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quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: Jojo Rabbit


Jojo Rabbit é, provavelmente, o filme indicado ao Oscar que eu queria ver há mais tempo. Os primeiros trailers do longa começaram a espocar na internet em meados de julho ou agosto do ano passado, se não estou enganado, e a estréia em circuito limitado nos EUA e Canadá se deu em setembro! O que torna inadmissível o filme chegar aqui, em circuito completo, apenas na próxima semana, praticamente cinco meses após a estréia comercial norte-americana. Eu tive a sorte de esbarrar com uma pré-estréia do longa que me permitiu matar a vontade e, tenho quase certeza que pela primeira vez na minha vida, assistir todos os indicados ao Oscar antes da premiação...
Quando o longa começa nós conhecemos Johannes "Jojo" Betzler, o personagem título (Roman Griffin Davis). Ele está tentando se auto-afirmar diante do espelho na manhã em que se unirá à Juventude Hitlerista, nervoso com a possibilidade de não se encaixar, até que seu amigo imaginário, Adolf Hitler (em uma patética versão vivida por Taika Waititi), surge a seu lado para elevar sua auto-estima.
Jojo é um subproduto da propaganda nazista que varreu a Alemanha nas décadas de 1930 e 40, doutrinado desde a mais tenra infância a aceitar cegamente os ideais propagados por Hitler, aos dez anos o menino sonha em se tornar um herói de guerra ariano, melhor amigo do führer que ajuda seu país a vencer a guerra e mata judeus. Ele está ansioso para chegar ao acampamento nazista liderado pelo capitão Klenzendorf (Sam Rockwell) e aprender a manusear facas, disparar armas e lançar granadas, mas quando garotos mais velhos caçoam de Jojo após ele se negar a matar um coelho, na tentativa de provar a própria coragem, ele acaba sofrendo um acidente e se explodindo com uma granada de mão.
É durante o período em que se recupera sob os cuidados de sua mãe, Rosie (Scarlett Johansson, um poço infinito de candura) que Jojo faz uma descoberta que sacode seu mundo: Há uma garota judia vivendo em seu sótão. A jovem Elsa (a excelente Thomasin McKenzie).
Se a audiência sabe logo de cara que Rosie acolheu Elsa e que ela está trabalhando secretamente com a resistência, Jojo fica terrivelmente confuso tanto por não saber de nada disso quanto porque a guria em seu sótão desafia tudo o que lhe foi dito a respeito dos judeus. Ela não parece e nem age como um monstro. Ela é espirituosa, inteligente e bonita... E após um período de choque inicial, quando ele eventualmente desiste da ideia de se livrar dela, resolve usá-la para obter informações sobre os judeus, e escrever um livro que o ajudará a se tornar o melhor amigo de Hitler, mas enquanto ele interroga Elsa dia após dia, algo acontece, uma relação se forma, e começa a mudar Jojo, desafiando seu ultranacionalismo...
Jojo Rabbit é um filme estranho no melhor dos sentidos.
Uma comédia de amadurecimento situada na Alemanha nos estertores da Segunda Guerra Mundial que retrata Adolf Hitler como um imbecil resmungão só poderia ter saído da cabeça do diretor de Thor: Ragnarok.
Desde seu início o filme mostra a corda bamba sobre a qual pretende se equilibrar ao seguir a animada conversa entre Jojo e Adolf com créditos de abertura que mostra cenas de O Triunfo da Vontade, medonho filme-propaganda nazista de Leni Riefenstahl, ao som de uma versão em alemão de I Wanna Hold Your Hand. É como se Waititi estivesse mostrando seu cartão de visitas, avisando a audiência sobre como aquele filme será, e que ele não é pra todo mundo.
Mas a verdade é que a despeito de sua caótica abertura, o desenrolar de Jojo Rabbit é muito mais convencional do que poderia se imaginar à primeira vista, e não há nada de errado com isso.
Por mais que charme e doçura não sejam o que um espectador desavisado poderia esperar de um filme situado durante um dos mais sombrios recortes da História da humanidade, Jojo Rabbit não é sobre nazismo, anti-semitismo ou ultranacionalismo. O longa é a respeito de empatia. E da maneira como uma criança só pode receber isso de seus pais até certo ponto, e o resto precisa ser exercitado no mundo real, além da educação que recebemos em casa.
Waititi embrulha essa premissa em comédia que é genuinamente engraçada, e em drama que é realmente tocante (eu não lembro de outro filme que tenha me feito rir e chorar de maneiras tão genuínas na mesma projeção), amparado por um elenco que é excelente.
Roman Griffin Davis é a âncora do filme, e se ele não fosse convincente, nada mais iria funcionar. Por sorte o moleque tira de letra tanto a comicidade quanto o drama do roteiro (escrito pelo próprio Waititi a partir do livro Caged Skies, de Christine Leunens). Scarlett Johansson no papel de Rosie é absolutamente avassaladora. O 2019 da loira foi simplesmente fenomenal com Vingadores: Ultimato, História de um Casamento e Jojo Rabbit, e as duas indicações da atriz ao Oscar, tanto de atriz principal quanto de coadjuvante, são testemunho de todo o talento que a gostosura da nossa amada Viúva Negra abriga, não é de hoje. Completando o tripé protagonista, Thomasin McKenzie é igualmente competente. Mesmo que o roteiro por vezes a use como escada para outros personagens, a atriz consegue roubar a cena toda a vez que a oportunidade lhe é dada, um feito nada desprezível em um elenco que ainda conta com Sam Rockwell, Rebel Wilson, Alfie Allen, Stephen Merchant e Archie Yates, que interpreta o melhor amigo não-imaginário de Jojo, Yorki, e junto com o protagonista é prova viva da mão de Waititi para escalar jovens talentos.
Falando em talento, há de sobra por trás das câmeras, também. Com destaques especiais para a cinematografia de Mihai Malaimare Jr., o desenho de produção de Ra Vincent, e a música de Michael Giacchino.
Todos esses talentos ajudam Taika Waititi a narrar uma história através de uma mistura complexa de tons que é particularmente brilhante quando busca as risadas ao usar os elementos mais aterrorizantes do universo do filme de maneira farsesca, poupando a audiência demonstrações mais gráficas do sadismo dos vilões, mas o deixando claro na visão algo cartunesca de um menino de dez anos de idade.
Essa decisão é particularmente acertada porque ninguém precisa ser lembrado da maldade dos nazistas ou da estupidez de suas ideologias, esse não é o ponto de Jojo Rabbit, muito antes pelo contrário. O longa é sobre como aceitar e conviver com os diferentes nos torna melhores. Muitos críticos consideraram Jojo Rabbit muito "amigável" ou muito "fofo" para ser relevante.
Pra mim, quando um filme sobre o que as pessoas têm de melhor é considerado irrelevante, parece que é o momento em que ele é mais necessário.
Jojo Rabbit estréia no próximo dia 6.
Assista no cinema.
É obrigatório. Um dos melhores filmes do ano.

"-Amor é a coisa mais forte da Terra.
-Eu acho que você vai descobrir que metal é a coisa mais forte da Terra, seguido por dinamite e então músculos."

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Resenha Série: Star Trek: Picard, Temporada 1, Episódio 1: Rememberance


