Pesquisar este blog

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Top-10 Cinema 2019

Se no ano passado eu fui pouco ao cinema, acredito que nesse ano eu tenha ido ainda menos.
Novamente eu aluguei filmes em profusão, e assisti um bocado de filmes em serviços de streaming que tem se tornado a saída não apenas para diretores incapazes de disputar espaço nas salas de exibição com os blockbusters fabricados sob encomenda pelos grandes estúdios. Mas a verdade é que o cinema vem perdendo espaço entre minhas formas de entretenimento favoritas. Eu assisti muito mais séries. Me apaixonei pelo Smithsonian Channel, e li avidamente livros sobre História e ciência e as republicações encadernadas d'A Espada Selvagem de Conan...
Ainda assim, não passei um final de semana sem ver ao menos uns três ou quatro filmes, embora venha preferindo rever longas que já havia assistido do que arriscar duas horas da minha vida com más apostas, ainda assim, consegui ficar em dúvida sobre quais filmes comporiam tanto minha lista de melhores quanto de piores do ano, o que fiz, ao menos na lista de melhores, com um pingo de peso na consciência.
À lista:

10 - Meu Nome é Dolemite


Eddie Murphy finalmente ganha um veículo capaz de devolver-lhe ao posto de astro de Hollywood em Meu Nome é Dolemite, a arejada e irônica biografia do comediante Rudy Ray Moore, um aspirante a showman fracassado que acertou na loteria ao criar o cafetão lutador de king-fu que se comunicava através de rimas profanas Dolemite.
Eu francamente não lembro quando fora a última vez que eu havia rido assistindo a um filme de Eddie Murphy, e nem quando fora a última vez que ele pareceu estar trabalhando com gosto. Despido de vaidades e estrelismos Murphy se mantém gorducho e sorridente para contar não apenas a história de vira-lata dando certo de Moore, mas também da família de amigos que o ajudaram a realizar seu sonho no palco e nas telonas (incluindo o excelente ladrão de cenas Wesley Snipes). Embrulhado em uma gloriosa coleção de ternos e chapéus coloridíssimos e brandindo uma bengala para amparar seu gingado Murphy torna a história de Moore a sua própria, uma declaração de excelência em comédia e mostrando que ainda tem um lugar garantido no rol dos maiores comediantes de Hollywood.

9 - John Wick: Parabellum


Quem poderia imaginar que um filme de vingança com cara dos longas de Charles Bronson nos anos 1980 poderia fazer não apenas Keanu Reeves ser redescoberto por Hollywood, mas dar origem a uma muito bem sucedida franquia e até a uma nova forma de fazer filmes de ação?
John Wick - De Volta ao Jogo fez tudo isso, e continuou fazendo em John Wick: Um Novo Dia para Matar e seguiu em Parabellum, terceiro longa da franquia de Chad Stahelski que está nesta lista menos pela história que narra (que incorre tanto em alguns furos quanto em uma vasta demanda por suspensão de descrença) e mais por seu estilo e personalidade. Da sequência inicial que tem o protagonista enfrentando hordas da matadores usando facas, machados, pistolas cavalos e livros como arma até o violento combate a três no encerramento do longa, John Wick: Parabellum é uma aula de como dizer tudo a respeito de seus personagens sem precisar falar a respeito. As ações de cada arquétipo que dá as caras na tela é testemunho de quem essas pessoas são, e ninguém fala menos e age mais do que John Wick;
O assassino é trazido a vida por um Keanu Reeves que abraça com gosto a fisicalidade de um papel com cada soco, tiro, facada e pontapé em um longa que vive por seus exageros, está orgulhoso deles, e os usa para pintar com pinceladas de sangue o retrato do anti-herói definitivo do cinema contemporâneo.


8 - História de um Casamento


O cataclismo devastador do divórcio conforme ele obriga as metades de um casal a reconfigurarem suas noções de si ao se apartarem é vista pela lente de Noah Baumbach de maneira agonizante, tocante e por vezes hilária no que é provavelmente o filme mais humano de 2019. Cada decisão tomada pelos personagens, cada palavra dita por eles, cada emoção que eles transmitem parece genuína, honesta e verdadeira conforme a separação de Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson), que começa civilizada, amigável, até, paulatinamente se transforma em algo medonho conforme a influência dos advogados gananciosos e egoístas começa a mudar a percepção de ambos sobre o caso, transformando a decisão sobre a guarda do filho do casal em um cabo de guerra que ameaça matar tudo o que já houve de bom entre o casal.
O roteiro afiado de Baumbach e sua direção cheia de closes de mágoa e raiva nos mostra os protagonistas navegando por um mar de ressentimento até uma explosiva confrontação final.
Poucos filmes foram tão tão competentes na hora de retratar emoções, e muito do crédito recai sobre Johansson e Driver, que estão simplesmente devastadores em suas performances seja sozinhos, seja duelando em cena.

7 - Homem-Aranha: No Aranhaverso


A cada ano que passa o gênero de filmes de super-heróis se aproxima mais de um muro. E 2019 poderia ser o ano em que essa barreira foi alcançada com o inacreditavelmente enorme Vingadores: Ultimato.
Os filmes de super-heróis não ficarão maiores do que aquilo. Ponto.
Mas enquanto o gênero ameaça colapsar sob o peso de suas ambições financeiras inversamente proporcionais à suas ambições artísticas, a Sony deu uma tremenda bola dentro ao dar luz verde para um filme de super-herói que é ambicioso e criativo e surpreendente como nós ainda não havíamos visto.
A melhor animação desse ano (a Pixar que me desculpe) é tecnicamente magnífica, uma lindíssima sinfonia animada que mistura quadrinhos dos anos 60 com grafite e computação gráfica que vai muito além de uma mídia historicamente associada ao entretenimento infantil para narrar a história de Miles Morales (Shameik Moore) por uma Nova York que se vê subitamente destituída de seu maior protetor. Quando Miles recebe a ajuda e o treinamento de um Peter Parker de 42 anos que é arrastado até seu universo em meio a uma crise de meia-idade que é possivelmente o mais sofisticado retrato de um super-herói nas telonas, o longa recebe um tremendo upgrade em sua ternura conforme somos levados a uma aventura encabeçada por meia-dúzia de homens-aranha enfrentando uma vasta galeria de vilões alternativos.
Se nada disso funcionasse, Homem-Aranha: No Aranhaverso ainda seria alicerçado na maior e mais bela carta de amor que o mais popular herói dos quadrinhos jamais recebeu.

6 - Ad Astra


Piratas na Lua, babuínos assassinos em gravidade zero, comércio espacial e quedas da estratosfera em direção à Terra... Ad Astra pegou as coisas mais familiares de ficções científicas convencionais e encheu de uma nova vida que elevou o filme muito além de seus pares.
O major Roy McBride (Brad Pitt) parte em uma jornada rumo ao espaço profundo em busca do pai, Clifford (Tommy Lee Jones) que ele julgava estar morto. Parece, mesmo, uma ficção científica tradicional, mas o diretor James Grey apresenta sua história de uma maneira singular, misturando elementos familiares e novos de maneira que o longa seja ao mesmo tempo familiar e surpreendente em sua visão da história de um homem desesperado por comunhão investigando o firmamento em busca do pai ausente que o abandonou.
Esse amálgama mantém a audiência se perguntando se está gostando do filme, ou não, sem conseguir tirar os olhos da tela conforme a história se desenrola até que o final chega e nós conseguimos ver o retrato completo de uma maneira tão pujante e significativa quanto silenciosa, tão ítmima quanto majestosa.
Adicione a tudo isso uma das melhores performances da carreira de Brad Pitt, conseguindo a proeza de ocultar um perceptível turbilhão de dor sob uma superfície de calma quase patológica, efeitos visuais espetaculares, direção e cinematografia na ponta dos cascos e nós temos uma das melhores ficções científicas em anos.

5 - Green Book: O Guia


Existe um certo tipo de cinema feito para mexer com as emoções e expectativas da plateia de uma maneira quase mecânica em sua previsibilidade e que ainda assim, não conseguimos odiar.
Green Book: O Guia, longa de Peter Farelly em uma rara jornada cinematográfica sem o seu irmão Bobby é um dos mais claros exemplos desse tipo de filme, aqueles onde nós somos capazes de antever tudo o que irá acontecer na próxima cena, mas ao invés de ficarmos aborrecidos ou desapontados com isso, damos um sorriso. É o tipo de história edificante que mexe com as aspirações mais puras que até o mais cínico de nós tem, de que podemos todos ser melhores.
Claro, apenas isso talvez não fosse o suficiente para narrar a aventura do pianista clássico Don Shirley e do brutamontes ítalo-americano Tony Vallelonga em sua turnê pelo sul dos Estados Unidos, mas Farelly fez o certo e cercou-se de dois atores sensacionais para os papéis principais do longa: Mahershala Ali e Viggo Mortensen.
Os dois intérpretes elevam Green Book: O Guia muito acima do que o longa seria com atores menores no elenco principal, e tornam aqueles sorrisos da audiência a cada curva segura do caminho mais abertos e sinceros. Talvez o Oscar de Melhor Filme tenha sido um exagero para Green Book (agora Peter Farelly tem dois Oscar, e Martin Scorsese tem um...), mas a culpa não é do longa. É um filme calculado e seguro, sim, mas um sentimento honesto com o qual a audiência permanece muito tempo depois de assistir.

