jean começa a lembrar de eventos de seu passado, e essa estranha energia passa a dominar suas ações fortalecendo suas emoções mais negativas, Jean se torna um perigo para todos ao seu redor, mesmo seus mais antigos amigos.
As coisas apenas se complicam quando os remanescentes dos D'Bari, uma raça alienígena liderada por Vuk (Jessica Chastain) chegam à Terra em busca da energia que Jean hospeda, disposta a tudo para cooptá-la e usá-la para encontrar um novo lar, e a única coisa entre os alienígenas e Jean, são os X-Men, mas após uma tragédia dividir os membros da equipe, a pergunta não é nem se eles conseguirão deter os D'Bari e Jean, mas se irão conseguir colocar suas diferenças de lado para tentar fazê-lo.
Conforme eu disse lá no início, eu sou um habitual defensor dos filmes dos X-Men da Fox, mas não sou cego.
X-Men: Fênix Negra é um longa cheio de boas intenções, e, enquanto tentativa de adaptar um dos mais dramáticos e épicos arcos dos X-Men dos quadrinhos, é infinitamente mais competente do que X-Men 3 havia sido, entretanto fica claro que Simon Kindberg, produtor e co-roteirista de longa data da série se ressente de experiência nessa sua primeira vez como cineasta.
É difícil não imaginar que esse filme poderia ser muito mais interessante nas mãos de um Bryan Singer ou Matthew Vaughn. Parece faltar a Kindberg a malandragem de saber quais ideias desenvolver e quais descartar na hora de contar sua história, e isso pesa contra o filme. Claro, o fato de o longa ter passado por extensas refilmagens para diferenciá-lo de Capitã Marvel não deve ter ajudado, mas o inchaço do filme é flagrante. Kindberg tem tanta dificuldade na hora de decidir onde centrar sua lente que temos uma raça alienígena que mal é apresentada, e uma vilã cujo nome é mencionado apenas uma vez ao longo do filme. Se as pessoas reclamaram da forma como o talento de Oscar Isaac fora desperdiçado em Apocalipse, certamente terão urticária ao ver o que é feito de Jessica Chastain.
Outra questão é a forma arbitrária com que o longa coloca sua trama em movimento. É difícil não ver muitos dos conflitos e contratempos do longa como mera encheção de linguiça ou desculpas para levar a história por um determinado caminho. Eu não tenho nenhum problema com a exploração da faceta mais pragmática e sombria de Charles Xavier, eu inclusive gosto dela porque humaniza um personagem que tem tendência ao messianismo, mas o arco do Fera, por exemplo, é absolutamente incoerente para com tudo o que sabemos sobre o personagem, e a estratégia de Mística na hora de resgatar os astronautas deixa claro que, ou ela é péssima em seu ofício (são apenas trinta segundos para o resgate, e o MERCÚRIO está sentado bem ali atrás! Mas ela envia Jean e Noturno.), ou o roteirista simplesmente não conseguiu pensar em nenhuma boa razão para chegar onde ele queria além de "porque sim".
Apesar de ter alguns bons momentos e atuações sólidas, em especial de James McAvoy e Nicholas Hoult (e um grande esforço de Sophie Turner e Michael Fassbender, que fazem o possível com o material que lhe é dado), o longa jamais empolga. Suas decisões mais acertadas são mal desenvolvidas e acabam soado discretas, enquanto seus piores defeitos se destacam. Não há uma grande mensagem, não há um grande momento, não há uma grande sequência de ação (ainda que a luta no trem blindado seja bem-intencionada), e isso pesa sobre um longa de super-herói que está sendo lançado pouco mais de um mês após Ultimato, mas especialmente sobre o que deveria ser o desfecho de uma franquia que existe há quase vinte anos e uma dúzia de filmes entre os quais há momentos de excelência.
De minha parte, continuo não sendo um detrator dos X-Men da Fox. Entre altos e baixos, continuo achando que a franquia teve filmes melhores do que piores, e há ao menos três longas entre os doze, que figuram entre aqueles que considero algumas das minhas melhores experiências de fanboy no cinema, Fênix Negra não vai nem pro topo e nem para o fundo da lista, é uma experiência medíocre, deslocada no que deveria ter sido o canto do cisne para a série.
Melhor sorte no MCU?