A verdade, já admitida por mim nesse espaço um sem-número de vezes, é que eu sempre gostei mais de Star Wars do que de Star Trek. A ópera espacial de bem e mal que movimentava o destino da galáxia sempre foi mais atrativa pra mim, com seus vilões vestidos de preto e espadas de luz do que a utopia espacial de paz e amor de Gene Roddenberry. Ao mesmo tempo, olhando em perspectiva, ao longo de minha vida, eu tive mais contato com Star Trek.
Enquanto a luta entre Jedi e Sith de George Lucas era um evento cinematográfico de grandes proporções, que eu assisti na TV quando tinha sete anos de idade, e no cinema aos dezesseis, depois aos vinte e poucos e finalmente aos trinta e tantos, quando toda a alma fora sugada da franquia a tornando um pastiche vazio de si própria... Star Trek, não.
Eu acompanhei a tripulação da Enterprise na extinta TV Manchete, quando Kirk, Spock, McCoy, Uhura e companhia dividiam as tardes na rede de Adoplho Bloch com Os Herculoides, Bacamarte e Chumbinho, o Bionicão e Spaceghost.
E eu adorava as aventuras com cenários de papel machê e máscaras de borracha da tripulação número 1 da Frota Estelar. Adorava tanto que, quando do advento d'A Nova Geração, eu odiei a série, sentindo-me traído pela substituição dos heróis a quem eu conhecia desde a mais tenra infância. Apenas bem mais tarde eu fui aprender a respeitar Crusher, La Forge, Troi, Ryker, Data e, especialmente, Jean Luc Picard.
Picard assumia a cadeira de comando da Enterprise trocando a macheza e o heroísmo sessentista de William Shatner e seu capitão Kirk por um comedimento e diplomacia aculturada que eram a epítome do que a Frota Estelar deveria ser.
Os conflitos eram resolvidos na conversa. Os Klingons se tornavam parte da federação. As espaçonaves se tornavam mais confortáveis e famílias inteiras podiam viver nelas durante as missões... Por sete temporadas Star Trek: A Nova Geração foi transmitida na TV norte-americana, mantendo o recorde de série mais longeva da franquia de múltiplas encarnações, e elevando Picard ao posto de capitão favorito, atrevo-me a dizer, da maioria dos trekkies.
Mas, já diria Nero (não o romano, o romulano), isso foi em outra vida.
O tempo e a Paramount não esperam por ninguém, e a vida seguiu. Depois de Picard nós acompanhamos Sisko, Janeway, Archer, Kirk, de novo, e Lorca (e Georgiou, e Pike...), mas a verdade é que, desde então, ninguém mais conseguiu firmar o pé. Enquanto Deep Space Nine e Voyager foram sucessos razoáveis, Enterprise mal se sustentou por três temporadas, a linha temporal paralela cinematográfica da USS.Kelvin teve três filmes dos quais eu gostei em diferentes níveis, mas que não cativaram o grande público, e Discovery, aparentemente, é uma série divisiva, da qual algumas pessoas gostam, algumas detestam, e a maioria, como eu, nem mesmo tiveram curiosidade para assistir... E como a Paramount aparentemente não sabe ao certo o que fazer com Star Trek nesses dias, eles foram atrás da última pessoa a comandar uma nave da federação com sucesso para mais uma missão:
Jean Luc Picard.
Quando encontramos o almirante Picard (Patrick Stewart), ele acaba de despertar de um pesadelo no qual jogava cartas com Data (Brent Spinner) na órbita de Marte. Picard não é mais um militar.
Há vinte anos afastado da Frota, ele vive em chateau Picard, na França, cuidando de seus vinhedos com os romulanos Laris (Orla Brady) e Zhaban (Jamie McShane) e seu cachorro, o pitbull Imediato.
Picard está mais rabugento do que o normal porque terá que dar uma entrevista para a TV a respeito de sua carreira, nessa entrevista, nós descobrimos que Jean Luc liderou uma missão de resgate não-sancionada pela Frota Estelar para evacuar 900 milhões de romulanos de seu planeta, mas durante esse esforço, Marte foi atacada por "sintéticos", e os estaleiros onde as espaçonaves eram montadas foram destruídos, levando a Frota a abandonar o resgate.
Picard, desgostoso com a decisão, escolheu aposentar-se em protesto, e retirar-se para cuidar de seus vinhedos.
O estados das coisas nesse momento da história, então, tem romulanos não mais como os vilões da história, mas como refugiados, androides, ou "sintéticos", foram proibidos e toda a pesquisa relacionada a eles tornou-se ilegal além da mera teoria, e a Federação dos Planetas Unidos se tornou isolacionista, defensiva e ressentida dos refugiados romulanos à suas portas.
É nesse cenário que conhecemos Dahj (Isa Briones) em Grande Boston. Dahj está comemorando o fato de ter passado no seu vestibular futurista quando um grupo de assassinos se teleporta pra dentro de sua sala, mata seu namorado, e tenta capturá-la. No momento em que eles enfiam um saco na cabeça da jovem, ela tem uma visão de Jean Luc, entra em modo kung-fu automático e desce a porrada em seus pretensos captores, fugindo em seguida.
Eventualmente, ela surge na vinícola de Picard, e por alguma razão, os dois parecem partilhar uma conexão que não sabem de onde vem. Nessa mesma noite, Jean Luc tem outro sonho com Data, e isso o leva até os Arquivos da Frota Estelar em São Francisco, onde ele descobre que a origem de Dahj pode estar ligada a seu antigo primeiro-oficial.
Isso, combinado a um trágico evento que se segue, e a uma fascinante descoberta que o almirante reformado faz em Okinawa, o leva a decidir que é hora de se mexer para mais uma aventura.
Rememberance é um primeiro episódio algo confuso para Star Trek: Picard.
À primeira vista fica claro que a série está tentando cativar fãs de longa data com uma boa dose de nostalgia ao mesmo tempo em que há doses cavalares de exposição para que os espectadores casuais não fiquem boiando. Há uma dose cavalar de política dos dias de hoje diluída no pano de fundo da série como sempre aconteceu em Star Trek, algumas coisas, porém, parecem um pouco fora de lugar, especialmente a Federação ter se tornado um bando de escrotos sem interesse em salvar refugiados e proibindo os androides. Isso é algo que vai contra tudo o que a entidade sempre representou em Star Trek, e contra as ideias originais de Roddenberry, que sempre mostraram o futuro como um lugar brilhante onde o que a humanidade tinha de melhor pôde florescer.
Obviamente existe um grande interesse em colocar tanta ação quanto possível na série para mantê-la atrativa à audiência mais jovem, algo que parece truncado quando temos um protagonista octogenário tentando correr de um lado pro outro, e com um bocado de coisas acontecendo e sendo explicadas nesses primeiros quarenta e quatro minutos de Picard, é difícil não ter a impressão de que a equipe responsável teve meia dúzia de ideias para a série, não soube escolher qual delas tocar e resolveu seguir com todas elas.
Por outro lado, foi bom voltar a ver Patrick Stewart como protagonista de algo.
Aos 80 anos de idade o ator britânico segue tendo mais carisma, talento e presença de cena do que todo o elenco de Discovery combinado.
Os efeitos visuais estão muito bons para uma série de TV, e apesar de eu ter ficado algo dividido com relação a esse primeiro episódio, eu provavelmente vou voltar para ver como as coisas seguem.
Star Trek: Picard está disponível no Amazon Prime Video.

"-Pelos últimos vinte anos eu não vivi, eu esperei a morte."

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Resenha Filme: Zumbilândia: Atire Duas Vezes