4 - Era Uma Vez em... Hollywood


A história de dois caubóis da TV dos anos cinquenta que estão envelhecendo e se tornando irrelevantes a passos largos até recuperarem a auto-estima por tempo o suficiente para deitar a porrada em uns hippies sujos e proteger uma linda loira grávida da morte certa pode parecer um bocado reacionária.
Talvez isso explique a crítica especializada estar tão dividida com relação ao nono longa de Quentin Tarantino, que irritou todo o pessoal do politicamente correto com seu retrato de Bruce Lee e do movimento hippie e sua misoginia e blá, blá, blá...
As pessoas parecem não ter entendido que Era Uma Vez em... Hollywood não é um manifesto de intenções de nenhuma espécie, mas uma viagem estilo anos 1960 do que poderia ter sido. Uma colagem fetichista da Hollywood dos anos 1960 que usa a morte de Sharon Tate nas mãos da família Manson para simbolizar o fim da inocência no cinemão hollywoodiano e imaginar como seria se heróis desse mesmo cinemão moribundo pudessem ter feito algo para evitar a tragédia em um desfecho que é tão eufórico e excessivo quanto de cortar o coração.
Tarantino cria uma história para examinar um momento no mundo dos cinemas que criaram seu vasto e obscuro rol de referências em uma Hollywood dos anos 1960 que é visivelmente um de seus trabalhos mais apaixonados e cheios de compaixão em anos, apresentando as histórias interligadas de um astro cujo tempo passou e uma estrela em ascensão para quem tudo é fresco e novo para preservar um momento no tempo que representa a beleza das coisas que estão fadadas a mudar.

3 - Coringa


Outro filme que não foi totalmente compreendido pela crítica especializada e vilipendiado tanto pela turma do politicamente correto quanto pelos reaças de plantão no que, pra mim, é testemunho de seus acertos, Coringa foi o filme de gibis de que até Martin Scorsese seria capaz de gostar tanto por sua abordagem com os pés cravados na realidade quanto por render homenagens abertas ao tipo de cinema que Scorsese inaugurou na década de 1970.
O longa de Todd Phillips foi mal-visto por liberais que temiam a "potencialização da cultura incel" e a violência praticada por homens brancos, e por conservadores preocupados com a mensagem de "guerra de classes" que o longa trazia embrulhada, mas Coringa não é a respeito disso.
O longa co-escrito por Scott Phillips é uma história sobre uma alma torturada que não encontra seu lugar no mundo. Sobre o que a cultura de olhar apenas para seu próprio umbigo pode fazer com pessoas que são ignoradas pelo sistema e por seus semelhantes e sobre até onde uma pessoa pode afundar na auto-piedade quando não tem a quem recorrer.
Para nos guiar por essa descida rumo às profundezas da loucura Todd Phillips conseguiu Joaquin Phoenix que encheu Arthur Fleck de nuances e humanidade permitindo que a figura retorcida e desesperada em cena jamais parecesse um completo vilão, mas sim uma pessoa que jamais recebeu a ajuda de que precisava até estar além de qualquer resgate

2 - O Irlandês


Construído ao redor do presumido assassinato do líder sindical Jimmy Hoffa em 1975, o longa de três horas e meia de duração de Martin Scorsese é notável tanto pelo que tem quanto pelo que não tem, no caso, o longa não tem grandes sequências de câmera única como a entrada de Ray Liotta e Lorraine Bracco no night club em Os Bons Companheiros, não tem sequências brutais de violência gráfica e nem canções dos Stones em sua trilha sonora para aumentar a adrenalina.
O Irlandês é um exercício de abnegação de Scorsese que retira de cena seus truques e movimentos mais habituais para permitir que seu elenco nos mostre a história de Frank Sheeran (Robert De Niro), que narra de uma cadeira de rodas em uma casa de repouso católica a sua vida como caminhoneiro, matador eventual da máfia e líder sindical. A vida de Sheeran é repleta de arrependimentos, não pelo que foi feito, mas pelo que foi feito e não foi sentido.
Sob a batuta de Scorsese O Irlandês jamais tenta se esconder atrás de movimentos exaltados ou saídas fáceis, mas acompanha o ritmo de seu elenco que envelhece a olhos vistos diante da audiência graças a maquiagem digital e prática para garantir que o longa jamais deixe de parecer a narrativa de um ancião olhando para trás.
Com um elenco soberbo encabeçado por De Niro, Al Pacino e um soberbo Joe Pesci O Irlandês é mais uma aula de cinema de Martin Scorsese e mais um tijolo na gloriosa edificação de um dos cineastas fundamentais não apenas de nosso tempo, mas da sétima arte como um todo.

1 - Vingadores: Ultimato


Martin Scorsese tem todo o direito de dizer o que quiser a respeito dos filmes da Marvel, e pronto.
Scorsese é o maior diretor de cinema em atividade no mundo hoje e se ele não gosta dos filmes o mínimo que qualquer pessoa com dois neurônios tem que fazer é respeitar a opinião do sujeito, por mais que discorde dela.
Uma das coisas que Scorsese disse quando explicou porque não gosta dos filmes do MCU foi que os atores eram incapazes de transmitir emoção por conta da falta de profundidade dos roteiros.
Bem, nesse ponto eu discordo de Marty. Havia gente chorando literalmente tão alto no final de Ultimato na sessão em que vi o filme que outros espectadores ficavam pedindo silêncio.
Os melhores filmes fazem a audiência sentir alguma coisa, seja tristeza, alegria excitação ou ansiedade, arte capaz de extrair emoção genuína da plateia é especial, e com Vingadores: Ultimato, nós sentimos tudo isso, e mais. Ás vezes ao mesmo tempo, e isso torna o filme mais do que especial. O torna mágico.
Enquanto ponto culminante de um empreendimento que se estende a onze anos e vinte e dois longas-metragens Vingadores: Ultimato tem tudo aquilo que a audiência queria ver. Tudo o que a audiência esperava ver. E coisas que a audiência jamais pensou que veria. Tudo embrulhado em uma única e espetacular embalagem. Para conseguir fazer tudo isso em um único filme os diretores Joe e Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely criaram um trabalho em uma escala que o cinema viu em poucas ocasiões. Os atores, em especial os seis Vingadores originais, criaram um nível de gravidade que elevou o material, e enquanto momento imenso após momento imenso rolavam um sobre o próximo em uma bola de neve que se tornaria uma das maiores (senão a maior) sequência de ação da história do cinema, nós só podíamos olhar maravilhados não apenas para esse filme, mas para toda a história que nos trouxe até aqui. De Homem de Ferro a Capitã Marvel, todos os vinte e dois longas do MCU têm DNA em Ultimato. Um longa que, mais do que um filme mágico, é seu próprio universo mágico.

Top-10 Negativo - Cinema 2019

Apesar de ter ido poucas vezes ao cinema esse ano, minha relação cada vez mais próxima com os serviçoes de streaming e o Google Play Video me mantiveram bastante municiado de filmes para assistir ao longo desse 2019 e, não vou mentir, em mais de uma ocasião eu aluguei um filme especificamente porque achava que ele tinha potencial pra acabar nessa lista, aqui.
Tarefa facilitada pela produção industrial de filmes porcaria que Hollywood tem jogado nos cinemas em sua desesperada luta por lucros cada vez mais gordos ao final de cada período fiscal e pela falta de noção de grande parte da audiência, capaz de transformar as maiores porcarias em sucessos bilionários.
Para lembrar: Quanto mais alta a posição na lista, pior;
À lista:

10 - Casal Improvável


Seth Rogen chegou ao auge de sua carreira como ator em 50%, longa onde contracenou com Joseph Gordon-Levitt alguns anos atrás. De lá pra cá, o ator jamais saiu da zona de conforto, fazendo tipo maconheiros e desastrados de bom coração que são pegos em situações malucas por força das circunstâncias.
Casal Improvável, dirigido pelo mesmo Jonathan Levine de 50% não é uma mudança de paradigma para a carreira de Rogen. Muito antes pelo contrário. É mais do mesmo em nível máximo. A grande diferença aqui é que a situação maluca na qual esse maconheiro desastrado de bom coração se envolve por força das circunstâncias é um romance com a potencial candidata democrata à presidência dos EUA, Charlotte Field (Charlize Theron) que foi sua babá na adolescência e por quem ele nutria uma paixonite.
Uma tradicional comédia romântica sobre opostos que se atraem Casal Improvável peca por mais do que ser apenas chato e sem graça, mas por criar um casal protagonista desprovido de qualquer migalha de química. Se Rogen e Theron tivessem uma fagulha que fosse de genuína atração, talvez o longa fosse vagamente assistível, como não é o caso, é uma desses longas que mofará no catálogo do Amazon Prime Video até ser esquecido.

9 - Projeto Gemini


Ang Lee deve ter entrado no escritório do presidente da Paramount e dito "Eu sou um diretor três vezes vencedor do Oscar e quero fazer um filme de ação onde Will Smith enfrenta Will Smith.". Diante dessa premissa o presidente da Paramount deve ter respondido algo como "Cala a boca e pegue meu dinheiro", e Lee, sem ter sido confrontado com nenhuma pergunta não mencionou que ainda não tinha um roteiro e acabou sendo levado pela empolgação com as novas tecnologias que queria experimentar e fez o filme unicamente com base nessa premissa sem ter mais do que um fiapo de trama para a construção do longa.
É a única explicação que eu encontro para o tanto de dinheiro investido em um longa que tem tanta cara de filme de orçamento médio da década de 1990, Projeto Gemini é um filme de ação sem sequências de ação memorável, de natureza episódica e trama destrambelhada que em momento algum justifica o grau de talento envolvido no filme, do elenco cheio de nomes respeitáveis ao trabalho de CGI da Weta Workshop para criar o Will Smith jovem ao diretor de O Segredo de Brokeback Mountain e A Vida de Pi.

