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sexta-feira, 31 de maio de 2019

De Algumas Coisas, Podemos Preceder


Estavam deitados no sofá. Estava frio. Frio e úmido, de modo que a temperatura parecia se entranhar nos ossos tornando o contato quase obrigatório. Ele estava deitado por trás dela, com os braços enrolados com firmeza em volta de seu torso delicado. De repente, sem nenhuma provocação ou aviso, ele falou:
-Sabe... Eu acredito firmemente que todos nós podemos passar sem mais um Exterminador do Futuro.
Ela, sem virar a cabeça, deu corda:
-Sério?
-Seríssimo. - Ele confirmou. -Aliás, eu acho que poderíamos perfeitamente ter passado sem... Sei lá... Os últimos três Exterminador do Futuro.
Ela virou levemente a cabeça e questionou:
-E a série?
-Também... - Ele disse -Nós definitivamente podíamos ter passado sem a série, também. E baseado no que eu vi semana passada, nós provavelmente vamos manter essa opinião depois de Destino Sombrio, só aumentando de três pra quatro a quantidade de Exterminador do Futuro que poderíamos passar sem. - Completou como quem está magoado.
Ela virou o pescoço pra poder olhar pra ele.
-Sei... Que mais a gente podia passar sem? - Inquiriu.
-Alien. - Ele disse, sem nem precisar pensar.
-Alien? - Ela encorajou, colocando a mão no rosto dele, que beijou-lhe a palma e continuou:
-É. A gente definitivamente podia passar sem Alien. Em quantos a gente tá? - Conjecturou, fazendo uma careta de dúvida.
-Nossa, nem sei... - Ela disse, fazendo cara de concentrada. -Contando Prometheus?
-Ugh... - Ele gemeu como se sentisse dor.
-Contando Alien versus Predador? - Ela perguntou novamente, com um sorriso levemente sádico.
-Ugh... - Ele gemeu mais alto, como se a dor fosse mais aguda.
-Contando - Ela começou, mas ele a interrompeu.
-Tá, pára... Daqui a pouco tu conta a cena com o xenomorfo cantando "Hello my baby, hello my darling" em S.O.S. Tem Um Louco Solto no Espaço...
Ela riu:
-Não pode?
-Não... - Ele sentenciou. -Deixa eu ver... O Oitavo Passageiro, O Resgate, 3, Ressurreição, Prometeus, Covenant, versus Predador um, Versus Predador dois... - Enumerou, pautando cada título com o tamborilar de um dedo no quadril dela, onde sua mão estava pousada, agora.
-Oito... - Ela disse. E completou -Credo...
-Né? - Ele concordou. -E o Ridley Scott disse que vai fazer outro... E o Neil Blomkamp queria fazer outro, ainda e só... Sei lá. Os dois primeiros prestam. - Concluiu, novamente desapontado.
-Muito Alien... - Ela disse, balançando a cabeça de leve como quem se compadece de um semelhante em necessidade.
-Nem a colônia LV-426 tinha tanto alien... - Ele disse.
-Que mais? - Ela perguntou, se movimentando de encontro a ele como quem se aninha.
-Bom, já que a gente tocou no assunto, Predador, né? - Ele disse, novamente sem precisar pensar a respeito.
-Predador, também? - Ela quis saber, fazendo cara de interessada.
-Nossa... Predador, muito... - Ele respondeu, olhando pra longe como se pudesse ver cada um dos filmes projetados na parede naquele momento.
-Muito, né, meu amorzinho? - Ela deu corda, doce.
-Tu não concorda? - Ele perguntou, olhando pra ela -Quer dizer... Em quantos a gente tá nesse? Predador, 2, Alien versus, Alien versus 2, Predadores, O Predador de novo... - Novamente tamborilava no quadril dela. -Seis...
-E só o primeiro é bom... - Ela sugeriu.
-Só o primeiro. - Ele confirmou, triste.
-Muito errado isso. - Ela concordou.
-Muito... - Ele continuou, mas então deteve-se franzindo o cenho e a encarando -Tu tá me sacaneando, né?
-Não, não... - Ela disse como quem afasta a mera possibilidade -Continua, que mais? - Encorajou.
-Star Wars... - Ele disse, olhando pro teto.
-Ah, não, péra... - Ela protestou.
-Tô falando. Já deu. - Ele disse, muito sério.
-Não, agora é tu que tá me sacaneando... - Ela disse, tentando afastá-lo com os braços delicados, mas sendo impedida conforme ele, caindo na risada, a puxava de volta pra si:
-Chega desse assunto, então. - Ele sugeriu, rindo.
-Tá... - Ela concordou, fazendo uma cara fechada que estava prestes a desmoronar sob um sorriso que ela não conseguiria conter -Do que tu quer falar, então? - Perguntou.
Ele a beijou no ombro, no pescoço, no rosto e nos lábios, e olhando bem pro fundo daqueles olhos cor de café respondeu:
-De coisas das quais eu nunca vou querer preceder.

Resenha Cinema: Godzilla II: Rei dos Monstros


Em 2014 a Warner e a Legendary pictures se uniram para uma nova tentativa de transformar Godzilla, o pai de todos os daikaiju em um produto global maior do que os filmes da Toho Company com sujeitos vestindo trajes de borracha enquanto andavam por maquetes (e que provavelmente ainda eram melhores do que o desastre da primeira tentativa, em 1998, quando Roland Emmerich cometeu o Godzilla da Sony).
O Godzilla de cinco anos atrás foi um grande sucesso de público e crítica. Bom o suficiente para animar Warner e Legendary a começar seu próprio "monstroverso", um universo compartilhado (claro) de monstros gigantes que, além de Godzilla contaria, também, com King Kong, não em sua tradicional versão de treze metros de altura, mas a versão anabolizada do medíocre Kong - A Ilha da Caveira, de 2017 e outros bólidos abissais chamados de "Titãs" na realidade dos filmes.
Eu provavelmente sou o único fã de monstros gigantes que não gostou tanto assim do longa de 2014. Um filme que se vendeu como Bryan Cranston x Godzilla e se apresentou como Aaron Taylor-Johnson correndo e vendo a silhueta de Godzilla em meio à fumaça...
O monstro gigante preferido de todo mundo aparecia como queríamos vê-lo, com uma maneiríssima releitura digital do visual tradicional de um "tiranostegossauro" gordão com cara de pantera lá nos minutos finais do filme, que eram a parte que realmente valia o ingresso e fazia a gente pensar que o filme até era bacana.
Pra piorar, o Godzilla de Gareth Edwards (diretor do único Star Wars bom, mesmo, da Disney) não era uma vingança da natureza. Não era Deus feito lagarto gigante para punir o homem por seus pecados atômicos, mas um super predador pré-pré-histórico se alimentando de radiação que despertara após um acidente nuclear no Japão.
Não era, nem de longe, minha versão favorita da mitologia do monstro, e certamente não me levaria ao cinema para ver uma sequência, especialmente após Kong: A Ilha da Caveira ter me arrancado bocejos em DVD.
Não...
O que me vendeu essa sequência foram os dois trailers do filme, duas aulas de como é que se vende um longa metragem e provavelmente os melhores trailers a chegar aos cinemas esse ano (sério, se duvida procure pela primeira e segunda prévias do filme na web e me diga se não são empolgantes).
Isso e, claro, o fato de eu ser, desde a minha tenra infância, um fã declarado de Godzilla.
Hoje, após a academia, corri em casa pra tomar banho e chegar a tempo da única sessão legendada de Godzilla 2 na sala mais perto da minha casa e conferir se aqueles trailers fabulosos ao som de Claire de Lune e Somewhere Over the Rainbow eram apenas propaganda enganosa.
No longa descobrimos que a companhia Monarch (estabelecida em Kong) vem monitorando os Titãs há décadas.
Após o ataque dos MUTO em São Francisco e Las Vegas, o governo dos EUA debate se devem encampar a Monarch e usar o conhecimento da empresa para localizar e matar Godzilla antes que ele retorne para possivelmente destruir a humanidade. Obviamente o doutor Serizawa (Ken Watanabe), maior fã vivo de Godzilla no mundo, é contra a ideia. Para Serizawa, titãs como Godzilla são os responsáveis pelo equilíbrio ecológico do mundo, e seu despertar foi um evento causado pelos atos do Homem que, agora, deve aprender a coexistir com as criaturas, entretanto, a posição do cientista não é a mais popular entre os governos do mundo.
Serizawa, Vivienne Graham (uma subaproveitada Sally Hawkins) e Sam Coleman (Thomas Middleditch) lutam em audiências do congresso dos EUA para explicar sua posição ao governo enquanto a doutora Emma Russell (Vera Farmiga) trabalha para a Monarch em uma tecnologia chamada ORCA, uma forma de comunicação com os Titãs.
Emma e sua família viveram uma tragédia quando seu filho mais novo morreu durante os embates entre Godzilla e os Muto cinco anos atrás, ela se afastou de seu marido Mark (Kyle Chandler), e ela agora vive com sua filha Madison (Millie Bobby Brown) viajando pelo mundo com a Monarch catalogando as formas de comunicação das criaturas que a empresa de criptozoologia encontra e cataloga, na esperança de provar ao mundo que a coexistência é possível.
Mas quando o eco-terrorista Jonah Alan (Charles Dance) surge e sequestra Emma e Madison, de posse de conhecimento, não apenas da ORCA, mas também da localização de vários dos Titãs descobertos pela Monarch, incluindo a mariposa gigante Mothra, o réptil de fogo voador Rodan, e a hidra de três cabeças Rei Ghidorah, conhecida como Monstro Zero pela sua posição zênite na pirâmide das criaturas, os membros remanescentes da Monarch precisam correr contra o tempo para tentar impedir que o frágil equilíbrio entre a humanidade e essa raça de predecessores gargantuanos seja destruído, e seu único aliado é o solitário predador alfa capaz de rivalizar com Ghidorah: Godzilla.
Godzilla II: Rei dos Monstros é um filme muito ais satisfatório do que seu predecessora de cinco anos atrás. Enquanto o filme de Gareth Edwards nos fez suportar duas horas e três minutos de esconde-esconde com um monstro gigante que todo mundo conhece a sequência co-escrita e dirigida por Michael Dougherty nos dá logo o que pagamos o ingresso pra ver: Monstros gigantes de digladiando.
A verdade nua e crua é que ninguém compra ingressos para um filme desses interessado nos humanos em cena. Por melhores e mais carismáticos que sejam os atores em cena, eles são coadjuvantes não importa o quanto os responsáveis pelo script tentem vendê-los. A estrela do longa é seu personagem-título. Nós fomos ver Godzilla, e nesse sentido o filme faz o favor de não economizar no nosso herói reptiliano.
Desde o início do filme podemos ver o lagarto atômico em toda a sua glória, e não apenas ele, mas também Ghidorah, Mothra, Rodan e várias outras criaturas em papéis menores. Os efeitos visuais são ótimos, e as cenas de luta entre as criaturas são divertidíssimas. Há poucas coisas mais satisfatórias do que ver Godzilla disparando rajadas de chamas atômicas em outros monstros gigantes, e o longa não falha em nos oferecer isso de novo e de novo.
Nem tudo são flores, entretanto, o elenco humano, ainda que repleto de bons nomes, é mal utilizado em diversos momentos. O personagem de Kyle Chandler é excessivamente sério e por alguma razão sempre sabe mais que todos os militares e cientistas em cena, Millie Bobby Brown basicamente só chora e o arco de Vera Farmiga é confuso pra dizer o mínimo. Há ainda o já mencionado subaproveitamento de atores excelentes como Charles Dance, Sally Hawkins, Ziyi Zhang e David Strathairn, em cena basicamente para vomitar exposição (embora outros coadjuvantes, como Aisha Hinds, O'Shea Jackson Jr. e especialmente Robert Whitford também ganhem a chance de disparar várias frases de efeito divertidas), e a trama construída por Dougherty, Zach Shields e Max Borenstein parece confusa tentando ser complexa.
Isso não chega a ser uma desgraça exatamente porque o longa capricha nas suas sequências de ação. As duas lutas entre Godzilla e Ghidorah são excelentes, e a sequência onde Rodan persegue a ARGOS, nave de controle da Monarch, sobre o Oceano Atlântico é particularmente inspirada.
Eu francamente não sei o quanto estou investido nesse monstroverso da Warner (Há, inclusive uma cena pós-créditos), mas posso afirmar com toda a certeza que Godzilla II: Rei dos Monstros é um filmão pipoca dos mais divertidos, feito pra ver em tela grande, que faz justiça ao seu protagonista de fato e de direito e que certamente vale a ida ao cinema.