Foi há quase dez anos que eu escrevi a resenha de Zumbilândia após alugar o filme na locadora que existia na João Alfredo, bem no meio do caminho entre meu trabalho e minha casa em um sábado, após ter alugado o filme e assistido ele, possivelmente comendo pizza, em uma sexta à noite.
Eu gostei muito de Zumbilândia. Verdade, Todo Mundo Quase Morto me agradou mais (a genialidade da Trilogia Cornetto é difícil de equiparar), mas ainda assim, a dinâmica de grupo do elenco de Zumbilândia, o humor meta que foi usado e abusado por Paul Wernick e Rhett Reese (e que atingiria níveis estratosféricos no roteiro da dupla para Deadpool), e a direção de Ruben Fleischer, que se mostrou capaz de extrair o lado mais leve e divertido de qualquer situação tanto no longa de zumbis quanto em Venom, tornaram o primeiro Zumbilândia um favorito pessoal pra mim. Tanto que, quando a tardia sequência do filme foi anunciada, eu coloquei o trailer nesse espaço e fiquei ansioso para ver o filme no cinema, o que não aconteceu apenas porque eu não encontrei uma exibição legendada compatível com meus horários.
Mas ontem esbarrei com o filme em um serviço de aluguel digital, e prontamente me escorei no sofá com uma pizza e uma caneca de Pepsi para remediar a situação e ver como os quatro sobreviventes estavam uma década depois da aventura original.
Quando os reencontramos, Columbus (Jesse Eisenberg), Wichita (Emma Stone), Tallahassee (Woody Harrelson) e Little Rock (Abigail Breslin) continuam juntos e vivendo como uma família.
Os quatro seguem sendo exímios matadores de mortos-vivos capazes de se virar em qualquer situação e juntos são quase imbatíveis.
Eles tomaram posse da Casa Branca em Washington, e transformaram a residência presidencial americana em um lar. Mas se na superfície parece estar tudo bem com o grupo, uma olhada melhor mostra que as coisas não são bem assim.
Little Rock cada vez mais se ressente da falta da companhia de pessoas de sua própria idade, e isso está tornando a jovem mais e mais rebelde, como se a inquietação da irmã não fosse suficiente para deixar Wichita preocupada, Columbus a pede em casamento desencadeando uma crise de pavor de compromisso. O resultado é que Wichita apanha Little Rock e as duas caem na estrada novamente.
Após um mês choramingando no ouvido de Tallahassee, durante uma expedição em um shopping, Columbus conhece a loira-burra Madison (Zoey Deutch), apenas para, no dia seguinte, Wichita retornar com a notícia de que Little Rock conheceu um jovem pacifista chamado Berkeley (Avan Jogia) e fugiu com ele para, ela presume, Graceland.
Preocupados com sua segurança na companhia de um sujeito armado com um violão que não usará para bater em nenhum zumbi, o trio coloca o pé na estrada para tentar encontrar a caçula acompanhados de Madison, no caminho, além das ameaças habituais, eles encontrarão novos sobreviventes, como Reno (Rosario Dawson), gerente de um motel temático de Elvis, além de zumbis que passaram por mutações nos últimos dez anos e evoluíram para dar origem aos Homers, Hawkings e Ninjas, além dos temíveis T800, numa jornada que testará os alicerces dessa família improvisada.
Conforme eu disse no início, eu me tornei um fã de Zumbilândia.
O filme é um dos meus longas de zumbi preferidos (por alguma razão eu prefiro comédias de zumbi do que filmes de horror sérios...), e eu sabia que um segundo Zumbilândia era uma ideia, no mínimo, desnecessária, ainda assim eu queria rever esses personagens e experimentar de novo a química do grupo que transbordava da tela no primeiro longa, mesmo que fosse em um filme menos competente.
O grande problema de Zumbilândia: Atire Duas Vezes é que os personagens não evoluíram em nada do final do filme anterior pra cá. Eles são exatamente os mesmos dez anos depois, e isso não faz sentido. Claro, eu posso comprar que Little Rock cresceu e quer ter amigos da própria idade, mas não que após dez anos vivendo com Columbus dia e noite um pedido de casamento a deixe apavorada o suficiente para fugir de casa...
Sua partida é absolutamente desnecessária e serve apenas para a inserção de Madison na trama, e eu só não fico mais desgostoso com a decisão porque a personagem, talvez, seja a melhor coisa de Zumbilândia: Atire Duas Vezes.
Zoey Deutch é um achado. A gatinha consegue um equilíbrio raro para interpretar uma loira burra sem jamais permitir que a personagem se torne irritante. A combinação de inocência e estupidez dela é hilária e cativante, e nem seu sotaque de "valley girl" é enjoado.
Outro senão do roteiro de Wernick, Reese e Dave Callaham é despir o longa de uma de suas maiores forças ainda no primeiro ato. Harrelson, Stone, Eisenberg e Breslin são sensacionais juntos, a dinâmica do grupo é ótima, e tirar isso da audiência nos primeiro minutos do longa apenas o enfraquece.
Pra piorar, algumas boas piadas, como o encontro de Tallahassee e Columbus com seus duplos, Albuquerque (Luke Wilson) e Flagstaff (Thomas Middleditch) se esticam além do necessário enquanto a participação de Rosario Dawson poderia ter sido melhor explorada.
Ainda assim, Zumbilândia: Atire Duas Vezes não é um filme ruim. Há boas piadas (algumas ótimas, como a ideia para um serviço de caronas de Madison), um elenco acima da média, sequências de ação bem intencionadas e um sensacional desenho de produção de Martin Whist que ironicamente dá vida ao mundo pós-apocalipse zumbi.
É bastante possível que se Zumbilândia: Atire Duas Vezes tivesse sido lançado dois anos após o primeiro filme, ele tivesse funcionado com esse mesmo roteiro, com uma década de intervalo, a equipe deveria ter pensado melhor, e escrito uma história que fizesse um pouco mais de sentido e justiça a esses personagens, como está, esse segundo Zumbilândia é uma boa hora e meia de diversão descompromissada pra uma noite solitária de domingo, mas não é obrigatório para ninguém além de fãs de carteirinha do longa anterior.
Se for assistir, fique esperto, logo no começo dos créditos de encerramento há uma ótima sequência envolvendo um dos pontos mais altos do primeiro filme.

"-Quando você ama alguma coisa você atira na cara dela, assim ela não se torna um monstro devorador de carne humana."

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: 1917


À primeira vista, pode parecer curioso que em Hollywood haja tantos filmes contando histórias e retratando batalhas da Segunda Guerra Mundial e tão poucos sobre a Primeira... Mas só à primeira vista.
Quando tomamos conhecimento de como a "Guerra Para Acabar com Todas as Guerras" começou e se desenrolou, fica mais fácil entender porque o conflito não é tão atraente para o cinema.
Ao contrário da Segunda Guerra Mundial, a primeira Grande Guerra não tinha vilões óbvios como os nazistas para serem metralhados de maneira impiedosa por heróis de qualquer uma das nações aliadas e arrancar urras da audiência. A tecnologia e a cultura da época eram tão radicalmente diferentes do que temos hoje, que as audiências atuais (compostas majoritariamente por imbecis incapazes de entender que os alemães dos anos 1910 não eram nazistas, eu juro, ouvi isso em primeira mão ontem...) simplesmente não seriam capazes de se relacionar, sem contar o fato de que a Primeira Guerra Mundial foi um conflito de trincheiras, que era muito mais um jogo de espera do tipo "eu te desafio a ultrapassar essa linha" do que um quadro de grandes batalhas lutadas de forma dinâmica com correria e atos heroicos. Na Primeira Guerra Mundial não permitir que o inimigo avançasse era tão ou mais importante do que avançar sobre ele e isso, aparentemente, não gera sequências cinematográficas o suficiente para Hollywood.
Mas eis que Sam Mendes, o diretor de Beleza Americana, Soldado Anônimo, Estrada para a Perdição e Foi Apenas um Sonho resolveu contar uma história de verdade a respeito do conflito. Uma história inspirada pelas experiências de seu avô no fronte, e junto com a roteirista Krysty Wilson-Cairns criou 1917.
O longa acompanha dois jovens soldados lotados no fronte ocidental três anos após o início da guerra. Os cabos Blake (Dean Charles Chapman, de A Música da Minha Vida) e Schofield (George MacKay, de Capitão Fantástico) estão descansando atrás das linhas quando são chamados por seu sargento e levados até o general Erinmore (Colin Firth).
O oficial em comando lhes informa que, na calada da noite, as forças alemãs fizeram uma retirada de suas trincheiras do outro lado da Terra de Ninguém. Assumindo que eles estão batendo em retirada e que a guerra está a um passo de ser vencida, as forças britânicas partiram em perseguição com dois batalhões da companhia Devons para dar cabo dos Hunos fujões. Os britânicos, porém, cometeram um erro. Imagens aéreas revelam que os alemães fizeram um recuo estratégico para uma posição muito mais fortificada e com artilharia superior alguns quilômetros a oeste. A Cia. Devons, então, está marchando para o próprio extermínio sem saber.
O comandante da Devons precisa ser avisado de que o seu ataque, marcado para o amanhecer do dia seguinte, deve ser cancelado, entretanto, durante seu recuo, os alemães cortaram todas as linhas telefônicas, e a única maneira de informar a ordem ao comandante do batalhão é entregá-la pessoalmente.
A missão que Erinmore passa a Blake e Schofield é tão simples quanto indigesta:
Encontrar o comandante e informá-lo de que o ataque deve ser cancelado. Mas para isso eles terão que se infiltrar dezesseis quilômetros para dentro do território ocupado pelo exército inimigo para impedir o massacre dos mil e seiscentos homens da Devons, incluindo o irmão mais velho de Blake.
A partir daí seguimos os dois soldados em uma jornada épica das entranhas desesperadas das próprias linhas, passando pela lama, arame farpado e cadáveres decompostos na Terra de Ninguém, a escuridão macabra dos bunkers inimigos, a falsa paz dos campos além, e as ruínas de cidades arrasadas pelos bombardeios enquanto eles experimentam em primeira mão o que de melhor e de pior a humanidade tem a oferecer durante um dos mais violentos conflitos da História.
1917 é espetacular.
Vamos começar pelo que todo mundo anda falando a respeito:
A cinematografia é um disparate. O longa é rodado como dois grandes planos sequência com um único corte mais ou menos na metade do filme, permitindo que a audiência acompanhe cada passo do caminho dos protagonistas como se estivéssemos ao lado deles. Sim, nós obviamente conseguimos perceber onde estão os cortes "disfarçados", quando a câmera se movimenta para alguma coisa vaga ou sem importância, ainda assim, é impossível não levar em consideração o tamanho do trabalho envolvido em criar a ilusão de uma única (ou duas únicas...) tomada para um filme de quase duas horas em termos de direção, edição (Lee Smith), fotografia (Roger Deakins), e trabalho de elenco e continuidade, e o visual é singular da melhor maneira possível.
Contribui para esse visual o sensacional desenho de produção de Dennis Gassner, que captura com maestria todas as facetas do conflito, das trincheiras sufocantes ao terreno bombardeado repleto de lama e moscas, dos ratos por todos os lados aos cadáveres em diferentes estados de decomposição dando testemunho de o quão pouco as trincheiras avançavam durante os anos pelos quais o conflito se estendeu.
Todos parecem famintos, esgotados e emputecidos além do que um ser humano deveria suportar, mas mesmo em meio a tanto horror, o longa sempre encontra espaço para nos lembrar de que ainda há bem no mundo. Pequenos relances de candura, fraternidade e altruísmo que brilham como faróis em meio a tanta escuridão.
Entre tantos acertos técnicos e narrativos, ainda há espaço para que o arco dos protagonistas tenha destaque.
Blake e Schofield já começam o filme amigos, mas são homens diametralmente diferentes. Blake é mais jovem, impulsivo e otimista. Ele acredita na glória da vitória. Ele já começa o filme parecendo otimista e impulsivo, e sua ânsia em salvar o irmão apenas o leva a correr mais riscos.
Schofield é mais velho e calejado. Ele já lutou no fronte e percebeu o absurdo do conflito que se desenrola há três anos. Suas experiências o tornaram cauteloso, pragmático, até cínico a ponto de não voltar para a casa durante as folgas porque não vê um ponto em ir para ter que retornar ao fronte depois. Ele apenas deseja escapar de tudo aquilo com vida, e a forma como a missão o afeta sem que isso jamais soe forçado ou arbitrário de forma alguma, é mais um testamento da qualidade do longa.
Muito do êxito do arco do personagem se deve à espetacular atuação de George MacKay, que exibe com segurança e veracidade a determinação e o desespero de um homem lutando contra o relógio e seus próprios instintos.
A ação é esporádica e frequentemente inesperada, nós geralmente acompanhamos Blake e Schofield chegando a lugares onde as batalhas já terminaram, mas quando a guerra chega, ela é violenta e tem os dois pés na realidade. Homens atiram uns nos outros de trás de coberturas com rifles que disparam uma única bala de cada vez e erram muito mais do que acertam enquanto se arrastam por lama, escombros e água tentando se manter tão invisíveis quanto possível.
Entre tantos acertos, talvez o maior de todos seja a maneira como 1917 trata a ambiguidade de uma guerra sem vilões óbvios. Não há um inimigo específico a derrotar. Nós raramente vemos o rosto de um alemão, talvez num esforço consciente de Mendes e Wilson-Cairns em mostrar que o verdadeiro inimigo é a guerra em si.
Ao lançar uma merecida luz sobre uma guerra que muitos parecem dispostos a esquecer sem jamais glorificá-la, escolhendo dar ênfase às melhores qualidades das pessoas, bravura, compaixão, disposição em se sacrificar em nome de um bem maior, Sam Mendes criou um dos melhores filmes de Guerra do cinema recente, que reverbera o adágio a respeito do que acontece com as pessoas que desconhecem sua História.
Eu não tenho palavras o suficiente para recomendar 1917 da maneira como o filme merece ser recomendado, então, nem pense a respeito. Apenas vá assistir, e pense depois.
É obrigatório.