8 - X-Men: Fênix Negra


Fênix Negra deveria ter sido muitas coisas.
A despedida dos X-Men da Fox... A adaptação definitiva de uma das maiores histórias dos mutantes dos quadrinhos... Um longa de super-herói divertido e empolgante...
Mas o filme não foi nada disso.
Nas mãos inexperientes de Simon Kidberg, longevo produtor e roteirista da série, Fênix Negra se tornou um filme ora aborrecido, ora constrangedor que, sim, foi melhor que X-Men 3, mas esteve muito, muito longe de chegar perto de fazer justiça ao arco fundamental de Claremont e Byrne. Com uma bela trilha sonora de Hans Zimmer e o elenco de peso se esforçando pra trabalhar com um script defeituoso que ainda passou por extensas alterações por conta de similaridades com Capitã Marvel, Fênix Negra foi um desafinado canto do cisne para uma série que teve momentos espetaculares ao longo de quase duas décadas, mas que, em seus momentos finais jamais encontrou o equilíbrio de seus dias mais brilhantes.

7 - Vidro


Fragmentado fez todo mundo imaginar que M. Night Shyamalan havia retornado à sua melhor forma. O longa sobre o homem com transtorno de personalidade dissociativa que se transformava em um monstro era um longa divertidíssimo em si próprio e, para surpresa da audiência, ainda era uma sequência secreta de Corpo Fechado, um dos melhores longas da carreira do diretor.
Quando Vidro foi anunciado com os retornos de Bruce Willis e Samuel L. Jackson juntando-se a James McAvoy e Annia Taylor-Joy, todos ficaram esperando pelo que deveria ser um tremendo filme.
Como estávamos errados.
Pretensioso e monótono, o longa mantém seus protagonistas trancados em um hospital psiquiátrico por uma insuportável terapeuta que fica os convencendo de que eles não têm super-poderes por cerca de dois terços do filme...
Quando alguma coisa finalmente acontece, é anti-climático e mal ajambrado, e deixa a audiência com um gosto ruim na boca se perguntando se a "melhor forma" de M. Night Shyamalan é que não foi o acidente de percurso...

6 - Dumbo


Ver um bebê elefante alçar voo por dentro de um circo através das lentes de Tim Burton só poderia ser uma coisa espetacular...
Em 1994.
Em 2019 versão live action de Dumbo é inflada com um sem-número de novos elementos, personagens e desdobramentos para aumentar os econômicos sessenta e quatro minutos de projeção da versão animada de 1941 com resultados desastrosos. Os novos elementos não funcionam e os antigos são diluídos tornando o filme absolutamente estéril.
Dumbo é mais uma demonstração do ocaso de um cineasta que, na maior parte das vezes, parece estar tentando fazer uma imitação de si próprio porque não encontra mais projetos que realmente o interessem. É de se pensar que os melhores trabalhos recentes de Burton sejam Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas e Grandes Olhos, dois filmes desprovidos das assinaturas mais marcantes e óbvias da filmografia do diretor.

5 - Esquadrão 6


Michael Bay é um diretor com a cara do cinema-pipoca da década de 90. Ele criou parte da identidade visual dessa vertente cinematográfica com cara de videoclipe onde a forma é mais importante do que o conteúdo e foi extremamente bem-sucedido em seu metiê durante um bom tempo. Eu mesmo sou um amante de trabalhos de Bay. O primeiro Transformers, Bad Boys, A Rocha... São todos filmes divertidos dentro de sua proposta.
O problema é que Bay não evoluiu, e seu estilo de fazer cinema se tornou datado.
Isso fica evidente em Esquadrão 6, comédia (?) de ação estrelada por Ryan Reynolds sobre um misterioso bilionário que financia um grupo de agentes secretos que fazem justiça com as próprias mãos onde governos têm medo de se meter.
Absolutamente histérico de maneira negativa, com um roteiro sem sentido e piadas sem graça Esquadrão 6 é a epítome do cinema de Michael Bay e uma demonstração cabal das razões pelas quais ele é um cineasta cada vez mais irrelevante.

4 - Brightburn


-E se o Superman fosse um psicopata?
-E se ele fosse o vilão de um filme de terror?
-Bó, vamos fazer um filme disso...
Brightburn é o resultado que se poderia esperar de uma conversa como essa dando origem a um longa metragem. O filme é menos a narrativa de uma história e mais a extrapolação de como seria se o Superman fosse um psicopata juvenil em um filme de horror. De que maneiras ele iria massacrar pessoas com requintes de crueldade usando seus poderes conforme se tornava mais e mais poderoso...
Não tinha nenhuma chance de ser bom, mas nas mãos de um cineasta muito competente e inventivo, poderia, ao menos, ser uma hora e meia de diversão escapista, David Yarovesky não é muito competente e nem inventivo, e filma o longa com a cartilha dos filmes de terror da década de 80 embaixo do braço.



3 - Star Wars: A Ascensão Skywalker


Há um ditado entre torcedores colorados que diz que, quando a gente menos espera que o Internacional possa fazer algo de bom, aí mesmo é que ele não faz.
Essa poderia ser a tagline dos Star Wars da Disney. A irregularidade dos longas que se dividem entre bom, OK, ruim e péssimo alcança o patamar inédito de "nhé" nesse último lançamento. Não chega a ser um feito para ser desprezado. O estado da franquia após o resultado pavoroso de Os últimos Jedi não deixava margem para nada que não fosse continuar rumo ao abismo ou tentar fazer controle de danos, e nenhuma das duas opções era boa.
A Ascensão Skywalker tenta desesperadamente fazer controle de danos, e se o longa tem alguma qualidade é o "vai se foder" monumental que ele grita ao longa anterior o tempo inteiro.
Infelizmente, isso está longe de ser o suficiente para salvar a trilogia. O longa é equivocado. Estéril. Vazio...
Não há nada para se odiar nesse último filme da trilogia sequência porque ninguém mais se importa, e quando o longa termina com a linhagem Skywalker destruída e um Palpatine como único usuário da Força da galáxia, a sensação de melancolia só não é maior do que o ódio de Kathleen Kennedy e Ryan Johnson.


2- MIB - Internacional


Um exemplo clássico do que é a atual política de criação de Hollywood é esse MIB - Internacional:
O longa pega uma franquia que já fez muito sucesso comercial e a recauchuta usando dois astros que já demonstraram talento e carisma para segurar um filme nas costas como pé de apoio na esperança de cativar audiências com uma marca conhecida e atores queridos pelo público, mas esquecem de um roteiro que justifique a produção do filme.
O resultado é o que se poderia esperar:
MIB - Internacional é um produto desprovido de alma ou cérebro que à certa altura desiste de fazer sentido e se concentra em lutar desesperadamente para parecer divertido mas jamais consegue sê-lo.
As coisas acontecem porque sim, e os personagens fazem as coisas porque sim. E a audiência tem que gostar porque, afinal de contas, a Sony investiu pesado no filme e colocou Tessa Thompson e Chris Hemsworth como protagonistas do negócio, ora bolas...

1 - Exterminador do Futuro: Destino Sombrio


A franquia Exterminador do Futuro deveria ter terminado em 1992.
Tudo o que veio depois é lixo puro, cada tentativa de enfiar outro apocalipse atômico goela abaixo da audiência e pior do que a anterior e Destino Sombrio mantém essa média: É pior do que Genesis.
Eu digo isso porque Genesis jamais mentiu que era uma volta às origens, jamais enganou a audiência fingindo que era uma história que merecia ser contada. O longa se assumia como um caça-niqueis meia-boca e paciência, e ainda tinha Emilia Clarke, uma gracinha, no elenco.
Gênesis, por sua vez, é carregado de arrogância e prepotência dignas de James Cameron sem o talento inegável do cineasta para lhe dar lastro.
O filme é tão ruim quanto Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas, mas tentando surfar na onda do politicamente correto ao colocar um monte de "personagens femininas fortes" para quebrar o pau achando que isso, por si só, torna um filme bom. Não torna. A prova é que esse grotesco fracasso de bilheterias foi o pior filme que eu vi nesse ano.