"-Você acha que pode me consertar?
-Você não está quebrada, Jean."

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Te Amar é Difícil


Às vezes é muito difícil te amar.
Muito.
É tarefa digna de figurar entre os Doze Trabalhos.
Porque te amar é amar a figura da perfeição.
E perfeição sempre suscita suspeição.
Tua existência nesse mundo, lamento te informar, é deveras suspeita.
E olhar pra ti, reconhecendo o que tu és, tudo o que tu és, gera dúvida.
É olhar desconfiado de um lado para o outro, pálpebras estreitando a vista em busca de precisão no foco para procurar onde estará a cavilação.
Porque o universo não é generoso. Jamais o é.
Quando o universo te deixa um embrulho de presente à soleira da porta, se pudéssemos ouvir a voz do Universo, ele provavelmente soaria como John Malkovich dizendo "Abre ali...".
É por isso que te amar é difícil.
Mas não é só por isso.
Te amar é ainda mais difícil pra quem te conhece. Pra quem te conhece bem. Porque quem te conhece bem traz consigo a certeza de que tu és merecedora de todas as coisas boas. E quem te ama quer ser agente de todas essas coisas.
Eu sei que eu quero. E não ter certeza de que será possível sê-lo é viver se perguntando "Eu sou bom o suficiente?", sabendo que a resposta, na maioria das vezes, será um peremptório "não". Porque se convive com a sombra perene de que tu vá te dar conta de que pode e merece conseguir alguém melhor.
E é por isso que te amar é difícil.
Mas não é só por isso.
Te amar é ainda mais difícil pra quem te ama apartado. Acredita no que eu digo. Tenho experiência na área. Nem me atrevo a dizer que sou quem possui o mais vasto conhecimento na matéria, sabendo tudo o que tu és, eu não duvido que haja ainda outros desgraçados ainda mais desgraçados do que eu se lamuriando por tua ausência, te vendo dançar ao som de cada melodia. É mais que possível. É terrivelmente provável. Entretanto as experiências de outrem não me dizem respeito. Minha caixa torácica tem espaço para apenas um coração a doer.
Porque dói. Incomoda. Mesmo para quem seja algo insensível. Algo sorumbático e ensimesmado. Quiçá doa mais. Porque não há momento pra extravasar. Ou interesse em partilhar o que se sente com ninguém que não seja a pessoa por quem se sente. Aliás, que nao seja A pessoa por quem se sente, pra ti, é sempre maiúsculo.
E não te ter acerca pra te amar... Ao alcance de mais de um sentido por vez... É difícil.
É por isso que te amar é difícil.
Mas não é só por isso.
Te amar é difícil porque não requer esforço de qualquer tipo amar alguém como tu.
Não demanda foco, atenção ou sacrifício.
Muito antes pelo contrário. Te amar é consequência natural de te conhecer. Vem quase ao acaso. Quando eu me percebo lá estou eu. Te amando loucamente.
Te amar é difícil porque é inevitável. Te amar é difícil porque te amar é tarefa de tempo integral, queira-se cumprí-la, ou não.
Te amar é difícil porque é demasiado fácil.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Rapidinhas do Capita


Escovando os dentes antes de sair para o trabalho, derrubara sua escova de dentes na privada.
Na hora de sair, ao vestir seu casaco, derrubara um copo com trinta e seis lápis de cor atrás da mesa.
Passara quatro horas estudando sociologia. Tudo. Comte, Marx, Weber, Durkheim, Bordieu... Ficara afiado. Chegara a fazer, ao chegar no trabalho, duas provas antigas disponibilizadas pela professora, e gabaritara ambas. Apenas para abrir sua agenda e descobrir que a prova de logo mais à noite era de filosofia.
Na hora do almoço, ao abrir sua garrafa de seiscentos mililitros de Fanta que dormira no congelador,e, para sua surpresa, não congelara, descobriu que ela havia, de fato, congelado um bocadinho. Apenas o líquido que ficara no gargalo da garrafa. Apenas o suficiente para que ela chiasse e disparasse um spray cor de laranja em suas calças e camisa que ao menos eram pretas, mas ficaram molhadas.
Levara seu laptop para o trabalho para estudar, mas esquecera o cabo de alimentação.
Quando parecia que as coisas não podiam ficar muito piores naquele dia, atendeu uma ligação no meio da tarde.
Era um trote.
De repente, aquele se tornara um dia muito, muito bom.
De repente, aquele se tornara o melhor dia do ano.