"-Eu tinha esperança que hoje seria um dia bom. Esperança é uma coisa perigosa."

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: Ford vs Ferrari


Anda difícil, nos dias de hoje, assistir a um filme que não esteja interessado em começar uma franquia, empurrar uma agenda ideológica, ou as duas coisas ao mesmo tempo. O cinema se tornou um campo de batalha financeiro, com os estúdios se esmurrando para ser que nem a Marvel, e um campo de batalha político onde os espectros tentam desesperadamente empurrar suas ideias goela abaixo da audiência (os liberais com muito mais frequência do que os conservadores, devemos admitir) e esse uso da mídia cobra seu preço.
Há uma debandada de cineastas mais autorais das salas de cinema (Scorsese foi buscar guarida na Netflix e vislumbra aposentadoria, Woody Allen fez o mesmo na Amazon, antes de seu acordo com o estúdio do serviço de streaming ser desfeito por escândalos de assédio sexual), e uma raridade de longas interessados em apenas contar uma história, em especial de bons longas interessados em apenas contar uma história. Por estranho que possa parecer, esse tipo de filme se tornou um risco para os estúdios, que hesitam em financiar projetos que podem não gerar lucro, ou sequer cobrir o custo de produção.
Então é de se imaginar que quando James Mangold foi à Fox com Ford vs Ferrari, os executivos tenham ficado bastante ressabiados com o potencial do longa que narra a história da rivalidade entre as duas montadoras do título nas pistas de corrida na década de 1960.
O longa abre com Carroll Shelby (Matt Damon), um ex-piloto que precisou abandonar as pistas por conta da hipertensão. É a narração de Shelby que nos explica o que acontece com o piloto ao alcançar 7000 RPMs, estabelecendo em suas primeira linhas o porquê de um piloto arriscar tanto para conseguir ir um pouco mais rápido a cada volta.
Após pendurar o capacete, Shelby se torna um vendedor de carros modificados e gerente de pequenas equipes de automobilismo locais que tem entre seus pilotos o britânico briguento de 45 anos Ken Miles (Christian Bale). Os dois homens estão perto de seus piores momentos quando os encontramos.
Shelby está contando histórias de corrida a homens em crise de meia-idade que querem um carro esportivo, e Miles não encontra nenhuma grande equipe que queira bancá-lo como piloto e, pra piorar, viu sua oficina mecânica ser fechada pela receita federal por atraso no pagamento de impostos.
Enquanto os dois estão amargando seus respectivos fundos do poço, em Detroit um evento não-relacionado pode mudar a vida dos dois.
Henry Ford II (Tracy Letts) está emputecido com o modo como as coisas estão acontecendo na fábrica fundada por seu avô.
Em 1963 a Ford não é mais o que costumava ser, e Henry quer novas ideias que levem a empresa de volta ao que ele considera seu lugar de direito. Ele não chega a ficar particularmente interessado na ideia que o executivo Lee Iacocca (Jon Bernthal) lhe propõe:
Para Iacocca, a Ford perdeu espaço porque não é uma marca sexy. James Bond não dirige um Ford. Sophia Loren não dirige um Ford. A empresa não fala com os jovens. Não tem estilo. Não é a Ferrari, que encontrou a perfeição em forma de chassi, carroceria, pneus e motor.
Mas a Ford está montada na grana enquanto a Ferrari foi à bancarrota em busca de dita perfeição.
O plano do executivo é comprar a Ferrari, e eventualmente Henry aceita, o plano, porém, naufraga quando um insultado Enzo Ferrari (Remo Girone) não apenas nega a proposta, mas esculhamba a montadora americana, sua fábrica, seus carros e até seu presidente.
É a deixa para que Henry Ford II ordene a Iacocca que faça o que for necessário para que a Ford tenha uma equipe de corrida. Não qualquer equipe de corrida, mas uma equipe de corrida capaz de vencer a Ferrari nas 24 Horas de Le Mans, a corrida jamais vencida por um automóvel americano e na qual a escuderia italiana vem construindo uma extensa hegemonia.
Para isso, Iacocca vai atrás de Shelby, para convencer o engenheiro a construir um automóvel capaz de bater os azougues escarlates, e quando o ex-piloto aceita a empreitada, ele sabe que há apenas um homem que ele quer atrás do volante: Miles.
Juntos, os dois começam uma incansável luta contra o tempo, contra as leis da física e até mesmo contra a truculência de Ford e seu segundo-em-comando, Leo Beebe (Josh Lucas), para chegar em Le Mans com chance de destronar a Ferrari.
Que bom que a Fox resolveu arriscar.
O longa de James Mangold é um tipo de filme que não se faz mais nos dias de hoje. É entretenimento com cérebro e coração, interessado apenas em contar a sua história honrando seus personagens sem nenhuma preocupação colateral. Palmas para os roteiristas Jason Kelly, Jez e John-Henry Butterworth, que não se furtam de mergulhar de cabeça no que realmente importa para a trama sem deixar de temperar o cerne de Ford vs Ferrari com personagens secundários que jamais parecem excessivos ou acessórios. Do executivo irritante de Lucas ao braço-direito de Shelby, Phil Remignton (Ray McKinnon), passando pela esposa de Miles, Molly (Caitriona Balfe), que em uma ótima sacada do filme não se opõe às aspirações automobilísticas do marido, mas as apóia, e o filho do casal, Peter (Noah Jupe), que idolatra o pai de maneira incondicional, todos estão ali para melhorar o longa, e não apenas para inchá-lo.
Eles orbitam dois protagonistas que turbinam o longa com atuações muito acima da média. Damon está excelente como Carroll Shelby, um sujeito dividido entre suas obrigações profissionais e seu amor pelo automobilismo que precisa fincar o pé para honrar seus contratantes ao mesmo tempo em que tenta fazer o que sabe ser o certo mesmo que isso custe sua reputação e seu ganha-pão.
Christian Bale, por sua vez, mete o pé como de costume e se transforma em outra pessoa para dar vida a Miles, um desses personagens de quem não podemos evitar de gostar. O sujeito anti-social que não sabe lidar com as pessoas, mas que tem uma habilidade quase sobrenatural para fazer uma coisa e uma coisa, apenas, mas também é um marido dedicado e um pai amoroso.
Com grandes diálogos, excelentes atuações, sequências de corrida bem filmadas e com pouquíssimo uso de computação gráfica Ford vs Ferrari provavelmente foi a estupenda sessão de cinema que eu mais me arrependo de não ter assistido no ano passado, merecedora de todos os elogios que recebeu e láureas às quais foi indicado, e certamente vale a locação.
Assista, é, fácil, um dos melhores filmes de 2019.