Resenha Série: The Witcher, Temporada 1, Episódio 8: Muito Mais


Por mais que o título da série seja The Witcher, a verdade é que o programa deixou bem claro desde seu segundo episódio que está interessada em muito mais do que Geralt de Rívia.
Com suas três linhas cronológicas paralelas sendo observadas do ponto de vista de três personagens principais mais uma dúzia de personagens secundários dando vislumbres de um intrincado cenário político em um mundo de fantasia assolado pela guerra, se havia uma certeza para essa primeira temporada é que a série não chegaria nem remotamente perto de amarrar todas as pontas que foram sendo deixadas ao longo dos sete episódios anteriores.
O mais inesperado, pra mim, foi ver Geralt tão apartado da ação ao longo do final da temporada.
Logo no começo do episódio, após ter deixado Cintra sob ataque rumo às florestas, Geralt é mordido por um Ghoul salvando um comerciante bem-intencionado.
A partir daí, a participação do Bruxeiro titular no episódio se resume a uma série de delírios febris conforme ele luta contra o envenenamento do ataque. Nesse ínterim temos uma série de flashbacks da infância de Geralt, incluindo como ele chegou a Kaer Morhen, a fortaleza onde os witchers são criados e treinados. E até quase o fim do capítulo, isso é essencialmente o que Geralt faz em Muito Mais.
Pois nesse capítulo, o grande arco pertence a Yennefer. Ao longo de toda a temporada a morena vem tentando arrancar sentido para sua vida após deixar Aretuza, e essa busca chega ao seu pináculo em Sodden Hill.
Lá, os rebeldes do conselho de magos realizam uma desesperada tentativa de frear o avanço das forças de Nilfgaard antes que eles cruzem uma ponte que lhes dará acesso irrestrito aos treinos do Norte.
Mesmo com uma grande quantidade de magos do lado dos rebeldes, ninguém parece ser páreo para os poderes de Fringilla, e aqui cabe dizer que The Witcher talvez tenha negligenciado um pouco a personagem.
Eu sei que Fringilla foi uma colega de Yennefer em Aretuza, que ela é sobrinha de um cabeça do conselho e que agora está super poderosa e do lado dos vilões, mas francamente, não faz diferença pra audiência.
Nós jamais conhecemos essa personagem o bastante pra que suas ações nos soem como uma grande traição... Sem conhecer um arco para a personagem, Fringilla ela é apenas mais uma oponente do lado dos nilfgaardianos.
Mas se Fringilla carece de um arco de personagem, Yen ganha um arco particularmente inspirado após conversar com Tissaia.
Veja, desde que conhecemos Yennefer, uma jovem que cresceu na pobreza, vítima de abusos e humilhações, ela parece querer usar seus poderes para se vingar do mundo, para conseguir tudo o que deseja custe o que custar.
Mas na batalha de Sodden Hill parece criar um marco para Yennefer. Uma mudança de paradigma em sua jornada. Ela vinha tentando (aparentemente há anos) recuperar a habilidade de gerar filhos pensando em seu legado. É possível que a batalha que irrompe da invasão nilfgaardiana tenha mostrado à feiticeira de Vengerberg que há outras formas de legado disponíveis no mundo, mas será que os poderes de Yen e dos outros vinte e um magos e magas dispostos para a defesa do Norte serão suficientes para impedir o avanço de Nilfgaard?
A batalha de Sodden Hill, porém, não é o desfecho de The Witcher.
A série pode ser só te mais do que apenas Geralt, mas o Bruxeiro é um dos personagens fundamentais do tripé de protagonistas da série, e seu encontro com Ciri, que vem sendo desde o começo a razão de ser de The Witcher, ainda precisa acontecer...
A primeira temporada de The Witcher deixou claro que os livros de Andrzej Sapkowski têm bala na agulha pra sustentar uma série respeitável.
O elenco e o valor de produção de The Witcher mostraram que a Netflix reconheceu esse potencial e está disposta a tornar o Bruxeiro a sua Game of Thrones (de preferência com um final decente...). A resposta morna da crítica não refletiu a empolgação do público, e uma segunda temporada já foi encomendada, e começa a ser gravada no início de 2020 para chegar à Netflix apenas em 2021.
Sim... Haverá um longo hiato pela frente antes de vermos como The Witcher irá se desdobrar, mas ao menos sabemos que a série irá continuar. Até lá, os livros estão enchendo as prateleiras das lojas especializadas e sempre teremos um milhão de horas de The Witcher III: Wild Hunt para Playstation 4...
Talvez dê pra amainar a espera.

"Libere seu caos."

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Resenha Série: The Witcher, Temporada 1, Episódio 7: Antes da Queda


O primeiro episódio de The Witcher alardeava já em seu título que estávamos vendo uma grande mudança no cenário político do Continente onde a história acontece.
O que parecia um respeitado e poderoso reino, no caso Cintra, caiu sem grandes chances de sucesso contra o exército invasor de Nilfgaard num evento que a audiência, então, não estava equipada para avaliar ou sequer contextualizar de maneira apropriada, quiçá usar para compreender de que maneira a tal invasão afetava nossos protagonistas. Em Antes da Queda, a natureza não linear da série nos dá a oportunidade de retornar à Cintra antes... bem, de sua queda... e nos oferecer toda a perspectiva que nos fora sonegada naqueles minutos iniciais, incluindo a de dois personagens que nós nem sequer sabíamos que estavam envolvidos na coisa toda, no caso Geralt e Yennefer.
Com isso, muito da fantasia e do tom mais leve dos últimos episódios é deixada de lado em favor de um clima de intriga palaciana e guerras iminentes entre exércitos de armaduras enquanto as três linhas narrativas paralelas da série finalmente se unem durante a tomada de Cintra um evento que ocorreu, nós descobrimos, com Geralt na cidade.
O bruxeiro, sabendo que o exército de Nilfgaard está prestes a varrer a cidade da rainha Calanthe, vai ao palácio oferecendo-se para cumprir sua obrigação na Lei da Surpresa, no caso, garantir a segurança de Ciri durante o ataque.
Mas após a morte de Pavetta, a rainha está relutante em permitir que sua neta saia debaixo de sua vista já que Cirilla é a únca família que lhe resta e, também, o futuro de Cintra já que ela não tem outros herdeiros.
Após tentar enrolar Geralt, Calanthe resolve simplesmente agir como uma monarca e simplesmente encerrar a discussão que não tem argumentos para vencer. Ela manda Geralt ser escoltado pra fora da cidade, mas resolve prendê-lo no último segundo.
Claro, à essa altura todos nós sabemos que Cintra não dura uma noite na batalha contra Nilfgaard, mas o episódio nos oferece um novo ângulo paara a coisa toda: Quando Calanthe se recusa a permitir que Geralt cumpra sua parte no acordo firmado sob a Lei da Surpresa, ela não está apenas mandando o bruxeiro se foder, mas também o universo e o pacto sagrado que Duny e Geralt firmaram ante o altar do destino, então, fica a questão:
Se Calanthe tivesse entregue a verdadeira Ciri a Geralt logo de cara, seria possível que Cintra repelisse o ataque de Nilfgaard? Ou conforme Geralt atestou no noivado de Pavetta, "destino" é apenas a palavra que as pessoas invocam para tentar acreditar que há alguma ordem em toda essa bosta?
Não sabemos.
Mas Antes da Queda nos oferece outra linha narrativa que aprofunda a questão de como e porque o outrora poderoso reino de Cintra está tão indefeso diante de Nilfgaard. Yennefer, após fazer o equivalente de espada e magia de ligar pro ex depois de uma decepção amorosa retorna a Aretuza e casualmente se vê em um Conselho de Magos que discute se eles devem, ou não, intervir na batalha e proteger o reino de Calanthe que já havia falado abertamente contra intervenções políticas dos magos.
Novamente as decisões de personagens centrais à trama tiveram a ver com o desenrolar dos eventos já que Nilfgaard se tornou um poderoso império de conquistadores sob o aconselhamento de Fringilla, que só foi enviada à Nilfgaard porque Yennefer resolveu desobedecer as ordens que lhe haviam sido dadas por Tissaia e escolher o próprio caminho à revelia das decisões do Conselho. Toda essa cadeia de eventos também culmina na queda de Cintra...
Que, por sinal, também tem consequências no presente conforme Ciri descobre...
As ações de Calanthe e de seu pai durante o massacre dos elfos a fez perder seu guia e aliado Dara, e quando ela encontra antigos amigos e conhecidos de seus dias de princesa, revelando-se a eles, ela descobre que o domínio nilfgaardiano mudou todas as relações... Seus súditos agora são seus algozes, ansiosos por entregá-la a Cahir e receber a recompensa que existe por sua captura...
Com um episódio sobrando para o fim da temporada vamos ver o quão poderosa Cirilla realmente é, e se os poderes da leoazinha de Cintra serão o suficiente para garantir que os três protagonistas se encontrem antes do encerramento da série.

"-Foda-se você e foda-se o destino."