"Esse mundo pertence ao Godzilla, nós apenas vivemos nele."

quinta-feira, 30 de maio de 2019

O Teaser de Rambo: Last Blood

Minha criança oitentista está em festa. O quinto filme da franquia Rambo ganhou sua primeira prévia hoje.
Eu me lembro de, quando criança, colecionar os bonecos do Rambo, baseados na série animada infantil que, de algum modo, brotou daqueles filmes violentíssimos.
Eu me lembro de ficar esperando ansiosamente que meu pai decidisse se veria Rambo II: A Missão na Globo, ou Rambo: Programado para Matar no SBT, num golpe baixíssimo do Sílvio Santos que chegou a dizer em seu programa de domingo que se as pessoas decidissem assistir ao longa na Globo não o entenderiam por ser uma sequência...
Eu me lembro de preferir Rocky, mas de ser um grande fã de Rambo e inclusive sonhar em ter uma faca tática e uma fita vermelha pra amarrar na testa...
Enfim, chega de reminiscências.
No teaser podemos ver o veterano do Vietnã levando uma vida pacata como fazendeiro no Arizona (dando seguimento à sequência que fechava os créditos do quarto filme) até a violência voltar com força à sua vida na forma, aparentemente de um cartel mexicano, o fazendo voltar aos velhos métodos na melhor tradição da franquia.



Dirigido por Adrian Grunberg, Rambo: Last Blood deve ser a última passagem de Sylvester Stallone pelo papel título, o elenco conta ainda com a bela Paz Vega, mais Sérgio Peris-Mencheta, a indicada ao Oscar Adriana Barraza, Yvette Monreal e Joaquin Cosio. A estreia do longa está marcada para 20 de setembro.

quarta-feira, 29 de maio de 2019

O Mundo Precisa de Mais Gente Que Nem Tu


O mundo precisa de mais gente que nem tu.
Mais gente engajada, mas não engajada de sofá.
Não engajada de rede social.
Engajada, engajada, mesmo.
Que sai de casa e participa de ações.
Que coloca a mão na massa e ajuda pessoas.
O mundo precisa de mais gente que nem tu.
Amantes dos animais.
Não na teoria.
Não de fazer cara de triste quando vê um bicho na rua.
Não. Amantes de animais de verdade.
Que adota animais abandonados.
Que os acarinha até que eles se apaixonem.
Que os cuida até que eles não saibam viver sem ti.
O mundo precisa de mais gente que nem tu.
Gente inteligente.
Gente diligente.
Que não se esconde do trabalho.
Que não se faz de rogada na hora de pegar no pesado.
Que faz por onde.
O mundo precisa de mais gente que nem tu.
Gente inspiradora.
Que lidera pelo exemplo.
E que o faz naturalmente. Sem forçar a barra.
Sem se fingir de durona.
Gente verdadeira.
Todo o mundo precisa de mais gente que nem tu.
Que se irrita e se encrespa mas não desiste.
Que ri quando feliz.
Que chora quando triste.
Que se emburra quando amuada.
Todo mundo precisa de mais gente que nem tu.
Gente delicada sem ser fresca.
Doce sem ser melosa.
Culta sem ser pedante.
Autêntica sem ser grosseira.
Todo mundo precisa de gente que nem tu.
Ou quase...
Eu, pessoalmente, não preciso de ti.
Linda, espirituosa, engraçada, cheirosa, delicinha.
Que, pra minha felicidade, sofre de cegueira seletiva.
Que assiste seriados que eu simplesmente não verei.
Que ama filmes que eu não teria paciência pra ver.
Que me faz rir sozinho no meio da madrugada.
Que me faz sentir calor e ruborizar.
O mundo precisa.
Eu te quero.

terça-feira, 28 de maio de 2019

Que Seja Doce


Faltavam vinte minutos para a uma da tarde. Era um sábado e temperatura amena no outono e ele já começava a antever as vantagens de estar livre pelas próximas quarenta e quatro horas e meia. Elucubrava a respeito do que fazer com seu tempo pelas próximas horas, antevendo uma passada na locadora, talvez uma ida ao cinema, quando o assobio de seu celular o tirou de seus pensamentos.
"Quer me encontrar?" dizia a mensagem de texto estampada no display judiado, mas ainda funcional de um smartphone que, após mais de quatro anos, se recusava a parar de funcionar fazendo jus ao seu papel de celular de Bruce Wayne em Batman v Superman.
Ele leu a mensagem e sorriu. Digitou usando apenas o polegar direto a resposta: "Sempre".
Os minutos seguintes voaram. Ele atendeu dois telefonemas, conversou, à porta do trabalho com o vizinho do estabelecimento ao lado pedindo troco, e depois apanhou a própria mochila e ganhou a rua.
Ela estava apenas alguns metros adiante, e quando se viram, abriu um sorriso muito grande e muito lindo que era apenas uma das muitas coisas que ele amava a respeito dela. Se cumprimentaram com um beijo, ele encurvando-se, ela pondo-se nas pontas do pés.
-Quer ir almoçar? - Ele perguntou.
Ela confirmou que queria emprestando um tom de sofreguidão e alívio à própria voz que o fez rir. Quando ele perguntou onde ela gostaria de almoçar, ela fez uma cara de pidona que, ele sabia, levaria aquela conversa por um rumo do qual ele não era particularmente fã, mas ao qual muito provavelmente se sujeitaria.
-Eu tava pensando - Ela disse a seu modo todo particular enquanto já andavam pela avenida -Que a gente podia ir almoçar na Matheus.
-Na Matheus? - Ele perguntou, querendo confirmar que ela se referia à Matheus Confeitaria e Café algumas quadras adiante.
-Sim! - Ela confirmou entusiasmada, colocando muitos outros "I"s em sua pronúncia.
Ele, que se não era avesso a doces, também não era o maior dos fãs, sorriu conformado. Havia formado compromisso com ela de procurar pela padaria definitiva da cidade algum tempo antes, e supôs que era parte do acordo, eventualmente, almoçar em uma confeitaria. Sabia que ela poderia facilmente almoçar um pedaço de bolo e dar-se por satisfeita, ao menos por uma meia hora, até sentir fome de novo.
-Tá bem. - Concordou com um sorriso e mais um beijo.
Andaram os quarteirões que separavam seu local de trabalho da Matheus conversando e rindo. Era difícil pra ele não estar dando risada quando estava com ela, fosse por causa da maneira engraçada como ela dizia certas coisas, ás vezes involuntariamente, como a forma arbitrária como categorizava pessoas na rua como "ínguas" ou "vacas", carregada de um desdém que seguia lhe parecendo deslocado na figura miúda, doce e delicada, fosse porque ela simplesmente o deixava feliz.
Entraram na confeitaria sentindo o cheiro do café que, até para quem não era um amante da bebida, caso dele, era agradável, e escolheram uma mesa de canto onde ele largou sua mochila antes de se dirigirem ao balcão onde pedidos deveriam ser feitos. Ela parecia um pinto no lixo de tão faceira ante a grande quantidade de bolos, roscas, doces e tortas na vitrine refrigerada, ele olhava avidamente ao redor a procura de qualquer coisa salgada que fosse maior do que um empada, um risoles serviria, um carrocho quente empanado ou um bolo de batata, mas nada feito.
As únicas guloseimas grandes na Matheus eram bolos e tortas. Era uma confeitaria, afinal de contas.
Ela se virou de olhos brilhando e sorriso aberto quando viu a expressão dele. Ele era dolorosamente transparente quando não estava satisfeito com alguma coisa. Ficava sempre amuado, variava apenas o grau de amuamento. Aquele ali, ela sabia reconhecer, era um nível baixo, um ou dois, no máximo.
Ela conteve o próprio sorriso:
-Só tem doce, né? A gente pode ir a outro lugar... O Ateliê das Massas é pertinho... E tem o McDonald's ali no Rua da Praia... - Ela disse, ainda sorrindo.
Ele olhou pra ela, olhos, sobrancelhas, nariz e lábios. Era tudo bonito individualmente, em conjunto era um sonho vivo acomodado em uma embalagem pequenininha. Não, ele não gostava de almoçar doces, mas conhecia bem demais o amor de sua vida. Sabia que dali a pouco ela sentiria fome novamente e então eles poderiam dividir um prato salgado. Que mal havia em mudar a ordem e o tamanho do intervalo entre os pratos da refeição num dia do final de semana para se divertir com a mulher que amava?
Sorriu de volta pra ela:
-É... Mas aqui tem torta de bombom - Disse, apontando casualmente para um doce particularmente bonito na vitrine. -E eu quero muito comer aquilo ali...
Ela riu. Ele pediu uma fatia da torta de bombom e um quindim, ela pediu bolo de cenoura com cobertura de chocolate. Sentaram, como sempre lado a lado à mesa com suas bebidas, ela com um capucino, ele com uma Coca-Cola seiscentos Ml. que, ele sabia, não beberia inteira nem que quisesse.
Deram as primeiras garfadas em suas sobremesas. Ela olhou muito séria pro bolo:
-Não é a melhor padaria de Porto Alegre. - Sentenciou.
-Confeitaria, meu anjo. - Ele corrigiu.
-Não é a melhor padaria/confeitaria de Porto Alegre. - Ela repetiu com o adendo.
-Não - Ele concordou mastigando sua torta.
Ela olhou pra ele, sorrindo, os lábios lambuzados de chocolate muito além do que seria apropriado para um adulto comum, mas perfeitamente ajustado nela:
-Mas é bom, né? - Inquiriu, sorriso aberto.
Ele passou o polegar nos lábios dela, chupando o dedo e então a beijando. Respondeu:
-Melhor coisa da vida.