"-Você vai construir um carro para vencer a Ferrari com... A Ford?
-Correto.
-E quanto tempo você disse a eles que levaria? Duzentos... Trezentos anos?
-Noventa dias."

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: O Escândalo


Bem antes de o movimento Me Too surgir na esteira de dezenas de acusações de mulheres contra atores, diretores e produtores de Hollywood, a mídia norte-americana já havia experimentado um pouco de exposição negativa por conta de diversas denúncias que chacoalharam as estruturas de poder de uma das maiores instituições da imprensa dos EUA, a Fox News.
O braço de notícias da Fox, então propriedade do magnata australiano Rupert Murdoch revolucionou a TV a cabo ao se esforçar para suprir uma lacuna que todas as demais emissoras grandes pareciam temer: Ser o canal dos ultra conservadores.
Sob a liderança de Murdoch e do gigante midiático Roger Ailes, a Fox News se transformou num oásis para uma imensa parcela da população americana composta por evangélicos ultra-religiosos machistas que morrem de medo de imigrantes e de socialistas e que só largarão seus rifles semi-automáticos depois de mortos (obviamente é um exagero, mas não está terrivelmente longe da verdade.).
Foi essa emissora que, no meio de 2016, foi assolada por denúncias de assédio sexual levadas a público por diversas apresentadoras e funcionárias da empresa.
O Escândalo começa um pouco antes disso, durante as primárias eleitorais republicanas quando a apresentadora Megyn Kelly (uma irreconhecível Charlize Theron) é abertamente hostilizada por Donald Trump e seus apoiadores após ter questionado a maneira como o então candidato se referia às mulheres.
Após pedir guarida a seu chefe, Roger Ailes (um também irreconhecível John Lithgow), Megyn ouve que deve ter paciência e esperar que a opinião pública esqueça o que passou já que ninguém acredita que Trump será o presidente, mas conforme o magnata imobiliário se torna não apenas o candidato republicano, mas também o candidato republicano que assiste Fox News dia e noite, Kelly começa a sentir os efeitos mais negativos da confrontação dentro e fora da empresa.
Assim como Gretchen Carlson (Nicole Kidman).
Quando a encontramos, a ex-apresentadora do campeão de audiência Fox & Friends já sabe que sua batata está assando na emissora. Ela deixou um dos programas mais assistidos do canal e foi atirada para o horário do almoço, quando ninguém assiste TV, por ser "difícil de lidar" e "não se dar bem com os rapazes". Ainda assim, a ambiciosa apresentadora conseguiu aumentar a audiência do horário em que foi colocada, mas é observada de perto por Ailes, que não perde nenhuma oportunidade de esculhambar as decisões de Gretchen, seja a de organizar uma pesquisa a respeito da restrição à venda de armas semi-automáticas, seja a decisão de apresentar o programa sem maquiagem em um ato de afirmação feminina.
O terceiro elemento nesse tripé é justamente uma produtora do programa de Gretchen Carlson, a jovem e ingênua Kayla Pospisil (Margot Robbie, brincando de ser linda). Kayla é a única personagem central do filme que não tem uma contraparte real, uma "millenial cristã", que cresceu em uma casa onde não se ouve "música secular" no seio de uma família que tem o logo da Fox News queimado na tela da TV porque jamais trocam de canal.
Ela é uma conservadora uma geração mais jovem que Kelly e Carlson, mas igualmente ambiciosa, e almeja um espaço diante das câmeras onde se imagina como uma "influenciadora no espaço de Jesus", e que terá sua ambição testada no escritório privado de Roger Ailes, onde descobre que a ascensão profissional na Fox News tem um preço, ao menos para mulheres bonitas...
O Escândalo realmente engrena quando Carlson é demitida da Fox News e processa Ailes por assédio sexual. Seus advogados acham que a luta será difícil, mas Gretchen tem certeza de que outras mulheres darão um passo à frente, corroborando suas alegações, o grande problema é que a própria estrutura da Fox News desencoraja tal comportamento de cima abaixo. Nem mesmo a linha telefônica para queixas sobre comportamento inapropriado da companhia é anônima e pode ser gravada, garantindo que a vida de uma funcionária que apresente uma queixa contra um superior possa se tornar muito, muito difícil.
Enquanto Gretchen espera que mais vozes se juntem à sua, Megyn Kelly precisa decidir em que lado da querela irá ficar.
Ela é uma apresentadora top de linha na empresa e acabara de passar por uma dose maciça de escrutínio e misoginia após ousar questionar o tratamento que o candidato republicano dispensava à mulheres, e subitamente vê a possibilidade de um levante feminino tomar corpo nos corredores da empresa onde trabalha, mas ela estará disposta a arriscar sua carreira para tomar partido?
O Escândalo é um filme muito mais leve do que a premissa sugere.
Não chega a ser surpreendente. O diretor, Jay Roach é egresso de diversas comédias que incluem a trilogia Austin Powers e os dois primeiros Entrando Numa Fria, além de Um Jantar para Idiotas e Os Candidatos, mas ao mesmo tempo é um sujeito que não é estranho à política e nem a casos escandalosos, já que também foi o responsável por Recontagem, Virada no Jogo e Trumbo: Lista Negra.
Acompanhando Roach está o roteirista Charles Randolph, responsável pelo script do ótimo A Grande Virada (fato aleatório: Ele também escreveu um dos meus preferidos pessoais, A Vida de David Gale), outro longa que foi capaz de tratar um evento muito sério, no caso o estouro da bolha imobiliária que estremeceu a economia dos EUA, de maneira didática e divertida.
A combinação dos esforços de Roach e Randolph dá uma pegada menos dramática a O Escândalo, sem permitir que o filme se dispa de toda a gravidade do caso que retrata, muito disso se deve à maneira como a Megyn Kelly de Theron por vezes quebra a quarta parede e se dirige diretamente à audiência explicando os pormenores do funcionamento da Fox News. A maneira quase conspiratória como ela explica quais são as principais peças no tabuleiro e o que uma pessoa tem que fazer para prosperar na rede de notícias conservadora ajuda a situar o espectador que não está familiarizado com a Fox News ao mesmo tempo em que suaviza a Megyn Kelly de verdade, uma apresentadora que não é reconhecida por seu carisma.
Ela equilibra as coisas quando o longa claudica ao não conseguir se decidir ao certo sobre seu tom ou estilo visual. Vez e outra o filme transcorre quase como um documentário, com a câmera na mão e whip zoom pra lá e pra cá, em outras insere seus atores em imagens reais de arquivo e ao não se decidir sobre qual estética prefere adotar, já que outros segmentos são filmados de maneira tradicional, a falta de consistência pode se tornar um pouco incômoda à certa altura, embora nada que estrague a experiência.
O elenco, no final das contas, é o grande trunfo de O Escândalo.
Theron está realmente fenomenal, assim como Nicole Kidman, que se vira muito bem com um papel relativamente menor, e Robbie que vai de crente ingênua a delatora desiludida em um arco que, apesar de rápido não é forçado. Um pilar do filme que foi solenemente ignorado na temporada de premiações, porém, foi Lithgow.
Embaixo de um rio de maquiagem o ator se banqueteia ao viver o desagradável gordão Ailes com requintes de espírito predador corporativo e paranoia. Ele não ter sido lembrado para nenhum prêmio é realmente um crime, pois seu personagem abjeto é a gosma que une as histórias das três protagonistas.
Mas nem só de Theron, Lithgow, Robbie e Kidman se faz O Escândalo. Kate McKinnon tem um divertido papel como uma lésbica no armário que trabalha como produtora no programa de Bill O'Reilly, Malcom McDowell aparece como Rupert Murdoch em pessoa, e ainda há Allison Janney, Rob Dellaney, Mark Duplass, Connie Britton, Nazanin Boniadi, Richard Kind, Alice Eve e P.J. Byrne todos competentes seja em papéis de apoio ou pontas.
Com um excelente trabalho de maquiagem, mais notadamente as quase máscaras que Theron e Lithgow usam para se tornarem Megyn Kelly e Roger Ailes (embora haja cabelo, nariz e queixo falsos em Nicole Kidman, também), figurinos precisos e edição ligeirinha, O Escândalo é um bom filme baseado em uma história real muito importante.
É um longa a respeito das provações pelas quais mulheres passam ao seguir suas ambições e da objetificação à qual muitas delas se sujeitam na busca de seus sonhos profissionais. Talvez, essa história e essa mensagem merecessem um filme melhor, mas ao não se furtar de tomar partido e apresentar seu ponto de vista de maneira incisiva e literal, ele se torna digno de audiência, embora ele vá ser melhor aproveitado por pessoas que gostam de política e que tem algum conhecimento sobre o que é a Fox News...