Resenha Série: The Witcher, Temporada 1, Episódio 6: Espécies Raras


Após dar uma parada em sua escalada de excelência no quinto episódio, The Witcher abraçou novamente uma natureza algo episódica conforme havia feito em Lua Traidora e De Banquetes, Bastardos e Enterros para retomar o ritmo.
O episódio tem todos os elementos mais tradicionais das histórias de caça a monstros em fantasias medievais. Um rei qualquer lançou uma caçada a uma das mais perigosas criaturas que rondam os reinos: Um dragão verde.
O prêmio ao responsável pela morte da besta: Manter o tesouro do dragão, um título de nobreza sobre terras vassalas, duas coisas que não interessam a Geralt, que acaba de terminar um serviço e planeja seguir seu caminho rumo ao próximo, conforme ele tenta explicar a Borch (Ron Cook), um velho endinheirado que planeja fazer sua primeira e última aventura na vida caçando a fera.
Borch está acompanhado de duas guerreiras competentes, Téa e Véa (Adele Oni e Colette Tchantcho), mas ele sabe que um witcher experiente não é uma companhia desprezível em uma empreitada de tal natureza.
Se Geralt parece irredutível na peremptoriedade de sua negativa, ele não precisa de mais do que um vislumbre de uma das concorrentes pela cabeça do monstro para mudar de ideia.
Yennefer de Vengerberg também está envolvida na empreitada, acompanhada pelo cavaleiro Eyck de Denesle (Jordan Renzo), com quem, aparentemente, planeja dividir os espólios. Eyck ficaria com o título e a propriedade, e a feiticeira tem planos para o dragão em si. Isso basta para fazer o carniceiro de Blaviken se juntar ao grupo de Borch, um dos quatro na corrida pelo dragão. O outro é um grupo de anões chefiados por Yarpen Zigrin (Jeremy Crawford) e o quarto um bando de foras-da-lei com caras de poucos amigos.
Muito da diversão em Espécies Raras vem de observar a maneira como The Witcher desconstrói os estereótipos mais comuns dos contos de fadas. Há genuína graça na maneira como o nobre sir Eyck de Denesle é vazio em suas bravatas e atos de cavalaria, ou na nota repetida por The Witcher de que em muitas ocasiões, quiçá na maioria delas, os monstros piores não são as criaturas se esgueirando nas sombras, mas sim as pessoas que povoam o mundo à vista de todos.
É uma nota repetida em um episódio com mais cara de procedural, mas isso se justifica porque esse sexto capítulo da temporada está menos interessado na história que deseja narrar do que em explorar a ligação entre Geralt e Yennefer. O bruxeiro fica obviamente enciumado quando vê sua morena com outro espadachim a tiracolo e essa está longe de ser a maior demonstração de fragilidade do protagonista em Espécies Raras.
Quando os dois conversam na tenda da maga é provavelmente o momento mais íntimo e emocionalmente honesto que a audiência tem a chance de ver tanto de Geralt quanto Yennefer desde o início do programa.
Claro, há o fato de que após uma briga com um gênio e uma trepada, talvez a ligação dos dois personagens pareça forçada. Não há lastro para o casal como há para os personagens individualmente. Com a linha narrativa do seriado sendo tão propositalmente zoada, nós nem temos como saber se o encontro dos dois no capítulo passado foi o último ou se eles andaram se esbarrando outras vezes, seja como for, em Espécies Raras Yen acaba fazendo uma descoberta que joga um balde de água fria no romance incipiente dos dois.
Enquanto isso, em outro tempo e local, Ciri e Dara continuam sendo escoltados pelo doppler se passando por Mousesack. Dara, porém, parece saber que há algo de errado com o mago, e, eventualmente, os três acabam separados.
Novamente é importante dizer que Ciri oficialmente se transformou no Frodo/Daenerys de The Witcher. A sua linha narrativa é importante para a história, a personagem é central à trama, e, infelizmente, é tudo muito, muito chato. Nada do que acontece na ponta de Ciri na história nos importa além das eventuais ramificações que possam surgir para Yennefer ou Geralt, até mesmo o misterioso cavaleiro negro que, nesse episódio ganha um nome, Cahir, começa a se tornar mais interessante do que a leoazinha de Cintra, conforme nós descobrimos que, ao menos sob sua ótica, ele acredita ser o herói da história. E a despeito de ter dúvidas se será capaz de cumprir sua missão, parece ter seu ânimo renovado após, em uma conversa com a ex-colega de Yennefer, Fringilla (Mimi Ndweni), que lhe assegura que a Chama Branca ainda queima nele.
Espécies Raras parece ter começado a acelerar novamente após o breque de Apetites Engarrafados. Não é a série em seu melhor, mas o episódio, a despeito de sua insistência quase didática no tema da importância de gerar filhos e família funciona, talvez tivesse funcionado ainda melhor se as partes com Ciri tivessem sido limadas e o orçamento para animar os dragões tivesse sido sensivelmente inflado.

"-Lady Yennefer, posso escoltá-la até sua tenda?
-Você se juntará a mim?
-Minha dama, eu jamais degradaria sua honra de tal maneira.
-Eu odeio revelar isso pra você, mas esse navio já zarpou, naufragou e afundou ao leito do oceano."

Resenha Série: O Mandaloriano, Temporada 1, Episódio 8: Capítulo 8: Redenção


Foi bom enquanto durou.
Após dois meses a curta temporada de estréia de O Mandaloriano chegou ao fim com um finale de quarenta e oito minutos dirigido por Taika Waititi e, rapaz, o sétimo episódio de O Mandaloriano não havia terminado bem para Mando e o grupo improvisado de companheiros que viajaram com ele até Nevarro para acertar as contas com O Cliente.
Se Greef teve uma mudança de disposições de última hora após o bebê Yoda salvá-lo da morte, a chegada do Moff Gideon (Giancarlo Esposito) com um enorme grupamento de imperiais deixou Mando, Greef e Cara entre o martelo e a bigorna, enquanto Kuill e seu Bluurgh não foram páreo para as speeder bikes dos scout troopers em seu encalço.
O oitavo e último episódio da temporada de O Mandaloriano começou assim:
Nossos heróis estavam encurralados em um covil cercado por Gideon e seus homens em ridícula desvantagem numérica e de poder de fogo, enquanto o bebê Yoda havia sido capturado pelos troopers que, agora, apenas aguardavam pelo que deveria ser uma rápida resolução para o impasse na cidade e as ordens de seu oficial comandante para entregar seu precioso refém.
A única coisa com a qual Gideon e seus homens não contavam, era a presença de IG-11 na Razor Crest.
Mas será que o dróide caçador de recompensas foi alterado o suficiente por Kuill a ponto de intervir? E se o fizer, ele será páreo para o enorme esquadrão que Gideon trouxe a Nevarro?
O season finale de O Mandaloriano vem carregado de revelações, de coisas relativamente pequenas, como o planeta de origem de Cara (Carasinthia) Dune, nativa de Alderaan, o que certamente explica a vontade de matar imperiais da morena, até coisas grandes como o nome verdadeiro de Mando, ou a posse atual de uma poderosa relíquia de Mandalore, mas tudo começa bem simples. Na verdade, como era de se esperar em um capítulo dirigido por Taika Waititi, começa com comédia rasgada, quase meta, quando dois scout troopers conversam tranquilamente enquanto aguardam ordens de seus superiores, tratando com surpreendente casualidade o fato de que os oficiais imperiais têm tendência a matar seus subordinados e errando miseravelmente um alvo aleatório que não parece estar particularmente distante dos dois.
Seria uma decisão arriscada já que a sequência, genuinamente engraçada para qualquer fã de Star Wars habituado ao modo como as autoridades imperiais estabelecem dominância e ao termo "mira de Stormtrooper" resvala perigosamente na possibilidade de quebrar o tom do episódio, e da série até.
Mas Waititi é um diretor competente, e se ele simplesmente parece incapaz de evitar a comédia em seus projetos, não é menos verdade que o homem sabe dirigir ação e emoção, e Redenção está repleto de ambos.
Nós temos, por exemplo, o mais extenso flashback da origem de Mando até aqui. Vemos quando o menino está sob a mira de um droide de combate separatista durante o Expurgo, prestes a ser assassinado quando um mandaloriano chega para resgatá-lo. Não é exatamente uma história de origem das mais revolucionárias, mas oferece um lastro sólido para o comprometimento de nosso herói para com O Caminho de seus salvadores tanto quanto sua resistência em abandonar o bebê Yoda nas garras d'O Cliente no terceiro episódio da série. A Criança é um enjeitado encontrado por um mandaloriano como ele fora uma vez.
Essa história de origem também ajuda a justificar o ódio de Mando por dróides em geral, um ódio que é testado até as últimas consequências ao longo do episódio por causa de IG-11 que rouba a cena em cada oportunidade.
Entre as revelações do episódio, também temos, finalmente, um personagem que reconhece os poderes do bebê Yoda como habilidades de Jedi. É estranho que ninguém, nem mesmo Cara Dune, uma ex-soldado da República seja familiar com a Força (nos anos finais da Rebelião "que a Força esteja com você" era meio que a saudação oficial dos mocinhos e Luke Skywalker era meio que importante na época...), já era estranho pensar que, em vinte anos, os Jedi tinham ido de polícia da galáxia a lenda, mas em cinco? Com sorte descobriremos, no futuro, porque ninguém parece saber do papel desempenhado por Luke Skywalker que, à essa altura deveria estar com sua academia Jedi funcionando, na volta da democracia.
Enfim, a despeito de eventuais tropeços, O Mandaloriano termina sua primeira temporada na alta. A série não foi perfeita, e nem precisava ser, o mero fato de ser um projeto criado por pessoas que obviamente amam e entendem Star Wars e ter uma história para contar (Ao invés de ser, tu sabe, não ser apenas um veículo para espalhar as ideologias de Kathleen Kennedy e encher ainda mais os cofres da Disney) já tornam O Mandaloriano um projeto fácil de gostar.
A série mostrou que não existe "fadiga de Star Wars", e que a Fandom Menace não é tão ameaçadora se for tratada com um mínimo de respeito, além de deixar claro que a TV é, sim, um veículo viável para Star Wars em live action. O formato comporta tranquilamente a mitologia e o valor de produção da saga espacial mais querida do entretenimento para narrar histórias que filmes talvez não pudessem.
Com sorte Mando e o bebê Yoda encontrarão um final feliz para seu clã de dois. Mas que esse final custe a chegar.
Demora muito pro lançamento da segunda temporada?

"-Você ganhou seu sinete. Vocês são um clã de dois.
-Obrigado."