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Olhava os chaveiros no display giratório do quiosque num centro comercial que nem sabia que existia na Alberto Bins.
Precisava... Porque era um colecionista obsessivo... De mais três chaveiros para que nenhum puxador de zíper de sua mochila. Dois estavam previamente escolhidos, Homem de Ferro e Superman.
Outro estava vago... Ele precisava escolher e não conseguia diante das opções.
O atendente assomou:
-Tem mais aqui, ó. Do Star Wars.
Puxou outro display giratório do outro lado do quiosque e mostrou:
-Tem os soldados... O Darth Vader... O vilão novo... O mestre Yoda... - Dizia, solícito e sem saber o nome dos Stormtroopers ou de Kylo Ren.
-Vou levar esse, disse o cliente, apanhando uma das figurinhas.
-Da princesa? - Perguntou o vendedor, algo surpreso.
-É. - Confirmou o outro.
Enquanto a minha princesa não vem, pensou.

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O universo não está conspirando. Não...
Já passamos desse estágio.
Ele está franca e abertamente de sacanagem.

terça-feira, 4 de junho de 2019

Resenha DVD: Creed II


Creed - Nascido para Lutar foi um filme muito melhor do que eu poderia ter imaginado, considerando-se que era a sétima sequência de uma franquia que já existia há quarenta anos quando de seu lançamento. Por mais que ele parecesse um filhote ainda mais excessivo de Rocky V, o pior filme da série, com o pugilista vivido por Sylvester Stallone treinando um jovem talento que, casualmente, era filho de seu amigo e arqui-rival Apollo "Doutrinador" (eu continuo em dúvida se esse apelido brilhante foi um erro de tradução do sobrenome do personagem de Carl Weathers ou uma sacada nível supra gênio do tradutor do longa original).
Nas mãos de Ryan Coogler, porém, Creed foi um filmaço que tinha, ao mesmo tempo todos os vícios da série Rocky, do boxe lutado sem guarda às montagens de treinamento, como trazia diversas e bem-vindas pequenas subversões em sua narrativa. O longa era divertido, honrava a franquia de onde fora parido, e tinha toneladas de coração, especialmente nas relações entre seus personagens, com destaque para o romance terno entre Adônis e Bianca, mas especialmente entre o protagonista e seu mentor, Rocky Balboa, vivido por Stallone com um talento que nós frequentemente esquecemos que Sly possui embaixo de seus músculos inchados e de sua cara parcialmente paralisada.
Posto isso, eu francamente achava que Creed era um filme bem fechado em si próprio, de modo que quando ouvi falar dos planos para uma sequência, fiquei um pouco ressabiado. Mais ainda ao descobrir que o filme traria uma luta entre Adônis e Viktor Drago, filho de Ivan Drago, que em 1985 causou a morte de Apollo durante uma luta de exibição em Rocky IV.
Saber que Ryan Coogler, um dos principais responsáveis pelo que funcionara no primeiro filme, ficaria fora da direção, atuando apenas como produtor, não foi lá uma notícia das mais animadoras, pra mim, e essas informações somadas a um trailer que não particularmente inspirado resultaram em minha desistência de ir ao cinema assistir o longa em janeiro.
Sábado, porém, sem nenhum programa divertido no horizonte do meu final de semana, passei na minha locadora preferida (a única ainda viva no Centro de Porto Alegre, provavelmente), e aluguei o filme.
Creed II começa, não com Adônis, mas com Viktor Drago (o boxeador romeno Florian Monteanu, estreando como ator). Viktor leva uma vida dura na Ucrânia, onde vive com seu pai, Ivan (Dolph Lundgren), treinando e lutando ferozmente por seu lugar ao sol.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, sob a tutela de seu amigo e mentor Rocky Balboa (Stallone), Adônis Creed (Michael B. Jordan) chega ao auge de sua vida profissional ao sagrar-se campeão mundial dos pesos-pesados (a despeito de Michael B. Jordan obviamente não pesar 93 quilos).