"-Você tem que adotar a mentalidade de um policial de rua irlandês: O mundo é um lugar ruim, as pessoas são idiotas preguiçosas, minorias são criminosos, sexo é nojento, mas interessante. Pergunte a si própria, 'o que iria assustar minha vó e irritar meu avô?' e isso é uma notícia da Fox."

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: Entre Facas e Segredos


Não há na Hollywood de hoje, um diretor mais divisivo do que Rian Johnson, o cineasta que disse com todas as letras que, pra ele, o filme perfeito é aquele que metade da audiência ama e a outra metade odeia. Essa dicotomia pode ser observada fazendo-se um ligeiro apanhado da filmografia de Johnson, que cometeu Star Wars: Os últimos Jedi e Looper, mas também fez A Ponta de um Crime e Vigaristas (não confundir com Os Vigaristas), deixando claro que pode ser péssimo de ficção científica e um completo cretino de ópera espacial, mas que manja que histórias criminais.
Por isso eu não fiquei surpreso quando Entre Facas e Segredos estreou angariando um vasto rol de elogios da crítica e do público. O longa, afinal, já mostrava em seu trailer ser um "quem matou" com a maior cara dos livros de Agatha Christie, com um sem-número de suspeitos presos em uma mansão soturna com dois investigadores da polícia e um detetive particular após um suicídio deveras suspeito.
Sendo eu uma dessas pessoas que guarda rancor, e que jamais encontrarei uma forma de perdoar Johnson por Os últimos Jedi, não fui ver o longa quando de sua estréia, e, não tivesse ele entrado na lista de postulantes a várias premiações nesse início de ano, é bem possível que não tivesse visto o longa exceto na TV a cabo e olhe lá.
Mas no sábado, sem RPG, e ansiando por me ocupar após furar descaradamente a festa de aniversário da minha sobrinha, resolvi que uma sessão dupla de cinema estava era uma boa maneira de ocupar minha tarde/noite e, quis o destino, que é um gozador, que Entre Facas e Segredos estivesse ali, dando sopa, pouco antes da sessão de O Escândalo.
Entre Facas e Segredos já abre com o corpo do multimilionário escritor Harlan Thrombey (o interminável e sempre excelente Christopher Plummer) sendo encontrado em seu estúdio com a garganta cortada e uma adaga em punho.
Daí, vamos para uma semana mais tarde, quando os membros do clã Thrombey se juntam na casa de campo onde Harlan se suicidou na mesma noite em que comemorou seu aniversário, para o velório. O adeus formal ao patriarca, porém, não é dos mais confortáveis, pois quando os membros dessa combativa família vão chegando à residência, eles descobrem que não estão sozinhos:
Dois policiais, o tenente Elliot (LaKeith Stanfield) e o policial Wagner (Noah Segan) também comparecem para, antes das homenagens finais a Harlan, conduzirem entrevistas de rotina com os parentes. Nem um pouco rotineira, no entanto, é a presença do investigador particular Benoit Blanc (Daniel Craig, caprichando no sotaque cajun), famoso decifrador de mistérios que paulatinamente toma o controle das entrevistas e da investigação conforme todos os membros da família parecem ter motivos para querer assassinar Harlan, do genro Richard (Don Johnson) à ex-nora Joni (Toni Collette), passando pelos filhos Walt (Michael Shannon) e Linda (Jamie Lee Curtis), até os netos Meg (Katherine Langford) e Ransom (Chris Evans). E, em meio à crescente tensão causada pela suspeita de dolo na morte do famoso escritor, a sua jovem enfermeira, Marta (a bela Ana de Armas) se vê inadvertidamente como fiel da balança conforme Benoit descobre que um estranho distúrbio psicológico da jovem a faz vomitar quando mente.
Com tudo isso, o que parecia mera formalidade antes da confirmação oficial do suicídio do milionário vai se transformando em um rocambolesco mistério onde nada é o que parece ser.
Eu vou começar dizendo que, por mais que eu odeie Os Últimos Jedi, eu não odeio Rian Johnson pessoalmente (tá, só um pouco), e nem assisti Entre Facas e Segredos predisposto a não gostar do filme.
O longa escrito e dirigido pelo mesmo sujeito que comandou Ozymandias, um dos melhores e mais pujantes episódios de Breaking Bad (mas que também dirigiu o episódio da mosca, pra mostrar o que eu quis dizer com divisivo...) é cheio de qualidades, e a principal é, sem sombra de dúvida, o grande e qualificado elenco que o cineasta uniu para contar um tipo de história que dificilmente falha na hora de entreter. Todos parecem estar se divertindo e dando seu melhor para transformar os arquétipos tradicionais a esse tipo de trama de mistérios em pessoas vivas com quem a audiência pode se importar, o que não é uma tarefa fácil já que, em tais fitas de mistério, a estrela é sempre a mesma:
O mistério em si.
Veja os contos de Agatha Christie, Dashiell Hammett e Conan Doyle, por mais que Poirot, Sam Spade e Sherlock Holmes sejam personagens interessantíssimos repletos de excentricidades fascinantes, eles jamais seriam quem são se não resolvessem mistérios além da compreensão das pessoas comuns. É a reviravolta final, o culpado inesperado e a maneira engenhosa de cometer o malfeito que movem essa variedade de história, e é justamente aí que Entre Facas e Segredos claudica:
O longa é dolorosamente previsível para o tipo de história que almeja contar.
Ainda no primeiro ato do longa fica claro qual crime foi cometido. Já no segundo ato é óbvio quem foi o responsável. E aí sobra para o longa o momento da grande revelação, quando o detetive desmascara o culpado revelando todos os pormenores do ato ilícito, o problema é que Rian Johnson parece estar gostando tanto da história que espicha esse terceiro ato até não poder mais. Ele se alonga infinitamente mais do que deveria, e por conta disso, quando o momento da revelação finalmente chega, ele já foi esvaziado de expectativa de uma maneira tão absoluta que ao invés de "Oh!" a audiência faz "Hm.", e isso é veneno para um filme como Entre Facas e Segredos, que se alimenta de expectativa.
Com tais problemas narrativos, cabe ao elenco do longa segurar as pontas, e aí, que bom que Johnson juntou os atores que juntou.
Cobras como Lee Curtis, Collette, Shannon e Plummer não surpreendem ninguém quando elevam cada cena em que aparecem, mas são as performances de Daniel Craig e especialmente de Ana de Armas que mais surpreendem. Craig por enterrar seu sotaque britânico habitual sob um divertido cavalheiro sulista cheio de tiques verbais francófonos e uma aura de fingida incompetência, e de Armas por encher Marta de nuances muito além da fragilidade que ela imediatamente evoca.
Embora esses sejam os destaques, ninguém compromete. Evans, Don Johnson, Langford, Stanfield (mais K Callan, Jaeden Martell, Riki Lindhome, Edi Patterson e Frank Oz), todos seguram a peteca e entregam o seu melhor, e, se é verdade que Entre Facas e Segredos não é nem remotamente inteligente ou divertido como pensa ser, também é verdade que o longa distrai pela maior parte de suas duas horas e onze minutos...
Eu não diria que é um filme obrigatório no cinema, mas provavelmente vale a locação para uma quinta à noite.