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Resenha Série: The Witcher, Temporada 1, Episódio 5: Apetites Engarrafados


Em seus primeiros quatro episódios The Witcher fez uma discreta construção de mundo enquanto nos tornava íntimos dos protagonistas (mais de uns do que de outros) que viviam suas próprias aventuras em três linhas narrativas distintas acontecendo em momentos cronológicos separados sem jamais cruzarem caminhos. Se é verdade que isso não chegou a ferir a diversão proporcionada pela série, não é menos verdade que a primeira temporada tem apenas oito capítulos e, eventualmente, seria interessante se os protagonistas se encontrassem e a narrativa fosse unida em uma única história.
Apetites Engarrafados aparentemente começa a fazer isso ao juntar dois de nossos protagonistas (até aqui os dois mais divertidos de acompanhar) pela primeira vez.
Quando o episódio começa, encontramos Geralt pescando em um lago quando Jaskier surge. Ao contrário do que o menestrel supunha, Geralt não está tentando capturar seu próximo jantar, mas sim um gênio engarrafado no fundo do corpo d'água. A criatura mística conhecida por garantir três desejos é o objetivo do witcher que deseja usar os préstimos mágicos do gênio para curar uma recém adquirida insônia.
Mais surpreendente do que a forma escolhida por Geralt para tratar sua moléstia é o fato de que ele realmente consegue tirar um gênio engarrafado do leito do lago usando uma rede, mas, como sempre, as coisas não transcorrem como deveriam.
Após Geralt ofender os dotes musicais de Jaskier, os dois acabam brigando pela garrafa que se quebra, libertando o gênio.
A criatura incorpórea, em sua fuga, ataca o bardo que acaba necessitando de atendimento mágico de urgência, forçando Geralt a carregar seu amigo em busca de ajuda. Primeiro eles tentam o elfo Chireadan (Lucas Englander), um curandeiro local, mas o ferimento de Jaskier, eles descobrem, demanda a intervenção de um conjurador mais poderoso, como a maga recentemente presa que aguarda julgamento na mansão do prefeito.
Quando Geralt chega à casa do administrador com o pobre Jaskier a tiracolo ele encontra o prefeito em pessoa, nu em pelo, resmungando a respeito de sua senhora necessitar de suco de maçã.
compreensivelmente confusos Geralt e Jaskier vagam pela mansão até alcançarem o salão principal onde se deparam com uma elaborada orgia ocorrendo. O libidinoso ato é fruto dos poderes da tal senhora, ninguém menos que Yennefer de Vengerberg, que é muito menos prisioneira do que Chireadan supunha, e está mantendo a burguesia local sob seu comando mental para o próprio divertimento.
Eventualmente Geralt, que é imune ao encantamento em ação, explica sua situação a Yennefer, que concorda em ajudar Jaskier. Tudo, claro, não passa de um joguete da maga que deseja usar Jaskier para obter os desejos aos quais o bardo teria direito.
As coisas, porém, não são exatamente como Yennefer imaginava, e sua tentativa de sequestrar os pedidos do bardo podem não terminar bem especialmente após ela dar um jeito de tirar Geralt de seu caminho...
Enquanto isso a linha narrativa de Ciri continua bastante aborrecida. Mas finalmente pode ganhar alguma tensão já que o cavaleiro negro (Eamon Ferren) contratou um doppler (um transmorfo maléfico capaz de assumir a aparência e as memórias das pessoas) para se passar por Mousesack e ir até Brokilon "resgatar" a leoazinha de Cintra. Vamos torcer para que esse desdobramento ofereça algum dinamismo ao segmento mais aborrecido da série até aqui.
Apetites Engarrafados dá um breque na sequência de episódios um melhor que o outro que The Witcher vinha tendo até o quarto capítulo. Não que o quinto episódio seja ruim, longe disso. Mas ele não é melhor que o anterior.
Ainda há muito para se gostar aqui, porém. Uma das melhores facetas do episódio está justamente no encontro entre Geralt e Yennefer. Nós já acompanhamos esses personagens por três ou quatro horas, de modo que os conhecemos o suficiente para que vê-los interagindo seja interessante, especialmente porque os dois personagens não carregam consigo o conhecimento que nós temos. Dessa forma, quando Geralt fica nervoso e intrigado na presença da maga que se diverte organizando orgias, e quando Yennefer fica perturbada e fascinada pelo taciturno caçador de monstros imune aos seus encantamentos, é particularmente mais divertido para nós que conhecemos suas jornadas.
O restante do episódio é relativamente raso em termos de trama, e, ás vezes, pesa em demasia a mão em sua tentativa de gerar tensão sexual. Há uma grande quantidade de tons se sobrepondo ao longo de Apetites Engarrafados e eles nem sempre conversam bem entre si. Há a óbvia vontade de garantir que a audiência perceba a atração entre Geralt e Yennefer, uma tentativa de dar uma pinta de horror a um segmento do terceiro ato que não necessariamente funciona, e até mesmo as tentativas de usar Jaskier como alívio cômico (que já haviam sido tão bem sucedidas em Quatro Marcos e De Banquetes, Bastardos e Enterros) ficam esquisitas, fazendo parecer que o texto dele foi retirado de uma sitcom meia-boca e não em uma fantasia capa e espada, ainda assim, eu gostei do episódio. Possivelmente teria gostado mesmo se ele fosse ruim apenas por ter ouvido, pela primeira vez, Geralt reconhecer o cheiro de lilás e groselha de Yennefer porque eu sei como é se apaixonar pelo cheiro de uma morena, mas vamos torcer para que o embalo que a série havia demonstrado do primeiro ao quarto episódios seja retomado a partir do próximo capítulo.

"-Eu ouvi contos a respeito de sua espécia, witcher. Você é um mutante. Criado por mágica. Perambulando pelo Continente. Caçando monstros... Por um preço. Eu esperava que você tivesse presas, ou chifres ou algo assim.
-Eu mandei lixá-los."

Resenha Série: The Witcher, Temporada 1, Episódio 4: De Banquetes, Bastardos e Enterros


É curioso notar como, por mais competente que tenha sido, o primeiro episódio de The Witcher foi, provavelmente, o mais fraco da série. Se isso não advoga em favor dos roteiros escritos por Lauren Schmidt e sua equipe, então eu não sei mais o que advoga. Seja como for, The Witcher alcança um novo píncaro nesse quarto episódio, De Banquetes, Bastardos e Enterros.
Se o episódio passado foi uma aventura de Geralt com tempero de filme de mistério conforme o Witcher investigava a verdade por trás da maldição sobre a filha do rei Faltest, nesse quarto capítulo o tempero é quase que o de uma comédia de estranhos no ninho.
Quando Jaskier é contratado para se apresentar na corte de Cintra durante a festa de noivado da princesa Pavetta (Gaia Mondadori), filha única da rainha Calanthe, o bardo está receoso em atender ao chamado.
Após anos frequentando os aposentos privados das senhoras da nobreza Cintrana, Jaskier teme que haja um considerável número de maridos chifrudos querendo sua cabeça, de modo que, idealmente, ele precisaria de proteção para trabalhar em paz. A muito custo o menestrel convence Geralt a comparecer à festa junto com ele, e presenciar o ocaso da pobre herdeira do trono de Cintra, que, a despeito de suas vontades e da encenação da apresentação de postulantes à sua mão, está prometida ao Crach An Craite, um homenzarrão bruto de Ard Skellige que garantirá prosperidade e segurança à Cintra através do matrimônio.
Durante as festividades, porém, um pretendente surpresa surge nos salões de Calanthe:
Duny (Barth Edwards), um cavaleiro errante sem sobrenome ou terras que demanda a mão de Pavetta por um expediente divertidíssimo chamado de A Lei de Surpresa.
A Lei da Surpresa é um contrato social com a maior cara de conto de fadas no qual uma pessoa que recebeu um grande serviço de outra concorda em premiá-la com algo. A pegadinha é que nenhum dos dois sabe o que é o prêmio já que a Lei da Surpresa está atrelada ao Destino, e menciona, especificamente, algo que a pessoa já tenha, mas ainda não sabe. No caso, Duny salvou a vida do pai de Pavetta no passado, eventualmente descobriu sobre a existência da princesa, apaixonou-se por ela, e veio tomar sua mão em matrimônio.
Não é necessário dizer que Calanthe não fica nem remotamente satisfeita com a coisa toda.
Ela já tinha todos os acordos políticos do mundo costurados no casamento de Pavetta com Crach, e não está disposta a abrir mão deles. Ela imediatamente manda seus soldados matarem Duny, que luta com bravura e habilidade até eventualmente ser sobrepujado pelo número de inimigos apenas para ser salvo por Geralt, o que transforma o noivado de Pavetta em um casamento dothraki com dúzias de guerreiros, nobres e até rainhas cruzando lâminas no salão.
Enquanto na linha narrativa principal nós vemos Geralt tomando uma atitude que pode mudar sua vida para sempre, do lado de Yennefer as coisas não estão exatamente tranquilas.
Passaram-se mais de trinta anos desde que a jovem de Vengerberg arriscou tudo para se tornar dona do próprio destino e fazer seu próprio caminho, mas a vida não é bem o que ela esperava. Pajeando uma rainha mimada que não para de ter filhas, Yennefer está longe de exercer a influência com a qual sonhava na juventude. A mesmice de seus dias aborrecidos se encerra quando um assassino ataca o séquito da monarca matando todos os seus soldados forçando a feiticeira a executar uma fuga desesperada através de portais mágicos com o matador e seu medonho inseto de estimação sempre no encalço das duas.
A perseguição tem um fim amargo, e aparentemente faz a bruxa questionar o tipo de vida que ela escolheu para si. Veja, Yennefer trocou a capacidade de gerar filhos por sua magia e os eventos de De Banquetes, Bastardos e Enterros parecem ter feito a feiticeira de Vengerberg se perguntar se o destino é de fato inevitável ou apenas a desculpa que as pessoas dão para ignorar o fato de que suas vidas são apenas acaso e as consequências de suas ações... Seja como for, quando nos despedimos de Yennefer, ela parece disposta a tentar descobrir.
Se movendo consideravelmente mais devagar do que as linhas narrativas de Geralt e Yennefer, Ciri está prestes a se tornar o Frodo de The Witcher.
Esse é outro episódio em que não vimos muito mesmo após o bom cliffhanger do capítulo passado.
Ciri foi atraída até a floresta de Brokilon e ela e Dara encontraram um grupo de dríades.
As habitantes da floresta ofereceram a ela água que a ajudaria a esquecer seus problemas e, quando isso falha, permitem que ela beba da seiva de uma árvore. Isso envia a jovem em uma viagem mental que parece saída de Wakanda ao mesmo tempo em que os nilfgaardianos usam sua própria magia para localizá-la.
The Witcher chega à metade mantendo um surpreendente crescendo de qualidade. Se as coisas continuarem nesse ritmo é justo imaginar que a Netflix não tenha apenas encontrado a sua Game of Thrones, mas possivelmente a melhor série de fantasia medieval da TV/serviços de streaming.