segunda-feira, 27 de maio de 2019

Resenha DVD: Homem-Aranha no Aranhaverso


Não foi por mais senão a ausência de cópias legendadas em salas e/ou horários compatíveis com minha agenda que eu não fui ao cinema assistir Homem-Aranha no Aranhaverso. Cheguei a fazer propósito de assistir o filme em meados de janeiro, mas acabei vencido pelos obstáculos já mencionados, o que empurrou o filme pra baixo, bem pra baixo, na minha lista de prioridades cinematográficas do ano (então encabeçada por alguns filmes indicados ao Oscar e Ultimato, claro).
Sábado, após alguns finais de semana inteiramente dedicados a estudo, Masterchef e Game of Thrones, não necessariamente nessa ordem, passei pela locadora do incansável guerreiro Paulo, que mantém um espaço físico para a locação de filmes em mídia física paga com dinheiro de papel como um Don Quixote enfrentando moinhos de vento, e me deparei com o filme na estante dos lançamentos em meio a outros longas que queria ter assistido e por A ou B acabei deixando passar.
Sendo o Homem-Aranha, e tendo sido o vencedor de um Oscar de melhor animação, acabei não resistindo ao apelo do meu super-herói preferido, e levei os Homens-Aranha para passar o final de semana comigo, e ontem, durante meu almoço, me acomodei em meu sofá para assistir ao longa alardeado como "o melhor filme do Homem-Aranha já realizado".
Em Homem-Aranha no Aranhaverso conhecemos Peter Parker (voz de Chris Pine), que foi picado por uma Aranha radioativa no ensino médio e, por dez anos, vem sendo o único e inigualável Homem-Aranha. Ele salvou um monte de gente, se apaixonou, salvou a cidade, e salvou a cidade de novo, e de novo, e de novo, e encontrou até tempo para dançar feito um emo por Nova York entre uma coisa e a outra.
Mas essa não é a história desse Homem-Aranha. Ou não é a história desse Homem-Aranha, apenas.
Nós logo somos levados à companhia de Miles Morales (voz de Shameik Moore), um adolescente de quinze anos lutando para se ajustar à escola interna para super-dotados onde conseguiu uma bolsa de estudos.
Se dependesse de Miles ele seguiria estudando em sua velha escola no Brooklyn com seus antigos colegas, mas isso é simplesmente impensável para seu pai, o policial Jefferson Davis (Brian Tyree Henry) e sua mãe, a enfermeira Rio Morales (Luna Lauren Velez).
Sem conseguir fazer amigos em sua nova escola, Miles busca conforto na companhia de seu tio Aaron (Mahershala Ali), que apesar de distante da família, parece ser a única pessoa com quem Miles é capaz de se relacionar.
É num passeio noturno para grafitar nos túneis do metrô junto com seu tio que Miles acaba sendo picado por uma aranha, e, após começar a desenvolver uma estranha reação à interação com o inseto, vê seu caminho se cruzar com o do Homem-Aranha, a quem vê lutando contra o monstruoso Dunede Verde, o ardiloso Gatuno, e o massivo Wilson Fisk, o Rei do Crime (Liev Schreiber) em um colisor de hádrons construído em segredo nas fundações da Torre Fisk.
Quando o impossível acontece e o herói aracnídeo é derrotado por seus inimigos, Miles se vê potencialmente como a única força defensora do bem na cidade de Nova York, mas para assumir esse papel, Miles precisa encontrar uma forma de controlar suas habilidades, algo que ele simplesmente não consegue fazer sozinho.
Para sua sorte, o colisor de partículas de Fisk acabou atraindo para sua realidade outro Homem-Aranha. Peter B. Parker (Jake Johnson), um Homem-Aranha de 42 anos que foi vencido pela depressão, está grisalho e barrigudo, mas que pode ser o professor de que Miles precisa para aprender a usar suas novas habilidades e cumprir a promessa que fez ao Homem-Aranha que o antecedeu.
A missão dos dois peixes-fora-d'água é facilitada porque Peter B. Parker não foi o único Homem-Aranha interdimensional arrastado para a realidade de Miles. Gwen Stacy (Heilee Stanfeld), a Mulher-Aranha de sua dimensão, foi outra heroína aracnídea afetada pelos experimentos de Fisk, assim como o Peter Parker dos anos 1930, o Homem-Aranha Noir (Nicolas Cage), Penny Parker (Kimiko Glenn), uma adolescente que luta contra o crime pilotando um robô-aranha construído por seu pai e movido por uma aranha radioativa, e Peter Porker, o Presunto-Aranha (John Mulaney), uma aranha falante que após ser mordida por um porco radioativo desenvolveu habilidades únicas, juntos, esse grupo diverso de pessoas-aranha unirá forças para tentar ajudar Miles a salvar sua dimensão e todas as demais e encontrar seu Homem-Aranha interior.
Não.
Homem-Aranha no Aranhaverso não é o melhor filme do Homem-Aranha já feito. Este segue sendo O Espetacular Homem-Aranha (Eu sei, Homem-Aranha 2 é considerado um filme superior, mas acredite, eu tenho meus motivos pra preferir Espetacular). Nem sequer tem o melhor Homem-Aranha do cinema, este segue sendo Andrew Garfield com tanta folga sobre Maguire e Holland que nem dá pra começar a falar a respeito.
A aventura criada por Rodney Rothman e Phil Lord (co-autor de Uma Aventura Lego) e co-dirigida por Peter Ramsey, Bob Persichetti e o próprio Rothman é uma declaração de amor ao personagem e aos quadrinhos onde ele nasceu desde sua extravagante animação, ao mesmo tempo realista e caricata, onde o movimento fluido dos personagens em cena é contrabalanceado por onomatopeias e balões de diálogo e pensamento e quebras de "página", até suas milhares de referências, auto-referências, quebras de quarta-parede e humor caótico, mas tem, em seu coração, a vontade de dar vazão a algo dito por Stan Lee certa feita, sobre como qualquer pessoa pode estar sob a máscara.
A meia-dúzia de Homens-Aranha em cena são absolutamente distintos, nenhum deles é ou tenta ser o Homem-Aranha dos quadrinhos, seja o Aranha 616, seja o Ultimate, ou a versão de qualquer um dos filmes ou animações... Eles são avatares para que qualquer espectador seja capaz de imaginar como seria se ele fosse o Homem-Aranha.
Da descolada e graciosa Gwen ao amargurado e sarcástico Peter B., não há versão do herói em cena que não seja capaz de dialogar com alguém da audiência em algum nível, e esse diálogo é travado de maneira hora hilariante, hora tocante sem perder o ritmo ou escorregar em todo o conteúdo que joga no espectador embalado por personagens com quem simplesmente não conseguimos evitar de nos importar seja pela forma bem sacada como são escritos, seja pelo elenco de vozes escalado além da perfeição (e que ainda inclui Kathryn Hahn, Lilly Tomlin, Zoë Kravitz, Joaquín Cosio, Marvin Jones III, Stan Lee, é claro, Lake Bell e uma hilária ponta de Oscar Isaac).
Homem-Aranha no Aranhaverso usa o herói mais relacionável que os quadrinhos já pariram para contar uma divertida história sobre encontrar aquilo que nos conecta a pessoas diferentes, a coragem que ainda não sabemos ter, e nosso lugar no mundo.
Homem-Aranha no Aranhaverso não é, nem de longe, o melhor filme do Homem-Aranha já feito, mas é o melhor filme já feito sobre ser o Homem-Aranha.
Programaço para qualquer ser humano com um coração e um cérebro funcionais, obrigatório para fãs do Homem-Aranha.