"-Você não é lá um grande detetive, não é?
-Bem, pra ser franco você é uma porcaria em assassinato."

sábado, 18 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: Parasita


Há alguns anos, não sei precisar ao certo quando, lembro que o longa sul-coreano O Hospedeiro fez grande sucesso entre crítica e público, despertando o interesse de audiências pelo mundo todo como um inventivo filme de monstros... Recordo que, fã confesso de filmes de monstros que sou, assim que o longa foi disponibilizado em DVD, fui à antiga e saudosa TV3 Vídeo, e aluguei O Hospedeiro para assistir. Não me lembro direito da premissa do filme, apesar de ter achado os efeitos visuais bem intencionados, o que me lembro foi de não ter conseguido levar o longa a sério por causa das atuações do elenco principal.
Eu simplesmente não conseguia enxergar o comportamento dos atores em cena como natural. Nada do que eles faziam ou diziam era convincente pra mim, muito além da barreira do idioma. Eu assisto filmes em chinês, já assisti filmes em russo, pársi e outros idiomas dos quais não entendo nem as vírgulas, e não me vi tão apartado das atuações como me aconteceu assistindo O Hospedeiro.
Mais de uma pessoa me disse que é menos a maneira de atuação excessiva, quase canastrona, e mais o comportamento dos orientais em geral, contido, calculado, quase robótico aos olhos destreinados de ocidentais que não estão habituados ao modo de ser e de agir de nossos irmãos de olhos puxados, e que eu devia abstrair desse pormenor e me deixar envolver pela história.
Uma amiga minha chegou a me passar uma lista de filmes coreanos e japoneses que eu deveria assistir (e dos quais vi apenas Oldboy) para me aclimatar à escola de atuação oriental, mas não adiantou. Eu jamais me habituei, e embora jamais tivesse fechado meus olhos às qualidades do cinema oriental, coreano em particular, especificamente do diretor Bong Joon-Ho, de quem assisti além de O Hospedeiro, O Expresso do Amanhã e Okja, eu realmente fiquei procrastinando na hora de assistir Parasita justamente por causa das atuações...
Ontem, porém, engoli minhas neuras e dei uma chance ao longa que vem colecionando prêmios em todos os festivais por onde passa e é aposta óbvia ao Oscar de Melhor Filme Internacional além de ter sido indicado na categoria de Melhor Filme.
No longa conhecemos a família Kim.
Os quatro membros da família, o patriarca Ki-taek (Song Kang Ho), a mãe Chung-sook (Chang Hyae Jin), o filho Ki-woo (Choi Woo Shik) e a filha Ki-jung (Park So Dam) estão desempregados. Eles se viram como podem morando em um apartamento localizado no porão de um prédio em uma área empobrecida de Seul, aceitando trabalhos informais como montar caixas para uma pizzaria do bairro para se sustentar enquanto roubam o wi-fi dos vizinhos e sonham com dias melhores.
Quando um ex-colega de Ki-woo aparece na modesta residência dos Kim com uma posposta ao amigo, ele fica reticente.
O jovem universitário dá aulas particulares de inglês para uma aluna rica do ensino médio, mas irá fazer um intercâmbio, precisando abandonar o trabalho. Incapaz de confiar a jovem por quem se interessa a um de seus colegas "universitários bêbados" ele deseja recomendar Ki-woo para o serviço, que paga bem.
Sem outras alternativas para conseguir dinheiro, eventualmente Ki-woo aceita a oferta de seu amigo e chega à rica residência dos Park, onde é recebido pela governanta Moon-gwang (Lee Jung Eun), que o apresenta à senhora Park (Cho Yeo Jeong) e à jovem Da-hye (Jung Ziso).
Se Ki-woo estava inicialmente resistente à ideia de trabalhar com os Park, basta uma tarde na luxuosa mansão da família para ele mudar diametralmente de ideia.
Encantado com a riqueza de seus novos empregadores, ele imediatamente começa a elaborar um plano para que toda a sua família possa tirar uma casquinha do modo de vida dos ricaços, e conforme Ki-jung, Ki-taek e Chung-sook adentram o lar dos Park, eles logo se veem enredados em um estranho incidente enquanto um profundo ressentimento vai se edificando na forma de uma guerra fria de classes.
Bem, a primeira coisa que preciso dizer é que, terminando de assistir Parasita eu fiquei francamente coçando a cabeça sobre o porquê de tanto confete.
Não me entenda errado, não há nada de ruim no longa metragem de Bong Joon-Ho, ele é bem editado, bem dirigido, tem uma belíssima fotografia e dá até para destacar algumas atuações (Choi Woo Shik e Song Kang Ho, em particular), entretanto disso até "a grande obra cinematográfica de 2019" vai uma puta distância.
E eu sei como o hype pode prejudicar a visão da audiência de um longa metragem.
Sei bem como a antecipação advinda do excesso de láureas pode gerar uma expectativa impossível de alcançar para qualquer obra de entretenimento ou arte, e com tanta gente e tantos júris, e tantos críticos e tantos cinéfilos colocando Parasita como o melhor filme de 2019, ou um dos melhores filmes da década, seria fácil ver o longa falhar em alcançar tais píncaros de excelência e deixar um espectador como eu desapontado.
Mas a verdade é que eu não tinha imensas expectativas com relação ao longa por todas as razões que elenquei lá em cima, então, para mim, Parasita não foi uma experiência menor por ser incapaz de alcançar alguma expectativa irreal.
Meu maior problema com o longa nem é ele ser um longa que coloque a sua mensagem acima da história, já que a despeito de todos os ricos serem idiotas egocêntricos e egoístas, há ambiguidade suficiente para que a audiência se pergunte quem é o "parasita" do título, mas que ele parece desejar ser muitas coisas ao mesmo.
Um filme com uma mensagem, uma comédia, um drama, um romance, um thriller (e é fácil ver que a primeira faceta foi a que tocou setores da crítica especializada), e a maneira caótica conforme os eventos vão se sobrepondo na trama, ainda que faça sentido para uma comédia de erros, acabou me deixando anestesiado para o que deveriam ser os momentos de pujança emocional do fim do filme, para mim, superior à farsesca primeira metade.
Conforme eu disse, Parasita não é, nem de longe, um mau filme, há sequências genuinamente tensas nos momentos em que o longa se propõe a ser um thriller, mas francamente, em dois meses, o filme não estará mais em minha mente, e na hora de recomendá-lo, eu dificilmente conseguiria fazê-lo sem ressalvas do tipo "Olha, não é filme pra toda a audiência, mas se tu estiver disposto a experimentar...".
Então, aqui vai:
Parasita não é a oitava maravilha do mundo. Não é o melhor filme de 2019 (e nem de 2020, ano em que eu assisti apenas dois filmes...), mas é um filme interessante. Ele certamente prende a atenção por duas horas e dez minutos, não é pra toda a audiência, mas se tu estiver disposto a experimentar, certamente vale o ingresso.

"-Eles são ricos mas são legais.
-Eles são legais porque são ricos."