“Você nunca se envolve. Exceto que você se envolve. O tempo todo.”

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Resenha Série: The Witcher, Temporada 1, Episódio 3: Lua Traidora


Havia coisa de sobra para se gostar (e, vá lá, uma ou outra pra não se gostar tanto) nos dois primeiros episódios de The Witcher, é em seu terceiro episódio, porém, que a série chegou ao seu auge ao menos no quesito "exatamente o que eu esperava que ela fosse".
Em Lua Traidora nós vemos Geralt viajando até o reino de Temeria.
O povo da capital, Vizima tem sido vítima de uma fera que, muitos juram de pés juntos, é um lobisomem. Após a morte de um rapaz, mineiros locais contratam um witcher para caçar a criatura, mas ele desaparece levando consigo o dinheiro do contrato, o regente local, rei Foltest (Shaun Dooley) não tem sido exatamente um primor de apoio à plebe, e entre os mineiros, maiores prejudicados pelos ataques das criaturas, cresce uma revolta surda contra o monarca.
Quando Geralt surge oferecendo seus serviços pela metade do preço, recebendo apenas após entregar o monstro como forma de reparar os erros do outro membro de sua guilda, os mineiros estão perto de aceitar a oferta quando um nobre representante de Temeria surge dizendo que o witcher não é bem-vindo e deve partir.
Tudo, na verdade, não passa de mise en scéne, já que Triss Marigold (Anna Shaffer), feiticeira a serviço de Foltest quer, sim, ouvir a opinião profissional de Geralt a respeito da criatura, mas deseja fazê-lo às escondidas tanto dos mineiros revoltados quanto de seu soberano.
Ocorre que a criatura em questão não é um lobisomem (ou vukodlak), mas uma striga.
Strigas são mulheres condenadas por maldições a se tornarem criaturas medonhas e famintas nas noites de lua cheia. A natureza da criatura coloca Geralt em uma posição interessante já que, para descobrir como a striga surgiu, ele deve fazer uma investigação para descobrir quem foi o autor da maldição, e por que.
Isso dá um tempero particularmente maneiro a Lua Traidora. A história que Geralt descobre envolve escândalos sexuais na nobreza de Vizima e maldições vingativas que fazem com que querelas na corte se espalhem muito além dos palácios fazendo sofrer aos plebeus que nada têm a ver com a história. É bastante interessante ver como todos os cantos do Continente são povoados por personagens complexos e vivos com motivações medonhas que surgem para criar labirintos de inverdades pelos quais Geralt deve navegar.
Mais interessante ainda é ver Geralt usando todo o seu vasto arsenal de habilidades e armas para enfrentar a striga e devolver a paz ao povo de Temeria.
Toda a sequência da luta entre o protagonista e o monstro é brilhante, da coreografia de luta (brutal e crua) à ambientação da contenda na cripta de um castelo abandonado, passando pelos detalhes da maldição que forçam Geralt a enfrentar a striga durante a noite toda até o próprio visual da criatura, criada com próteses e efeitos práticos.
E por mais competente que esse segmento seja (e ele é), a linha narrativa de Geralt é apenas metade de Lua Traidora.
A outra metade nos leva de volta à Aretuza para acompanhar a formatura de Yennefer.
A jovem de olhos púrpura descobre que Istredd contou a Estregobor a respeito de sua herança élfica (o pai dela era um meio-elfo). Essa é exatamente a munição de que o mago precisava para impedir Yennefer de alcançar uma posição como conselheira mágica de um reino que não goste de elfos, no caso, Cintra (aliás, eis que as três linhas narrativas da série ocorrem em períodos distintos. Yennefer quer ser conselheira do pai de Calanthe, enquanto Geralt e Renfri falavam a respeito da primeira vitória da rainha que, nós vimos, já era uma monarca experimentada quando de sua morte em O Início do Fim).
Se a traição do aprendiz de feiticeiro é uma sentença de morte amarga para a relação dos dois, também pode significar o fim dos sonhos de ascensão de Yennefer, mas apenas se ela não estiver disposta a arriscar tudo em nome de seus objetivos, e usar todos os truques a seu dispor para forjar o futuro que almeja para si, custe o que custar.
Se o terceiro episódio de The Witcher tivesse uma única qualidade (não é o caso, são várias), seria provavelmente a de servir como fim do prólogo da série.
Aqui nós finalmente temos o Geralt e a Yennefer que, em princípio, devem ser os co-protagonistas da série junto com Ciri. Os dois personagens ficam no ponto para dar sequência à trama e o fazem em grande estilo no que é o melhor episódio da série até aqui.
Até mesmo Cirilla, que mal aparece até os minutos finais do episódio em sua fuga ao lado do jovem Dara (Wilson Radjou-Pujalte) quando misteriosos sussurros a atraem em uma espécie de transe até uma floresta próxima. É o tipo de cliffhanger que força a audiência (certamente me forçou) a se manter em uma febre maratonista e seguir assistindo ao menos mais um episódio.

"-É isso que a vida é para você? Monstros e dinheiro?
-É tudo o que ela precisa ser."

Resenha Série: The Witcher, Temporada 1, Episódio 2: Quatro Marcos


Após um começo sólido e a introdução de dois protagonistas da série em O Início do Fim, o segundo capítulo de The Witcher deu sequência aos eventos do episódio anterior, se aprofundou na mitologia da série e trouxe à baila a última peça do tripé de personagens centrais da trama.
Após seu último trabalho ter acabado mal, Geralt voltou à estrada em busca de serviço e acabou cruzando com um bardo (Joey Batey) sendo escorraçado em uma taverna. Quando o witcher é contratado para dar cabo de um demônio que tem roubado sementes dos fazendeiros locais, o bardo chamado Jaskier (nos jogos ele se chama Dandelion) resolve acompanhá-lo para obter inspiração para novas baladas.
Não tarda para que a dupla se encontre diante de um sílvano e de um grupo de elfos liderados pelo rei do belo povo em pessoa, Filavandrel (Tom Canton).
É basicamente uma pequena aventura fechada em si mesma e estrelada por Geralt e seu irritante novo amigo Jaskier, um personagem que realmente agrega cor e humor ao protagonista, excessivamente soturno e mal-humorado. Mais do que isso, essa história serve também para contextualizar um pouco da situação dos elfos no Continente, aumentando o escopo do universo da série e casando o protagonista com um completo oposto.
O negócio é que a linha narrativa de Geralt é a secundária em Quatro Marcos.
A história principal desse episódio pertence à Yennefer (Anya Chalotra), uma jovem corcunda que é humilhada e agredida por seu pai, um criador de porcos que a obriga a trabalhar no chiqueiro enquanto é alvo de chacota dos demais adolescentes até que, em um momento particularmente desesperador, algo desperta em Yennefer, e ela se teleporta até uma caverna onde conversa com um rapaz chamado Istredd (Royce Pierreson), que a ajuda a voltar para casa apenas para se tornar alvo da feiticeira chamada Tissaia de Vries (MyAnna Buring).
Após sentir o poder cru de Yennefer, Tissaia surge na porta da fazenda e compra a jovem de seu pai pelos quatro marcos do título.
Nós passamos, então, a acompanhar Yennefer conforme ela tenta se ajustar à vida na academia mágica de Aretuza, de sua tentativa de suicídio ao chegar, até a maneira como ela lentamente se torna mais curiosa a respeito dos limites de suas habilidades mágicas inatas ao lado de pessoas com quem, pela primeira vez, é capaz de se conectar.
À duras penas Yennefer tenta levitar pedras, ler mentes e apanhar relâmpagos em garrafas enquanto encontra no jovem Istredd uma companhia masculina com a qual sempre sonhou, ainda que, eventualmente, nós descubramos que a verdadeira natureza do relacionamento dos dois não é exatamente o que parecia...
Conforme tenta transformar o caos em mágica, Yennefer vai descobrindo mais a respeito de si própria, inclusive até onde está disposta a chegar para realizar seus sonhos.
Há, ainda, tempo para acompanharmos Ciri conforme ela segue fugindo de Cintra em busca de Geralt. Se essa linha narrativa é a que menos movimenta a história ou mesmo sua personagem, por outro lado ela também oferece à audiência um pouco mais de contexto para as complexidades do mundo de The Witcher e o sangue derramado para que ele chegasse onde está.
Aparentemente os súditos de Calanthe não eram lá muito afeitos à soberana, e não estão particularmente dispostos a lamentar sua morte. Pode parecer um detalhe sem importância, mas aos poucos vai dando estofo ao Continente e mostrando que o mundo da série é bastante cinzento no que tange a bem e mal.
Em um segundo episódio muito mais expositivo do que seu antecessor The Witcher experimentou uma grande variação de tom. As três linhas narrativas paralelas têm atmosferas totalmente distintas, enquanto Yennefer estava quase que vivendo uma história de origem de super-herói, Geralt estava em um buddy cop medieval com Jaskier e Ciri tentando ser um pouco mais do que o McGuffin da série. Se novamente Henry Cavill conseguiu transmitir a contento muito da personalidade do protagonista tanto na maneira como ele trata Jaskier quanto com seu conselho aos elfos para que fossem embora e recomeçassem em outro lugar (a mesma coisa que ele disse Renfri na premiére, deixando claro que Geralt é um nômade incapaz de entender o apego das pessoas aos seus lares), Quatro Marcos pertence a Annya Chalotra.
A atriz consegue manter sua atuação relevante mesmo sob toda a pesada maquiagem utilizada para criar o visual de sua Yennefer com seu rosto e corpo deformados, peruca e lentes de contato. Uma intérprete menor permitiria que a caracterização fizesse o trabalho, mas Chalotra está sempre atuando, e bem, em cada cena onde dá o ar da graça. O que faltou em termos de movimento de trama ao episódio, sobrou em desenvolvimento de personagens.