"-... Quando eu me sinto sozinho, como se se ninguém entendesse pelo que eu estou passando, eu me lembro dos meus amigos que entendem. Eu nunca imaginei que eu seria capaz de fazer nenhuma dessas coisas. Mas eu sou. Qualquer um pode usar a máscara. Você pode usar a máscara. Se você não sabia disso antes, eu espero que saiba agora. Porque eu sou o Homem-Aranha. E não sou o único. Nem de longe."

sábado, 25 de maio de 2019

Obrigado


Na quinta-feira uma chuva persistente se derramou sobre Porto Alegre. Não foi um temporal ou uma tempestade. Mas uma chuva constante e de certo volume que fustigou a capital gaúcha por algumas horas garantindo que os tradicionais pontos de alagamento da cidade alagassem e que qualquer pessoa na rua, munida de guarda-chuva, ou não, tomasse um banho. Eu estava atravessando a avenida Presidente João Goulart por mera força do hábito e teimosia quando vi dois homens de meia idade com água pelas canelas lutando para empurrar uma perua da Ford no aclive da avenida antes de ela se juntar à Edvaldo Pereira Paiva.
Eu resolvi me juntar aos dois sujeitos em seus esforços. Sabia que ninguém em sã consciência desceria de seu carro para tomar um banho de chuva e submergir até as calças em água de sarjeta, e que aqueles dois, sozinhos, não eram páreo para o pesado veículo que tentavam empurrar lomba acima.
Me aproximei com as mãos na parte traseira da caminhonete e me pus a empurrá-la junto com o sujeito que já forcejava com um blusão de lã ensopado enquanto o motorista, o mais velho, voltou ao banco do motorista. Em dupla, após alguns metros, o motor voltou a funcionar, e o homem respirou com as mãos nos dois joelhos, pousou a mão em meu ombro e agradeceu.
O outro homem, ao volante, esticou o braço pra fora do veículo e me cumprimentou. Sorri e fiz um sinal de positivo e voltei à margem da calçada para esperar o sinal fechar, e naqueles cinquenta e seis segundos, minha mente viajou...
Quando eu era criança, com oito ou nove anos, não podia ir à praia sozinho.
Era um tipo de tortura para minha versão de menos de uma década saber que o mar estava ali, a menos de cem passos de distância, e que eu não podia enveredar oceano adentro para saciar minha necessidade de "dar um margujão", conforme meu pai e meus tios chamavam o ato de dar um mergulho (ou nas palavras de meu avô, "salgar os colhões"), sem a supervisão de um adulto responsável.
Não era raro que eu acordasse perguntando se iríamos à praia, e passasse várias horas ouvindo todos os adultos ao redor me dizendo que estávamos na praia, o que, tecnicamente era verdade, mas não satisfazia minha vontade de rolar na areia e ficar dentro do mar até que meus dedos murchassem.
Houve um dia em que as crianças veraneando fizeram suficiente alarde para convencer uma tia, não lembro se Téris ou Suzana, a levar uma pequena horda de pimpolhos para a beira do mar e distrair-se com a conversa com alguma vizinha que também cumpria seu horário da tarde na faixa de areia. O que me lembro com riqueza de detalhes, é que minha irmã e eu entramos no mar com a galhardia dos incautos, alheios aos perigos do repuxo.
Pra mim, banho de mar começava apenas quando a água batia na altura da barriga, molhar só os pezinhos era coisa da minha nonagenária bisavó, que se banhava deitada em quatro centímetros d'água.
Eu fui entrando oceano adentro em busca da profundidade ideal, seguido de perto pela minha irmã, três anos mais nova, ou seja, com seis anos, e não sei em que altura a água nos batia quando o repuxo começou a nos sugar.
Estar um uma linha de repuxo é desagradável mesmo quando somos adultos capazes de raciocinar a respeito. Entrar no mar em um ponto da praia e sair dezenas de metros mais a norte ou a sul não chega, de forma alguma, a ser uma situação particularmente estressante, mas perceber-se sendo levado pela corrente em direção à arrebentação, é sempre um momento tenso por mais que saibamos nadar em três estilos ou ao menos pegar um jacaré, todavia quando não temos noção de nada disso, nossa altura não alcança um metro e cinquenta e por mais que tentemos ficar parados continuamos a nos mover rapidamente em direção ao meio do Atlântico, não demora muito para o desespero tomar conta.
Naquele momento, em que eu tentava desesperadamente frear em meus calcanhares sem sucesso, alguém me pegou.
Era um senhor de cabelos grisalhos e bigode. Mesmo pequeno, eu tinha noção de que ele não era um sujeito alto.
Quando ele me apanhou pelo braço, puxando-me para a praia, eu percebi que outro homem, careca e barrigudo, fizera o mesmo com minha irmã.
Eles nos levaram sem dizer nenhuma palavra até onde a água não passava de nossos joelhos, se viraram e voltaram para dentro do mar...
Ao ouvir os agradecimentos efusivos daqueles dois homens de meia idade quando voltei para a calçada, me lembrei dos homens que, possivelmente salvaram minha irmã e a mim do afogamento tantos anos atrás.
Me lembrei que não os agradeci em meu pavor, e que não voltei a vê-los depois daquilo, ou ainda pior, talvez os tenha visto e sem dar o peso devido ao evento, não os reconheci...
O "obrigado" que eu recebi após um ato tão infinitesimal quanto empurrar um carro na chuva, me lembrou do obrigado que eu soneguei anos atrás.
E eu sei...
Eu era uma criança e estava assustado e constrangido. Eu sei. Já racionalizei isso como todos os seres humanos fazem com suas falhas.
Mas eu percebi o quanto um agradecimento sincero pode ser benéfico a quem o escuta. O quanto é recompensador escutar um obrigado...
Por isso firmei compromisso comigo mesmo de jamais voltar a sonegar gratidão em minha vida. Em não deixar meu apreço pelo auxílio ou carinho de alguém passar silente.
A cada pessoa que me tirar de uma encrenca...
Que me der um bom conselho...
Que me estender a mão...
Que não desistir de mim...
Obrigado.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Feliz Dia do Orgulho Nerd


Eu me descobri nerd apenas da adolescência, quando já não era um nerd típico. Eu praticava esportes, namorava, me envolvia em brigas e era um sujeito relativamente popular na escola, mesmo que a definição de popular no Brasil seja diferente daquela dos filmes passados no high school norte-americano.
A questão é que eu não me via, nem na tenra infância, gordo como o Gaguinho dos Looney Tunes, usando roupas que haviam pertencido ao meu tio, lendo dois ou três gibis por dia e criando super-heróis como um Stan Lee sob efeito de cocaína (@inda hoje meus favoritos são o Anarkista, Satanyus e o Comando Celta), como um nerd. Minha definição do termo eram os sujeitos da fraternidade tri-lambda, e eu não queria ser um daqueles caras, e nem me achava inteligente o bastante para sê-lo.
Apenas mais tarde, já com quatorze, quinze anos, me dei conta de que os lambda, lambda, lambda eram um hipérbole caricata, e que eu era, sim, um nerd, mesmo que já não fosse tanto.
Mas havia sido.
Havia sido vítima de bullying na infância, fui ridicularizado pela minha paixão por super-heróis, ficção científica e fantasia medieval, tive meu álbum de figurinhas do RoboCop roubado durante uma aula e devolvido apenas após pedir socorro à professora... Eu tinha sempre um gibi ou dois na mochila e preferia me enfurnar na biblioteca e ler livros sobre insetos do que ficar no pátio da escola brincando de pegar.
Quando fiquei mais velho, após descobrir futebol e gurias, meu amor pela cultura nerd foi pro banco do carona, mas ainda estava lá. Eventualmente despertada quando alguém falava algo que eu sabia estar errado e eu me via na obrigação de corrigir, como quando dois sujeitos discutiam em uma livraria se Jim Lee desenhara, ou não, o Justiceiro sem chegar a um acordo, e eu, passando de mãos dadas com a namorada da época, esclareci que Lee desenhara a fase do Justiceiro no Havaí, deixando uma expressão de "Ah, sim!" na cara dos nerds, e de intriga na cara da moça que andava comigo sem saber que eu era um sommelier de revistinha.
O tempo passou, e meu amor por gibis, livros e filmes de temática nerd voltou a aflorar. Eu me flagrei voltando a colecionar super-heróis, desenhá-los e eventualmente até escrever alguma coisa... Voltei não apenas a jogar RPG, mas a mestrar campanhas de D&D e Star Wars e Call of C'thulhu, me peguei colecionando DVDs de filmes e séries e brinquedos do tema, e até a vestir minhas paixões e marcá-las na pele.
E me dei conta que ser nerd deixara de ser algo que marginalizava uma pessoa. Pelo contrário.
Os dias dos idiotas com porta-canetas no bolso da camisa pólo da fraternidade tri-lambda acabaram agora, ser nerd tornara-se maneiro. Descolado, até.
Mesmo pessoas que não eram nerds queriam ser, pensavam ser, tentavam ser, ou ao menos parecer.
O período de trevas se desvanecera, e os nerds haviam herdado a Terra.
Haviam ganhado até um dia para celebrar seu orgulho.
O 25 de maio.
Não os posers, que passam a noite na rede social e se consideram geeks.
Não as gurias que se juntam à comunidade do Homem-Aranha sem saber diferenciar Ditko e Romita Sr.
Não os sujeitos que viram meia dúzia de filmes do MCU no cinema, ou os casais que não tinham o que fazer domingo de noite e resolveram tentar ver Game of Thrones.
Não...
O Dia da Toalha é para aqueles que sabem nomear as seis jóias do Infinito. A formação original dos Vingadores dos quadrinhos. Os três primeiros vilões enfrentados pelo Homem-Aranha na ordem certa. A lista de alvos de Arya Stark. A sociedade do Anel. A companhia de Thorin Escudo-de-Carvalho. Quem está morto e aguarda sonhando. Qual o menor tempo que alguém levou pra fazer a volta de Kessel e ao menos cinco utilidades de uma toalha.
Para vocês, meus preciosos, que sabem tudo isso, eu desejo uma vida longa e próspera, que a Força esteja com vocês, valar morghulis, fthang, grandes poderes trazem grandes responsabilidades, feliz dia do orgulho nerd, e não entrem em pânico.