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Resenha Cinema: Adoráveis Mulheres


Eu amo ler, mas não sou, nem de longe, um leitor incondicional. Tenho diversas preferências no que tange à literatura, e em anos recentes, andei sofrendo uma tremenda guinada em direção à não-ficção em detrimento de ficção. Hoje, olho para a minha estante, e me pergunto como foi que li As Crônicas do Gelo e Fogo em apenas um mês e meio, enquanto ler Drácula de Bram Stoker me tomou quase o mesmo tempo, mas li Um Milhão de Anos em um Dia em três dias...
Seja como for, acho que nem na minha época de leitor mais voraz, quando lia um romance por semana, eu teria lido Mulherzinhas, clássico romance norte-americano do Século XIX de autoria de Louisa May Alcott que rendeu um sem-número de adaptações no teatro, TV e cinema ao longo dos anos porque tramas românticas não eram exatamente a minha preferência e, já em seu título, a obra imortal de Alcott parece ser um livro de... Bem... Mulherzinha.
Eu nem sabia ao certo por que Greta Gerwig, a gatinha do remake de Arthur, o Milionário e Frances Ha, que se provou uma cineasta mais do que competente com Lady Bird escolheu como seu primeiro trabalho pós-debute como diretora solo (ela já havia co-dirigido um longa em 2008) uma adaptação que já vinha sendo feita e refeita desde a época do cinema mudo, e que já tinha, inclusive, um par de "versões definitivas" para os amantes da sétima arte. Foi apenas após assistir ao filme e ler a respeito do livro que entendi o que provavelmente moveu Gerwig em direção a Mulherzinhas, gerando Adoráveis Mulheres.
No longa início do longa conhecemos Jo March (Saoirse Ronan) vivendo em Nova York e vendendo contos na editora do Sr. Dashwood (Tracy Letts). O editor rapidamente lê a história oferecida por Jo e diz que irá comprá-la por um preço abaixo do habitual, e que, no futuro, as histórias devem terminar com a mocinha casando, ou morrendo. Na sequência vemos a irmã de Jo, Amy (Florence Pugh) vivendo em Paris com sua tia March (Meryl Streep), onde está aprendendo a pintar e preparando-se para um casamento com um rapaz rico conforme manda o figurino, até reencontrar um antigo conhecido, Theodore "Laurie" Lawrence (Timothée Chalamet), por quem é claramente apaixonada.
A partir daí, Adoráveis Mulheres começa ser entrecortado por flashbacks de sete anos no passado quando, na adolescência de Jo, Amy e suas duas outras irmãs, a romântica Meg (Emma Watson) e a tímida e musical Beth (Eliza Scanlem), elas viviam em Massachusetts durante a Guerra de Secessão sob o teto de sua amorosa mãe Marmee (Laura Dern, ótima) enquanto seu pai (Bob Odenkirk) servia no fronte de combate em Washington.
É nessa época que as jovens conhecem Laurie, o vizinho rico da casa em frente, neto de um viúvo abastado (um surpreendentemente terno Chris Cooper) que imediatamente se insere no núcleo da família March tornando-se o melhor amigo das quatro irmãs no decorrer dos duros anos finais da guerra conforme elas deixam a adolescência e se tornam adultas.
É nesse ritmo, indo e voltando no tempo que conhecemos a rivalidade entre Jo e Amy e a vemos alcançar seu píncaro, acompanhamos os problemas financeiros da família March, vemos pedidos de casamento serem negados e aceitos, vemos um amor crescendo em segredo e somos esmurrados por uma devastadora doença de fazer Joey querer enfiar o livro no freezer (lembram desse episódio de Friends? Em que Rachel faz Joey ler Mulherzinhas?).
A despeito dessa frequente mudança nas linhas temporais, a narrativa de Adoráveis Mulheres jamais fica truncada ou confusa (palmas para o editor do longa, Nick Houy), mais do que isso, a grande sacada da utilização do vai e vem temporal é que os dois segmentos se alimentam um do outro. Conhecer o destino das personagens informa o olhar da audiência sobre a adolescência delas, e acompanhar as agruras de sua juventude faz com que imediatamente fiquemos interessados em saber como as coisas terminam.
Se Greta Gerwig manda muito bem na forma de apresentar a história (no livro as idas e vindas temporais não existem. Mulherzinhas foi publicado em duas partes, a primeira contando a adolescência das irmãs March, a segunda sua vida adulta, simples e direto), ela é auxiliada por um tremendo de um elenco.
Saoirse Ronan é excelente como Jo, a irlandesa pega parelho com Jennifer Lawrence como uma das atrizes fundamentais de sua geração, e simplesmente destrói em todas as suas cenas. Florence Pugh é uma tremenda surpresa. A britânica pega parelho com Ronan, mascando com gosto o papel de Amy e arrancando até a última gota do que ele tem a oferecer. Mais discretas, mas igualmente competentes são Emma Watson, que tem ao menos uma cena excelente, quando confronta os sonhos de independência de Jo com seus sonhos de amor matrimonial, e Eliza Scanlem, que arrancou as duas únicas lágrimas que derramei no filme. Completando o elenco principal, Chalamet é adorável como Lurie. O sujeito é frágil e divertido e tem um cabelo sensacional. Se eu fosse uma das irmãs March brigaria de foice pra ficar com ele. No elenco de apoio Laura Dern está ótima como Marmee, mostrando todo o seu alcance. Ela é um bálsamo de doçura e calidez total e absolutamente distinto da toada de sua personagem em História de um Casamento, e, tendo se tornado uma atriz com quem comecei a antipatizar após Os Últimos Jedi (embora tivesse sido apaixonado por ela quando vi Jurassic Park), foi bom vê-la em um personagem mais humano, deixando o papel de pragmática desagradável para a sempre competente Meryl Streep.
Completando o elenco há ainda as presenças de Louis Garrel, como Friedrich Bhaer, equivalente intelectual de Jo, e James Norton como John Brooke, o personagem com quem mais me identifiquei no filme...
Há, ainda, uma linda cinematografia de Yorick Le Saux que é quase mágica na maneira como estabelece o clima das cenas... Nós sentimos o cheiro do mar nas cenas na praia, sentimos frio nas cenas na neve e o conforto de um lar nas cenas dentro da residência das March quando as irmãs estão juntas... É realmente sensacional.
Mas provavelmente a grande realização de Greta Gerwig em Adoráveis Mulheres não seja a competência do elenco ou da equipe técnica que ela rege com graça e segurança, ou mesmo a maneira como ela deturpa o final original do livro, abusando de metalinguagem para inegavelmente fazer justiça à Jo (e, quem sabe, a Louisa May Alcott), construindo um destino muito mais honesto para com a jornada da personagem, especialmente sob a perspectiva atual, muito mais ampla, do que é "viver feliz para sempre", mas sim a forma como ela não permite que sua mensagem de poder feminino seja mais importante do que a história que deseja contar.
Filmes que colocam a mensagem acima da história tendem a ser aborrecidos e divisivos, e Adoráveis Mulheres não é nada disso. É terno, divertido, tem um ótimo ritmo e personagens de quem podemos gostar. É menos sobre as falhas das pessoas e mais sobre o que elas têm de bom, e isso, por si só, já justifica a presença de Adoráveis Mulheres na lista de postulantes ao Oscar de Melhor Filme, e me faz concordar com quem acha que Greta Gerwig foi injustiçada ao ficar de fora da categoria de melhor diretor.
Assista no cinema. Vale a pena.

"-Bem, eu acredito que temos algum poder sobre quem nós amamos, isso não é algo que simplesmente acontece com uma pessoa.
-Eu acho que poetas discordariam.
-Bem, eu não sou uma poetisa. Sou apenas uma mulher. E, como mulher eu não tenho como ganhar dinheiro, não o suficiente para me sustentar e ajudar minha família. Mesmo se eu tivesse meu próprio dinheiro, e eu não tenho, ele pertenceria ao meu marido no momento em que nos casássemos. Se eu tivesse filhos, eles pertenceriam a ele, não a mim. Eles seriam sua propriedade. Então não sente aí e me diga que casamento não é uma proposta financeira, porque é. Pode não ser pra você, mas certamente é pra mim."

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

O Trailer de Morbius

Enquanto a temporada de cinema 2020 não começa (ao menos pra mim...), a Sony divulgou há pouco o primeiro trailer de Morbius, filme que vai tentar repetir o sucesso de Venom, que em 2018 arrecadou mais de 800 milhões de dólares para o estúdio com um filme estrelado por um inimigo do Homem-Aranha, sem o Homem-Aranha.
Na prévia vemos a vida difícil de Michael Morbius (Jared Leto) na infância e na vida adulta, constantemente assoberbado por uma doença sanguínea que o impede de levar uma vida normal até encontrar uma possível cura em morcegos hematófagos.
Confira:



A prévia ainda mostra um poster do Homem-Aranha com a pichação "assassino", e, no final, aventa a possibilidade de um Sexteto Sinistro a caminho?
Estrelado por Leto, Matt Smith, Jared Harris, Adria Arjona, Tyrese Gibson e será dirigido por Daniel Espinoza. O longa tem sua estreia marcada para 31 de julho.