Ele está realizado em sua carreira de pugilista, e feliz com seu relacionamento com Bianca (Tessa Thompson), com quem planeja se casar. Tudo vai bem para Donnie até que, na esteira de seu sucesso, os Drago desembarcam na Filadélfia trazendo consigo o desafio de Viktor pelo seu cinturão, algo que Ivan vê como a oportunidade perfeita para recuperar a antiga glória que a derrota nas mãos de Rocky, mais de trinta anos atrás, lhe custou.
Imediatamente abalado pelos constantes desafios públicos dos Drago através do promotor de lutas Buddy Marcelle (Russell Hornsby, aproveitando cada cena com gosto), Adônis decide aceitar a luta e colocar seu título em jogo à revelia dos conselhos de Rocky.
durante a luta, Adônis paga o preço, sendo brutalmente punido pelo boxeador ucraniano e mantendo seu título apenas por conta da desclassificação de Drago. Física e moralmente alquebrado, com seu legado e título na balança, Adônis precisa reencontrar seu caminho especialmente após o nascimento de sua filha, Amara, algo que ele só poderá conseguir se, com a ajuda de sua família e amigos, for capaz de vencer seus medos e voltar ao ringue contra o filho do homem que matou seu pai.
Creed II é um bom filme da série Rocky ao mesmo tempo em que é um filme muito, muito inferior ao seu antecessor.
Sofrendo de um mal comum às sequências, o longa confunde ser mais ambicioso com ser maior. Creed II é mais barulhento, grandiloquente, e frequentemente perde o foco do que realmente faz esses filmes funcionarem, o drama de seus protagonistas, apontando seus holofotes na mera auto-referência em forma de fan service.
Por sorte, os personagens criados por Coogler e Stallone são humanos e interessantes o suficiente para que as relações entre eles consigam retomar nossa atenção toda a vez que aparecem na tela.
Isso se dá, especialmente, por causa da qualidade do elenco e da química que eles partilham.
O relacionamento entre Adônis e Bianca, por exemplo, é terrivelmente crível, os dois realmente parecem um casal e estão sempre no centro do filme de uma maneira que segue cândida e doce, sem ser melosa porque não há papéis inerentemente pré-definido em sua mecânica. Bianca frequentemente é prática e durona, Adônis frequentemente é emocional e frágil, e vice e versa.
Stallone transformou o velho Rocky em uma versão suavizada de seu mentor original, o Mickey vivido pelo grande Burgess Meredith. Rocky é infinitamente mais amável do que Mickey, mas igualmente comprometido até a medula para com seu pupilo, sempre disposto a ensinar mais uma lição dentro ou fora do ringue usando um arsenal de escolhas surpreendentemente sutis de Sly.
Phylicia Rashad retorna como May Anne Creed trazendo consigo todo o amor materno do mundo, e Dolph Lundgren vê Drago ser humanizado pelas escolhas do roteiro de Sascha Penn, Cheo Hoday Cocker, Juel Taylor e Stallone, que, em uma ótima sacada, não permitem que os Drago sejam meros vilões, dando-lhes motivações e aspirações verdadeiras e impedindo que o longa se transforme em uma sátira de si próprio.
A despeito desse belo rol de qualidades, a verdade é que Creed II é um filme desnecessário na melhor das hipóteses, que não traz nada de novo à franquia e nem sequer chega a ter uma bela releitura das montagens de treino dos Rocky originais, ou uma forma inventiva de filmar as lutas a exemplo do longa de 2016. A sequência não é um mau filme, mas é certamente inferior à soma de suas partes.
Longe de ser um dos grandes dramas esportivos da história do cinema, Creed II tem seus méritos e ainda é um programa divertido para os fãs de Rocky Balboa.
Vale a locação.

"-Ele é só um homem. Seja mais homem do que ele."