terça-feira, 21 de maio de 2019

Resenha Série: Game of Thrones, Temporada 8, Episódio 6: The Iron Throne


Atenção! Spoilers abaixo!
Há alguns anos, quando seu desprendimento sobre matar protagonistas tornara-se de conhecimento do grande público após o Casamento Vermelho chocar os espectadores de Game of Thrones, George R. R. Martin, autor dos livros que inspiraram o seriado, começou a ser bombardeado com perguntas sobre quem ainda estaria vivo no final da série e que tipo de cataclismo de proporções bíblicas todos poderiam esperar no desfecho da história.
Martin respondeu sempre que o final que tinha em mente para As Crônicas de Gelo e Fogo era agridoce. E citava o final de O Senhor dos Anéis como uma óbvia inspiração, e eu entendia.
O final de O Senhor dos Anéis, ao menos um deles, sempre me pareceu, se não triste, melancólico, com a Sociedade do Anel se separando, Frodo indo para Valinor com Gandalf e tudo o mais...
Dito isso, The Iron Throne, episódio final de Game of Thrones na divisiva temporada final do programa encontrou, me parece, esse mesmo tom.
Os Eventos de The Bells deixaram marcas. A sanha assassina de Daenerys Nascida da Tormenta não passou despercebida de seus mais novos aliados.
Se dothraki e Imaculados estão perfeitamente confortáveis com a ideia de reduzir uma cidade e sua população a cinzas em nome de uma vitória, Tyrion Lannister, Jon Snow e sor Davos Seaworth não podem dizer o mesmo.
O massacre de Porto Real abala as estruturas de comando de Daenerys e a confiança de seus seguidores na habilidade de liderar da rainha louca mirim.
Após Tyrion encontrar os cadáveres de Jaime e Cersei soterrados (parcialmente soterrados, de uma maneira que faz parecer que se eles tivessem corrido mais pra esquerda poderiam ter sobrevivido...) nas catacumbas e ouvir o alucinado discurso de Daenerys prometendo que ela e seus exércitos viajariam pelo mundo libertando mais e mais cidades como fizeram com Porto Real, ele abdica do cargo de Mão da Rainha apenas para ser aprisionado e levado para aguardar sua sentença de morte queimado vivo pelo fogo de Drogon por traição à sua rainha ao ter libertado Jaime, e após uma conversa com o Duende, Jon Snow descobre que tem o futuro de Westeros em suas mãos e precisa tomar uma atitude.
O fato de ser Jon a matar Daenerys não me surpreendeu.
Era uma pedra que eu vinha cantando desde antes de Dany despirocar, embora, na época, eu achasse que haveria alguma coisa mais mágica envolvida e que seria na luta contra o Rei da Noite, que eu pensava que era o grande inimigo na série por causa da maldita profecia de Azor Ahai, seja como for, se a morte de Daenerys não era mais surpresa após o episódio passado, sua mudança absolutamente brusca de personalidade segue sendo a maior forçada de barra da série em uma temporada repleta de problemas.
Ainda que os roteiristas tenham tentado dar uma desdobrada na audiência com a conversa entre Tyrion e Jon, quando o Duende relembra todas as vezes em que Daenerys massacrou inimigos e os queimou vivos, há um elemento que não se encaixa:
Dany sempre matou tiranos e assassinos, sem jamais levar sua sede de fogo e sangue aos indefesos.
E essa é uma ponta solta que o discurso da jovem rainha ao se justificar para Jon, nem mesmo tenta amarrar. Ela abandona todo e qualquer sentido quando ela diz que Cersei estava usando a inocência do povo contra ela.
Mesmo das costas de um dragão era perfeitamente possível para Dany perceber que seus verdadeiros inimigos estavam na Fortaleza Vermelha, e uma vez que ela estava disposta a derrubar a porra toda, ela podia ter simplesmente parado com Drogon junto da torre e mandando Cersei, Quyburn e Gregor pro inferno e tomado a cidade como uma heroína da maneira que ela fizera em Meereen, Astapor, Yunkai, etc, etc... Mas era mais rápido simplesmente virar a chave e fazer com que Jon e Tyrion tivessem justificativas para traí-la do que desenvolver um comportamento psicopata gradual na personagem em seis episódios, então...
Ao simplesmente virar a chave e fazer Denerys ir do lado do bem ao lado do mal na forma mais Anakin Skywalkeresca possível, os produtores/roteiristas roubaram da audiência a capacidade de saber o que Dany estava sentindo ou pensando, e quando nos foi tomada a capacidade de sentir empatia pela khaleesi, algo que vínhamos fazendo desde o primeiro episódio, quando ela estava sendo vendida por Viserys a Drogo, a série tornou a morte da personagem inócua.
Esse, por sinal, talvez tenha sido o grande defeito do final da série.
Os sacrifícios, as mortes, as reminiscências, tudo foi um pouco vazio de significado e emoção. Por mais que o episódio final não tenha sido a desgraça que chegou a se imaginar (eu certamente cheguei) por conta da completa irregularidade da temporada, ele foi achatado nesse sentido.
Mesmo o que deveria ter sido a grande cena do episódio, com Drogon destruindo o Trono de Ferro, uma cena, por sinal, muito bonita e bem filmada, sobraram as dúvidas de porque Drogon não matou Jon, e de onde o dragão encontrou insight para o simbolismo de "Minha mãe morreu por causa desta cadeira idiota", e sim, eu sei que estou sendo tenebrosamente cri-cri com esse comentário, mas Benioff e Weiss meio que mereceram.
Ademais, o final, com aleijados, bastardos e coisas quebradas foi mais feliz do que poderíamos ter imaginado, mesmo com novas idiossincrasias.
Conforme uma morena muito cheirosa pontuou, Tyrion acabara de escolher o novo rei de Westeros para os lordes remanescentes, e depois disse que não servia para ser conselheiro?
Ele provavelmente era a pessoa viva no continente com mais experiência como Mão, ele era a óbvia escolha.
Bran, com sua humanidade parcialmente removida de si após se tornar o Corvo de Três Olhos era, de fato, a escolha óbvia para ser rei (como Adam Warlock, que remove de si o bem e o mal para ser um portador confiável da Manopla do Infinito...), e formou um pequeno conselho repleto de pessoas astutas e/ou inteligentes, mas sem ninguém cruel ou mau.
Brienne como comandante da Guarda Real foi uma boa sacada, e a cena onde ela terminou de preencher a página de Jaime no Grande Livro Branco só não foi mais tocante porque o arco de personagem de Jaime foi uma puta mentira. Sansa Stark, por outro lado, acabou tendo o arco de personagem mais bacana (teria sido Jaime sem os eventos dos dois últimos capítulos), indo de fedelha enjoada a líder política lutando pelo seu povo e por Jon, e obtendo a independência do Norte tornando-se sua rainha, enquanto Arya praticamente ganhou uma ideia para um Spin-Off sobre as aventuras de Arya Stark do Caribe, enquanto Jon é mandado de volta para a Patrulha da Noite, que, francamente, parece não ter mais razão de existir, mais ainda, Jon é exilado para agradar um exército de escravos genocidas que foi embora de uma cidade em ruínas onde estavam aquartelados?
Por outro lado, foi bom que após passar tanto tempo dizendo que não queria ser rei, Jon não tenha sido forçado a fazê-lo fosse em Porto Real, fosse em Winterfell (ainda que essa decisão tenha meio que feito toda a longamente debatida linhagem do personagem ser absolutamente inútil). Me pareceu que depois dos anos desgraçados que o personagem que, no fim das contas é o herói de Game of Thrones viveu, ele encontraria alguma paz verdadeira vivendo entre o Povo Livre com Tormund e Fantasma, com quem, aliás, Jon compartilhou um dos melhores momentos do episódio, provavelmente o único em que alguém pareceu, não satisfeito, ou tendo a certeza do dever cumprido, mas verdadeiramente feliz.
A nossa vigília de oito anos chega ao fim com mais cara de Um Sonho de Primavera do que de Ventos do Inverno (aliás, chegamos, de fato, a ter um inverno na série...?), a despeito da maneira truncada, quase corrida como a temporada final foi tratada pelos inexplicavelmente apressados produtores do programa.
Algumas tramas tiveram fins insatisfatórios, outras foram simplesmente deixadas de lado, e a transição de Dany de mocinha a vilã foi particularmente amarga em sua má execução, verdade, a despeito disso, este episódio final, sem tirar nem pôr, poderia ter sido tão grandioso, se a temporada tivesse sido melhor administrada, e isso é tanto um feito quanto uma pena.
Espero, francamente, que não seja isso que Martin tenha imaginado quando falou em final agridoce.

"-O amor é a morte do dever."

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Resenha Cinema: John Wick 3: Parabellum


Quando o anacrônico De Volta ao Jogo (porque Odin proíba um filme ter, no Brasil, um nome próprio no título) foi lançado em 2014 não era difícil imaginar que, sozinha, a mitologia do Wickverso com seus medalhões, emblemas e regras pétreas de conduta, já valeria uma franquia. Somada à esperta direção do ex-dublê Chad Stahelski e à disposição de Keanu Reeves de abraçar a fisicalidade de um papel definitivo, o longa deu origem a uma segunda parte em 2017 e a um terceiro capítulo que estreou ontem nos cinemas brasileiros, e que eu corri pra ver no cinema, algo que não tivera a decência de fazer com os dois filmes anteriores.
John Wick 3: Parabellum abre imediatamente após os eventos do segundo longa, Um Novo Dia Para Matar (é... Vai longe o tempo dos títulos bem sacados no Brasil), John Wick (Reeves) foi banido do círculo de assassinos do qual fazia parte, após matar um membro da Alta Cúpula nas instalações do Hotel Continental, perdendo os benefícios e vantagens da inacreditavelmente extensa e bem montada rede de estabelecimentos e profissionais que operam em nome dos portadores dos estilosos dobrões de ouro trocados entre esses matadores. Após ganhar de Winston (Ian McShane) um prazo de uma hora antes de sua excomunhão entrar em efeito, John corre contra o tempo para se preparar para a tempestade que uma recompensa de 14 milhões de dólares por sua cabeça jogará em seu caminho.
A única alternativa de John para sobreviver às investidas de infinitas hordas de matadores gananciosos é usar o que ainda restou de suas conexões, da diretora da sinistra escola de balé bielorrussa (Angelica Houston) que foi sua mentora e protetora no passado, à gerente do Continental de Casablanca, no Marrocos, Sofia (Halle Berry), de quem John possui uma promissória para tentar alcançar O Ancião da Alta Cúpula dos assassinos (o nada ancião Saïd Taghmaoui) e reverter sua excomunhão através de uma oferta pessoal de penitência, uma dádiva que pode não vir sem um altíssimo preço a ser pago conforme vão descobrindo todos aqueles que ajudaram John quando uma Juíza da organização (Asia Kate Dillon) surge para puni-los pelo auxílio prestado ao excomungado usando as habilidades de Zero (um ótimo Marc Dacascos, que se junta a Kristin Kreuck como uma dessas pessoas de etnia indefinida que podem fazer papel de índio, oriental ou caucasiano conforme a necessidade do roteiro) e seus alunos, uma facção de assassinos dentro do mundo dos assassinos, que aparecem para colocar Winston e o Rei do Bowery (Laurence Fishburn) em posições delicadas, e que colocarão as habilidades de John à prova conforme ele precisa decidir onde reside, de fato, sua lealdade, e até onde ele está disposto a ir para recuperar o que sobrou de sua vida após a morte da esposa.
Sim, John Wick 3: Parabellum é genial.
O longa tem seus tropeços, a expansão do Wickverso não é tão inspirada quanto nos dois longas anteriores (o Ancião no Sahara, por exemplo, é meio sem-sentido mesmo nesse universo, a Juíza tinha um potencial sensacional após Ares e Srta Perkins terem sido personagens tão bacanas no segundo e primeiro filme, respectivamente, mas não alcança o mesmo patamar...), mas mesmo os excessos e pernas curtas do roteiro de Derek Kolstad, Shay Hatten, Chris Collins e Mark Abrams (Aumentou o número de roteiristas, o script começou a ficar problemático. Coincidência?) empalidecem frente aos acertos do filme.
Da sequência de ação inicial, com John enfrentando Ernest, um enorme assassino eslavo (vivido pelo jogador sérvio da NBA Boban Marjanovic) usando um livro na biblioteca pública de Nova York, aos seus desdobramentos onde ele usa de revólveres do Velho Oeste a facas, machados e cavalos como arma para enfrentar matadores chineses e italianos em sua tentativa de chegar ao teatro bielorrusso passando pela genial sequência de luta de John, Sofia e seus cachorros contra a rapa na casa de Barrada (o Bronn de Game of Thrones Jerome Flynn) em Casablanca, até a luta de John contra os shinobis de Zero (que incluem Yayan Ruhian, dos dois Operação Invasão) em Nova York, o filme usa as coreografias de luta de novo e de novo para presentear a audiência com construções visuais tão belas quanto excitantes, os momentos de humor inesperados, a qualidade algo excessiva de todas as atuações que se dividem entre teatrais e assumidamente canastronas e situações do filme, que fazem absolutamente parte da diversão, e, claro, Keanu Reeves se tornando um action hero de pouquíssimas palavras de fazer o mais mudo brucutu oitentista engasgar de inveja com sua habilidade de dizer tudo com seus punhos, armas, facas e chaves de perna.
A ação de John Wick, sozinha, tem mais personalidade que toda a franquia Velozes e Furiosos, e quando somada ao carisma abissal de Reeves e à competência de Stahelski e equipe em criar narrativa através de pancadaria, nós só podemos nos perguntar por que é que não há mais filmes assim estreando toda a semana.
Assista no cinema.

"-Você está puto da vida, John?
-É..."

terça-feira, 14 de maio de 2019

Alguém Pior


Em certa fase de minha infância, não me pergunte por que, eu adquiri uma predileção toda particular por determinado estilo de vestuário de gosto indiscutivelmente duvidoso.
Eu me tornei um apaixonado por roupas de cores muito, muito vivas, geralmente com toques de néon luminosos, estrias geométricas sobrepostas e, sempre que possível, mais de três cores em cada peça.
Pode parecer estranho, mas era o começo dos anos 90, e a moda que tinha sido medonha na década anterior ainda não melhorara muito. Tudo era muito largo e colorido, dos tênis aos chapéus, e com onze anos de idade, eu me lembro de me vestir, basicamente, na C&A (é, eu era pobre assim), de modo que praticamente todas as minhas peças de roupa tinha o logo da ////Ace e eram algo fosforescentes como um fungo alienígena, me lembro de ter um par de tênis brancos incrivelmente sem graça, nos quais apliquei dois cadarços, um amarelo-limão e outro rosa-pink que combinava com um boné, também rosa pink, da Hang Loose que parecia ter sido aplicado com Super Bonder no meu crânio.
Não bastassem os tênis e o chapéu chamativos, eu também usava camisetas com estampas fluorescentes, como uma camiseta de manga longa verde-musgo onde lia-se "Colorado", fazendo referência ao estado norte-americano, não ao meu clube do coração, em laranja néon, e uma vasta e extravagante coleção de bermudas havaianas que eram abismais em suas gloriosas estampas.
À certa altura descobri uma loja perto da casa dos meus pais, onde vendiam essa espetacular coleção de bermudas que misturavam laranja, amarelo, rosa, azul e verde com motivos florais, geométricos ou psicodélicos que eram exatamente o que eu, do alto de minhas noções infantis de estilo pautadas pela influência de Sérgio Mallandro, desejava de uma peça de roupa.
Não preciso dizer que pedi todas e aproveitando-me do trauma de minha mãe e avó de que eu sempre queria brinquedos, jamais vestuário, de presente, acredito ter conseguido ganhar ao menos meia-dúzia daquelas peças inexplicáveis em um curto espaço de tempo, e até meu pai, que jamais fora um grande presenteador, chegou a me dar uma daquelas bermudas medonhas que faziam a alegria de meu guarda-roupa.
Nenhuma daquelas peças, porém, era a minha favorita.
A grande joia de minha coleção de bermudas inexplicáveis fora uma peça mais longa e com mais bolsos, e era roxa como um hematoma, decorada com flores azul-piscina e ramos verde-limão num contraste de ferir a vista de quem olhasse diretamente.
Não preciso dizer com que tipo de orgulho enverguei aquela bermuda hedionda por dias a fio, complementando o visual com meias amarelas, camisetas verde-concórdia e chapéus rosa-pink, sempre faceiro e alheio ao ridículo de que a singularidade de minha péssima noção de estilo faziam-me passar fosse porque ninguém na Escola Paula Soares fosse exatamente um exemplo de consciência fashion (excetuando-se o professor Benítez, de História, que inclusive fazia bicos como modelo das lojas Tevah), fosse porque desde a tenra idade eu tivesse uma habilidade ímpar de não ligar para as opiniões de outrem.
Seja como for, meu grande momento de decepção fashion deu-se quando Júlio, outro moleque gorducho na quinta-série, surgiu com uma indumentária composta por short e camisa de estampas idênticas à de minha bermuda.
Meu mundo ruíra. Não era eu, mas Júlio, o ícone de estilo havaiano da quinta-série, e restava-me assimilar tal derrota, ou passar a me vestir todo de brim, que, na verdade, foi o que fiz quando ganhei uma jaqueta jeans com dois bolsos frontais onde cabia confortavelmente um gibi de formatinho, mas me desvio do assunto... O ponto é que, na época, passou-me despercebido que, o fato de Júlio ter pais mais despreocupados com o fato de o filho se vestir como se tivesse sido vomitado por um unicórnio, não era uma derrota, mas uma lição:
Sempre há alguém pior do que nós.
Hoje, eu posso olhar pra trás, e compreender que Júlio e sua indumentária de duas peças roxa, azul e verde são testemunho de que, por mais improvável que possa parecer, em alguma parte, há alguém sentindo mais saudade, mais desejo, enfim, mais apaixonado do que eu.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Resenha Série: Game of Thrones, Temporada 8, Episódio 5: The Bells


Atenção! Há spoilers abaixo!
A hora chegou. Daenerys colou seus exércitos nas muralhas de Porto Real, montou em Drogon e está pronta para tomar a cidade de assalto e finalmente sentar na cadeira mais cobiçada dos sete reinos com fogo e sangue em outro episódio divisivo da temporada final do programa.
Se Game of Thrones tivesse mantido a duração de suas temporadas em dez episódios, é bem possível que muito do que soa gratuito e forçado nos últimos anos tivesse sido merecido e desenvolvido...
Na inexplicável ânsia de encurtar um programa que angariou uma legião de fãs e é campeão de audiência, David Benioff e D. B. Weiss colocaram sua grande realização televisiva em uma posição complicada entre os espectadores que têm acompanhado a saga desde seu início nove anos atrás. Se eu ouvi muita gente se queixar da forma questionável como as passagens de tempo funcionavam em Westeros na temporada passada, um deslize que eu estive pronto para perdoar, diga-se de passagem, esse ano final se notabiliza por usar atalhos narrativos duvidosos tanto nos treslados dos personagens (que ainda parecem viajar de concorde pelo continente inventado por George R. R. Martin), quanto em sua evolução.
Claro, todos nós estávamos vendo que Daenerys não estava muito bem da cabeça desde o começo da temporada conforme suas interações com Sansa deixavam claro. Nós a vimos pagar um altíssimo preço pela vitória sobre o Rei da Noite e vimos o seu ódio por Cersei ser turbinado pela execução de Missandei, o grande ponto, aqui, é que Daenerys vem perdendo coisas e pessoas há oito temporadas sem que isso a tivesse afetado de maneira decisiva, e nos últimos cinco episódios nós jamais tivemos nada, nem um insight verdadeiro da personagem que mostrasse porque ela estava indo de quebradora de correntes a churrasqueira maluca, apenas pessoas falando nos bastidores que ela estava agindo feito louca.
Não me entenda errado, eu sei que muita gente estava antevendo a possibilidade da rainha dragão despirocar já há muito tempo (havia até quem estivesse ansioso por isso) já que pistas vinham sendo deixadas pelo caminho nos últimos quatro episódios conforme o comportamento de Dany se deteriorava, a questão é que a transição foi tratada de forma tão tosca e apressada que é difícil não ver a coisa toda como uma tentativa de simplesmente dar uma rasteira na parte da audiência que tinha comprado a ideia de que a mais jovem Targaryen era boa e gentil. Ideia, diga-se de passagem, que vem sendo semeada de maneira muito mais convincente pelos produtores desde o começo da série. E quando nos lembramos de Daenerys reconhecendo a maldade de seu pai, o Rei Louco, e prometendo que deixaria o mundo melhor, ou prometendo que não navegara a Westeros para ser rainha das cinzas, fica ainda mais indigesto vê-la montada em um dragão mandando mulheres e crianças aos berros pro inferno em nuvens de fogo sem pensar que isso é menos uma transição natural do que uma necessidade da trama levada a cabo meio de qualquer jeito.
Surpreendentemente, Daenerys resolvendo ativar o modo Rainha Louca nem foi o pior desenvolvimento de personagem de The Bells.
Cersei Lannister, que galgara degrau por degrau desde a primeira temporada da série a posição de personagem que todos nós aprendemos a amar odiar graças a interpretação de Lena Headey, que não deve ter tido cinco páginas de roteiro pra ler nessa temporada e ficou relegada a fazer caras de nojo quando era tocada por Euron Greyjoy, estreitar os olhos quando maquinava contra Daenerys e resmungar que a Companhia Dourada veio sem elefantes. Após tantos anos posando de fodona, a rainha mãe que sempre fora uma ameaça velada a todos os disputantes do jogo dos tronos encontrou seu fim chorando e dizendo que não queria morrer, abraçada por Jaime, este sim, o personagem que mais foi sacaneado pelo roteiro.
Todo o seu arco de redenção e descoberta foi jogado no lixo ao levarem-no de volta a Porto Real para, primeiro ser "morto" por Euron, provavelmente o pior (no mau sentido) vilão da série, e acabar agarrado na Cersei, que, por sinal, não precisava ter medo de Valonqar nenhum, deixando claro que todas as profecias de Game of Thrones são balela (e reforçando minha aversão por profecias e escolhidos...). Por mais que faça sentido que os personagens terminem ali, considerando onde eles começaram, e a importância de haver uma punição para Jaime, que após tudo o que aprontou não merecia um final feliz vivendo em Winterfell com Brienne, este final especificamente, é simplesmente injusto para com a trajetória do personagem ao longo do programa.
Mas vá lá, nem tudo em The Bells foi horrível. A investida de Daenerys contra a Frota de Ferro (que ela tinha "meio que esquecido" no episódio anterior, segundo os produtores) e contra as muralhas de Porto Real foi muito boa, a sequência do massacre liderado por Verme Cinzento também foi brutal, mostrando que Miguel Sapochnick é muito mais o diretor de Hardhome e The Battle of the Bastards do que o de The Long Night, o Cleganebowl pode não ter sido exatamente o que eu esperava, mas teve seus momentos, especialmente ao ser intercalado com a claustrofóbica tentativa de fuga de Arya, e ainda mais após a bela cena que a jovem Stark compartilha com o Cão de Caça (a despedida entre Tyrion e Jaime, aliás, também foi um belo momento), e a expressão de Jon ao perceber que Daenerys não aceitou a rendição de Porto Real também é digna de nota.
Agora resta ver como as coisas vão tocar no final da série na semana que vem, pra mim, parece que Daenerys alcançou um ponto sem retorno ou redenção possíveis após os eventos de ontem, e a grande pergunta não é mais quem vai terminar sentado no Trono de Ferro, mas quem irá matá-la (meus palpites são Jon ou Arya, com Tyrion correndo por fora), e se Benioff e Weiss serão capazes de tirar da cartola algum coelho que faça com que a última temporada do que poderia ter sido a grande produção de fantasia da história da televisão fique marcada pelo que foi, e não pelo que poderia ter sido.

"-Você não que acordar o dragão, quer?"

domingo, 12 de maio de 2019

Andando em Estrelas


Acorda.
Olha o relógio. Onze e quatro.
"Muito cedo...".
O peito dói. As costas doem. A garganta arranha.
Vira pro lado.
Vira pro outro.
Não volta a dormir.
Liga a TV.
Manchester City x Brighton. Começa a ver. Cochila.
Acorda com um gol. Dorme de novo.
Acorda com um gol. Dorme de novo.
Fica acordado. O jogo acaba. City campeão.
Muda o canal. Exterminador do Futuro 2. Deixa a TV ligada. Olha pro teto.
Olha o celular. Olha o teto. Olha o celular. Olha a hora. Duas da tarde. O estômago ronca.
Levanta. Banho.
Olha o celular.
Mercado.
Volta pra casa.
Almoço. Liga a TV. Beijos e Tiros.
Louça.
Lava a panela. Bufa. Depois sorri.
Roupa na máquina.
Jogo do Internacional.
Roupa na varal. Bufa. Depois sorri.
Lê. Astrofísica para Apressados.
E se jamais descobrirmos o que são matéria e energia escura por causa da expansão do universo?
Olha o celular.
The Atheist Experience e Marvel's Spider-Man.
Desafios da Screwball. Bufa.
Olha o celular.
Masterchef. Sorri.
Depois Game of Thrones. Sorri de novo.
Olha o celular. Bufa. Depois sorri.
Vai chegar um momento em que o domingo será o melhor dia de uma semana de dias sensacionais, em que cada volta depois da academia será andando nas nuvens antevendo a chegada em casa. Andando em estrelas. E não vai ter vulcão e nem mosquito que se intrometa.
Sorri. Depois bufa.
Domingo ainda não é seu dia preferido.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

O Segundo Trailer de Homem-Aranha - Longe de Casa

A Marvel divulgou mais cedo o segundo trailer de Homem-Aranha: Longe de Casa, primeiro longa pós-Vingadores: Ultimato que vem até mesmo com um aviso de spoilers antes de seu início, então, se ainda não viu o último Vingadores, é hora de ir embora...
A prévia mostra Peter Parker lidando com os eventos de Ultimato e tentando equilibrar suas responsabilidades como super-herói com a vida de estudante do ensino médio em uma excursão pela Europa quando Nick Fury surge em suas férias com uma missão que envolve o ataque de criaturas elementais pela Europa e o conceito de multiverso.
Confira:



Novamente dirigido por Jon Watts e escrito por Erik Sommers e Chris McKenna o longa apresentará o vilão Mysterio (Jake Gyllenhaal) e trará de volta Tom Holland, Zendaya, Marisa Tomei, Jacob Batalon além de Samuel L. Jackson e Cobie Smulders.
O lançamento ocorre em  4 de julho.

Resenha Série: Game of Thrones, Temporada 8, Episódio 4: The Last Of The Starks


Atenção!
Spoilers abaixo!
Não é de hoje que Game of Thrones tem apresentado problemas de ritmo e desenvolvimento consideráveis em sua narrativa. Não é difícil mapear esses problemas em sua forma mais grave ao momento em que a série ultrapassou seu material fonte, no caso, as Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin, onde Jon continua morto, Daenerys acaba de decolar pra fora de Astapor (eu acho...) sem nunca ter conhecido Tyrion Lannister, Cersei está sendo mantida cativa pelo Alto Pardal, Arya está na Casa do Preto e do Branco e Jaime está indo ao encontro de Lady Coração de Pedra nas Terras Fluviais, e me desculpem se eu errei a cronologia dos acontecimentos, faz alguns anos que li A Dança dos Dragões, último dos livros lançados por Martin, mas isso serve para situar aos espectadores que jamais leram os livros sobre o quanto Game of Thrones avançou por sua própria conta para além d'As Crônicas, e, tendo lido os livros, é difícil não perceber o quanto a série enfraquece quando anda com as próprias pernas por mais que Benioff e Weiss tenham dito em diversas ocasiões que estão seguindo as direções dadas por Martin.
O ponto é que eu entendo perfeitamente quem não está gostando de elementos das últimas temporadas de Game of Thrones porque eu não tenho gostado de elementos da série desde que li os livros, mas em se tratando de adaptações, especialmente as bem-intencionadas como é o caso do épico de fantasia da HBO, eu aprendi a abraçar os pequenos pontos altos e nesse sentido, The Last Of The Starks foi um ponto alto ao retomar uma das facetas da história que sempre me agradou mais:
A intriga palaciana.
Após a Batalha de Winterfell os sobreviventes do embate que impediu a Longa Noite honram seus mortos e celebram sua vitória.
Nem tudo são flores, porém. A descoberta da verdadeira linhagem de Jon Snow deixou Daenerys apreensiva. A rainha dragão não parece nem um pouco satisfeita de ver o seu sobrinho receber loas e ovações sucessivas de nortenhos e selvagens sem cessar, e a despeito de espertamente ter tornado Gendry Rivers Gendry Baratheon, senhor de Ponta Tempestade, Dany praticamente usa esse episódio inteiro pra mostrar que não está nem um pouco segura de si em Westeros, e isso não passa batido para os Stark remanescentes, em especial Arya e Sansa.
Se Arya (que tem uma cena genial com Gendry) ainda é capaz de relativizar as escolhas que Jon fez para vencer a guerra contra o Rei da Noite, Sansa não é capaz de ver absolutamente nada de positivo na aliança de seu irmão com Daenerys.
Aqui cabe dizer que, em The Last Of The Starks nós tivemos um vislumbre dolorosamente óbvio que o quanto a redução no número de episódios na temporada final está sendo danosa para a série.
Os setenta e nove minutos do episódio não são nem remotamente suficientes para entregar a contento tudo o que o capítulo se propõe a mostrar, de modo que é difícil não ter a sensação de que estar vendo um compacto do que deveriam ter sido facilmente uns três episódios.
Quando Jon divide com suas irmãs o segredo de sua linhagem, e minutos depois Sansa divide esse segredo com Tyrion, precisamos ter muita boa vontade para não pensar que a ruivona é simplesmente uma fofoqueira.
A correria do capítulo nos deixa com a impressão de que Sansa está agindo por egoísmo ou despeito, embora haja uma sugestão de que ela apenas se preocupa com Jon e teme que Daenerys possa se tornar uma tirana...
Dany, por sinal, é outra personagem que não sai bem da correria do episódio. Eu sou perfeitamente capaz de compreender a derrocada da mãe dos dragões, realmente sou. Desde que chegou a Westeros Daenerys tem sofrido perda em cima de perda, e agora mesmo o trono que ela julga ter nascido para ocupar parece pertencer a outra pessoa. O orgulho ferido e a morte das pessoas que lhe eram mais caras funciona pra mim como o combustível para Daenerys despirocar, a questão é que, novamente, isso deveria acontecer de forma gradual para ser uma transição convincente e não um chilique. É especialmente frustrante porque não estamos falando de batalhas campais massivas ou grandes cenas cheias de dragões e zumbis, mas de algo que Game of Thrones usava com maestria em suas temporadas iniciais que era o desenvolvimento dos personagens através das relações entre eles. Mais duas horas de cenas de diálogos poderiam resolver ou ao menos minimizar o problema, e o mesmo vale para um dos meus momentos preferidos no episódio que terminou em um balde de água fria:
Brienne e Jaime.
Todo mundo estava querendo que os dois fossem um casal desde a terceira temporada da série, e nós finalmente tivemos nossa paciência recompensada com uma sequência de boas cenas que culminaram com os dois finalmente dividindo a cama e resolvendo permanecer juntos apenas para, dali a alguns minutos, Jaime resolver voltar para Porto Real e Cersei foi um tremendo pontapé nas gônadas...
Eu francamente espero que o Regicida esteja indo para Porto Real para cumprir a profecia do Valonqar, e espero francamente que ele saiba disso. Jaime tem um arco de redenção ímpar entre personagens de ficção, e por mais que eu ache que, em um conto moral, ele deveria morrer para obter expiação de seus muitos pecados, me parece desonesto para com o personagem enviá-lo de volta para Cersei após tudo pelo que ele passou.
O que nada tem de desonesto são as disposições de Jon Snow.
Ele pode ser filho de Rhaegar Targaryen, mas foi criado por Ned Stark. Por mais que pareça irritante vê-lo continuar colocando a honradez acima do jogo de cintura, o personagem tem sido assim desde sempre. O Jon Snow que se recusa a guardar segredo de suas irmãs é o mesmo que foi a Pedra do Dragão pedir ajuda a Daenerys e conseguiu convencê-la a lutar sua guerra. Se ele fizesse qualquer coisa de diferente do que fez, ele não seria o personagem que conhecemos e aprendemos a amar, provavelmente o único paladino de Westeros, junto com Brienne.
As celebrações e lutos se encerram com os remanescentes dos exércitos de Daenerys partindo rapidamente rumo ao sul para confrontar Cersei, enquanto Sandor Clegane e Arya fazem o mesmo juntos, e ainda há tempo para retornarmos a Porto Real, tomarmos conhecimento dos planos de Cersei de usar o povo da cidade como escudo humano, uma emboscada de Euron contra a frota Targaryen (aquele momento onde a nossa suspensão de descrença é levada além do limite num seriado onde há dragões e mortos-vivos), e a morte de mais um personagem importante preparando terreno para o que deve ser outra batalha decisiva na semana que vem.
The Last Of The Starks foi um bom episódio de Game of Thrones que pagou um preço amargo pela compressão. Ao inflar menos de oitenta minutos de episódio com trama para umas três horas, os produtores sacrificaram o andamento da história e o desenvolvimento dos personagens. À essa altura fica difícil não ter a sensação de que Weiss e Benioff querem acabar logo a série pra se dedicar ao seu Star Wars e é uma pena.
Game of Thrones ainda é uma série acima da média em seus momentos menos inspirados, e tem tudo o que precisa para voltar a ser a série que fora em suas três primeiras temporadas, quando não precisávamos de batalhas campais pirotécnicas e shows de efeitos visuais pra retornar domingo após domingo, um puta material-fonte e um elenco de primeira. Metade do episódio de ontem nos mostrou que os produtores e roteiristas ainda sabem fazer isso, é pena que decidiram não fazê-lo, resta a torcida para que os dois últimos episódios entreguem um desfecho digno ao que, mesmo com seus percalços, é a maior produção da história da TV.

"Não se torne aquilo que sempre lutou para derrotar."

sábado, 4 de maio de 2019

Star Wars Day 2019


O estado de Star Wars, pra mim, é periclitante.
Eu realmente não sei pra onde a franquia vai e, muito mais grave, já não ligo.
Todos os anúncios e lançamentos de abril me passaram absolutamente batidos, e nada me empolgou, exceto, como certa pessoa notou, uma fagulha de esperança após ver Billy Dee Williams pilotando a Millenium Falcon.
Provavelmente porque a Lucasfilm fez questão de deixar claro que Star Wars não é mais para os fãs antigos.
Foi um recado dito e repetido por todos os envolvidos com a franquia desde muito cedo na produção de Os Últimos Jedi (e extremamente contraditório após O Despertar da Força ser uma nada sutil visita à avenida da Nostalgia, mas enfim), recado recebido:
Star Wars não é mais pra mim.
Todos os feitos dos heróis que eu conhecia foram inócuos. Todos eles se tornaram pessoas velhas, tristes e miseráveis que não sabem o que fazer com suas vidas, exceto Leia, que virou uma pessoa velha, triste e miserável liderando uma resistência ao invés dos exércitos da República, vá entender... E nenhum deles estava equipado para enfrentar as novas ameaças que surgiram mesmo que elas fossem exatamente iguais às antigas ameaças que eles debelaram anos antes.
Quando eu critico Star Wars, de maneira ás vezes ácida, outras vezes amarga, e outras sendo apenas chato, não é, eu sempre explico, porque Star Wars não se tornou exatamente o que eu queria que se tornasse.
É uma bazófia entre os que aprovaram a direção tomada pela Disney, apontar o dedo para os detratores da trilogia por se encerrar e dizer "Tu não gostou desses filmes porque eles subverteram a tua expectativa".
Prepóstero completo.
Nenhum filme na história do cinema subverteu a expectativa dos fãs da maneira que O Império Contra-Ataca fez, e aquele é, de forma praticamente unânime, o filme favorito entre fãs e não-fãs de Star Wars dentre os onze filmes que têm Star Wars no título, sim, entre os onze, porque eu sei que A Ascensão Skywalker, apesar de seu trailer bonitinho, não vai ser melhor do que Episódio V, e, se for, incredulamente me retratarei nesse espaço após assistir ao filme, em DVD, no conforto da minha casa. Também não é porque os filmes não são tão bons quanto poderiam ser, toda uma base de fãs foi capaz de encontrar em seu coração, espaço para um filme estrelado por Jake Lloyd e Jar-Jar Binks, e outro onde o herói seduzia a mocinha com um discurso a respeito das mazelas de ficar com areia na bunda. A despeito de fazer troça dos filmes desde sempre, eu sei que eu encontrei.
Quando eu critico os novos Star Wars é pela necessidade absolutamente injustificada de transformar os heróis que gerações aprenderam a amar em figuras de autoridade fracassadas servindo apenas para serem superados pelos novos heróis que ganharam a ribalta sem fazer nada para merecê-la.
Quando eu critico os novos Star Wars é porque esses filmes são importantes pra mim.
Porque eles são parte de quem eu sou, ajudaram a formar minha personalidade, por mais que isso possa soar risível aos mais cínicos. Os feitos de proporções galáticas de Luke, Leia e Han sempre foram inspiradores para mim, e vê-los reduzidos a fracassados não é ofensivo porque eles falharam, mas porque desistiram.
A despeito de todo esse libelo anti-Star Wars da Disney, eu vou desejar um feliz dia de Star Wars a todos em memória de Peter Mayhew, o gentil gigante de 2,18 metros que viveu Chewbacca na trilogia original, em A Vingança dos Sith e em partes de O Despertar da Força, e que nos deixou na última terça-feira, aos setenta e quatro anos.
Chewie pode não ter ganhado uma medalha ao final de Uma Nova Esperança, mas Peter Mayhew deixou para trás essa rude matéria para tornar-se um ser iluminado levando consigo a medalha do afeto de milhões de fãs que sempre o verão como uma parte intrínseca do wookie preferido de todos nós. Quiçá a melhor parte.
Que a Força esteja com Peter Mayhew.
May the 4th be with you all.
Feliz dia de Star Wars.




quinta-feira, 2 de maio de 2019

Resenha Série: Deuses Americanos: Temporada 2, episódio 8: Moon Shadow


A segunda temporada de Deuses Americanos chegou ao seu final sem nada comparável ao garbo da revelação de Odin em Come to Jesus na temporada passada, mas fez uma revelação importante (ainda que, pra ser bem honesto, todo mundo meio que já sabia desde os primeiros episódios da temporada) enquanto os Novos Deuses lançam seu contra-ataque em Sr. Quarta-Feira e seus planos de guerra.
Esse segundo ano da série teve sua cota de problemas nos bastidores e eles se refletiram na narrativa.
Após o season finale da primeira temporada ter aventado uma catástrofe ecológica com Ostara (Kristin Chennoweth) tomando o lado de Quarta-Feira abertamente e lançando fome e seca sobre os mortais, House on the Rock só desfez isso com uma linha de texto do Chernobog a respeito de como Ostara não ia comparecer porque Quarta-Feira atropelara seus coelhos (E não porque a atriz, assim como Gillian Anderson, não retornaria após a saída dos showrunners Brian Fuller e Michael Green), o season finale desse segundo ano termina infinitamente mais pé no chão, aventando o fim do sossego de Sr. Quarta-Feira e seus seguidores.
Enquanto o Sr. Mundo faz seu movimento, e, com a ajuda de um (não surpreendentemente) redivivo Technical Boy, agora Quantum Boy, hackeia os sistemas da Xie Comunicações e usa Nova Mídia para espalhar o terror entre os mortais, fazendo com que as cabeças de todos se voltem para seus telefones, televisores e computadores ante um vazamento de dados sem precedentes na História e ao mesmo tempo coloca Quarta-Feira, Shadow e Salim na mira das autoridades sob toda a sorte de acusações malucas, com direito a localização exata dos "suspeitos" graças ao sistema de vigilância Argo, Shadow tem ainda mais problemas.
Após matar acidentalmente Mad Sweeney o ex-presidiário tenta decidir qual será seu próximo passo na montanha-russa em que sua vida se transformou. Laura retorna e tenta dissuadi-lo de seguir trabalhando para Quarta-Feira, mas aparentemente Shadow já se cansou de ouvir sua esposa morta após ser traído de novo e de novo. Ao se ver ameaçado de voltar para a prisão e sem nenhuma ideia do paradeiro de Quarta-Feira, ele resolve seguir seu próprio caminho, mas talvez, mesmo deixar a casa funerária de Sr. íbis e Sr. Jackal em Cairo seja impossível com o cerco dos novos deuses se fechando ao seu redor.
Conforme eu disse antes, este season finale é bem mais comedido em suas ambições, e, sob certos aspectos, repete a ideia de fazer uma revelação sobre a identidade de um dos protagonistas, mas menos direta, com menos relâmpagos ou grandes discursos, ainda que haja, até, uma ponta de excesso de visual no que é o grande momento do "Arrá!" no episódio que acaba destoando, justamente, da qualidade mais terrena que toda a narrativa do capítulo se esforça para evocar desde seu início, com a excelente abertura mostrando pessoas comuns reagindo à infame leitura de Guerra dos Mundos de Orson Welles em 1938, onde Sr. Mundo dá as tintas de seu plano sobre como a imaginação das pessoas torna o medo real, ou na forma como Omid Abtahi é utilizado como alívio cômico (Saindo-se muito bem, por sinal).
Seja como for, o capítulo, e a temporada, terminam dando a entender que esse momento estacionário de Deuses Americanos, que se desenrolou basicamente em Cairo, chegou ao seu fim, e no futuro deveremos voltar a ter uma série que toma local na estrada como foi o primeiro ano.
Os bastidores conturbados da série certamente prejudicaram a temporada (há boatos de que esse episódio foi reescrito oito vezes conforme o canal Starz não aprovava o roteiro sucessivamente), cobrando um altíssimo preço em termos de narrativa, a excelência do material base e o trabalho de elenco, porém, deram uma balanceada nas coisas, entregando até mesmo pérolas como Treasure of the Sun, resta torcer para que no ano que vem (ou 2020, ainda não há data de estréia confirmada para a próxima temporada) os responsáveis por traduzir a obra de Gaiman para a telinha encontrem alguma medida de harmonia por trás das cenas para que Deuses Americanos volte a ser tudo o que pode ser, tudo o que foi em seu primeiro ano.
Oremos.

"-A ignorância de Shadow lhe dá poder..."