"Ás vezes a melhor coisa que uma flor pode fazer por nós é morrer."

Resenha Série: The Witcher, Temporada 1, Episódio 1: O Início do Fim


Não é difícil entender porque tantas redes de TV e serviços de streaming estão interessadíssimas em séries de fantasia.
Game of Thrones foi possivelmente o maior fenômeno televisivo dos últimos anos, e a despeito de seu final inexplicavelmente apressado e amplamente insatisfatório, gerou tanto dinheiro para a HBO que a empresa já havia encomendado quatro spin-offs antes mesmo da exibição da temporada final.
Esse sucesso todo não passou despercebido ao mundo do entretenimento. Um sem-número de obras de fantasia estão sendo disputadas a tapa por produtores, e a Amazon de Jeff Bezos pagou uma soma pornográfica de dinheiro pela possibilidade de levar o mundo d'O Senhor dos Anéis à telinha de seu Prime Video.
A Netflix não ficou de fora, mas foi atrás de uma outra fonte de monstros, magos e cavaleiros, a série de livros do escritor polonês Andrzej Sapkowski que rendera adaptações européias que quase ninguém assistiu e um dos melhores games da atual geração de consoles no mundo: The Witcher.
Na última sexta-feira, dia 20 de dezembro, a Netflix disponibilizou a primeira temporada da série em seu serviço de streaming e eu precisei de apenas dois dias para devorá-la.
O primeiro episódio, esse O Início do Fim, abre com Geralt de Rívia (Henry Cavill) em um pântano enfrentando um monstro chamado kikimora. Após uma feroz batalha contra a criatura, Geralt chega à cidade de Blaviken para pegar sua recompensa.
Geralt é um witcher (erroneamente traduzido como "bruxo"), membro de uma guilda de caçadores de monstros que são recolhidos ainda na infância e passam por um árduo treinamento e por um extenso rol de mutações alquímicas para se tornarem capazes de enfrentar as mais medonhas criaturas que assolam o Continente.
Os Witcher são mais fortes, rápidos, resistentes e longevos do que pessoas comuns, são capazes de usar elixires que lhes dão habilidades ampliadas por um curto espaço de tempo, e usar magias simples chamadas de Sinais. A despeito de propiciarem um serviço importante (o continente é assolado por monstros), os Witcher são mal vistos pela população em geral, e constantemente humilhados ou discriminados por sua natureza mutante.
Isso fica claro pela maneira como Geralt é tratado em Blaviken onde pouquíssimas pessoas sequer concordam em lhe dirigir a palavra.
Entre as poucas pessoas que o fazem está Estregobor (Lars Mikkelsen), um mago que deseja contratar Geralt para matar uma mulher que, segundo ele, foi acometida por uma maldição e está fadada a destruir o mundo.
A despeito da insistência de Estregobor, porém, Geral recusa o serviço e resolve seguir seu caminho que, eventualmente, se cruza com o de Renfri (Emma Appleton), uma jovem fugitiva que, casualmente, é a mulher que o mago queria morta. A vida de Renfri na mira de Estregobor não foi fácil. Outrora uma princesa ela foi roubada e violentada por homens a mando do mago, e hoje, deseja se vingar dele e, para isso, ela pede a ajuda de Geralt, que se vê em uma encruzilhada moral na qual não há bom caminho.
Na outra linha narrativa da série, conhecemos o reino de Cintra e sua comandante, a rainha Calanthe (Jodhi May), seu marido Eist (Björn Hlynur Haraldsson) e sua neta Cirilla (Freya Allan).
Cirilla está sendo preparada por sua avó para, um dia, assumir o trono de Cintra, e para isso ela é confrontada com todos os pormenores mais modorrentos da vida na corte, como dançar com jovens nobres empolados. O aborrecimento de Ciri termina de maneira abrupta quando notícias da invasão de um reino inimigo chamado Nilfgaard chegam ao palácio e Calanthe e Eist saem para confrontar os inimigos, mas as coisas não saem como planejado. Eventualmente Calanthe retorna ao palácio e ordena a seu mago Mousesasck (Adam Levy) que prepare Ciri para partir, e que a jovem encontre Geralt de Rívia...
O começo de The Witcher é sólido.
O episódio inicial escapa de ser excessivamente expositivo confiando em seus personagens e na atmosfera para prender a audiência. Não há sessões excessivas de explicações, não há cartões mostrando em que ano estamos ou que lugar é esse que estamos vendo. O roteiro de Lauren Schmidt Hissrich foca em Geralt na esperança de que isso seja o suficiente para manter a audiência com a série, e ainda que haja um ou outro momento para nos deixar algo perdidos, a verdade é que a decisão de centrar fogo no herói-título sem tirar o olho do espectro mais amplo, funciona muito bem.
Reduzir o primeiro episódio ao essencial é muito esperto porque nos dá um aperitivo. Nós vemos monstros, rainhas, cavaleiros, magos e (espetaculares) lutas de espada, e ao final do capítulo todos têm um entendimento sólido sobre quem é Geralt, quais suas motivações e qual deve ser sua jornada ao longo da temporada (quiçá da série...). Ele está destinado a encontrar Cirilla o ancora à linha narrativa secundária e mostra qual será sua jornada em termos de narrativa e desenvolvimento pessoal.
Sem ser necessariamente um arrasa-quarteirão, O Início do Fim é extremamente competente em sua proposta, e um ótimo primeiro passo rumo ao mundo de Geralt de Rívia.

"-Se eu devo escolher entre um mal ou outro, então eu prefiro não escolher..."

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Resenha Cinema: Star Wars: A Ascensão Skywalker


Desde o início há algo de intrinsecamente errado com o Star Wars da Disney. Algo tão errado que suplanta as mais estúpidas decisões de George Lucas (o homem que certa feita teve uma ideia brilhante e então dedicou sua vida a destruí-la). Talvez a mais imbecil de todas as decisões que a Disney tomou com relação a Star Wars (depois de colocar Kathleen Kennedy no comando da Lucasfilm) tenha sido a de criar uma nova trilogia para a saga sem que houvessem diretrizes para os filmes. A ideia de que cada diretor que chegasse simplesmente contasse a história que quisesse.
Isso transformou a trilogia da Disney em um grotesco Frankenstein composto por um filme que era basicamente igual a Uma Nova Esperança, mas com uma heroína infalível, o absolutamente seguro O Despertar da Força, e outro que era um longa de Star Wars para pessoas que odeiam Star Wars, a abominação conjurada por Rian Johnson para explicar aos fãs da saga que tudo o que eles amavam não importava pra ele em uma história mal ajambrada.
Se uma coisa ficou clara após Os Últimos Jedi, era que essa trilogia estava quebrada, e arrancar um final que fizesse o mínimo de sentido seria uma tarefa hercúlea.
O diretor originalmente contratado para comandar o terceiro filme, Colin Trevorrow, acabou saindo do projeto por "diferenças criativas" (ele teria pedido que Luke não morresse no episódio VIII, e não foi atendido, o que o teria deixado em um beco sem saída com a história que queria contar), e a solução da Lucasfilm de Kennedy, acostumada a demitir diretores e remendar projetos aos 45 do segundo tempo, foi chamar de volta Jar-Jar Abrams, comandante do Episódio VII para encerrar a história que ele meio que havia começado.
Sim. Abrams, notório por não ser particularmente inspirado com finais, estaria encarregado de concluir a trilogia da Disney e, ainda mais grave, concluir a saga Skywalker sob o escrutínio de uma base de fãs que obviamente não estava satisfeita e que foi abertamente hostilizada pela companhia que ajudou a transformar em uma potência do mundo do entretenimento após se queixar abertamente dos rumos que Star Wars estava tomando.
Fãs foram chamados de "minorias vocais", "homens bebês-chorões", "inseguros", "misóginos" e "racistas".
O resultado foi o surgimento da Fandom Menace, e a mais brutal represália que a Disney poderia imaginar: O inapelável fracasso de Solo: Uma História Star Wars nas bilheterias.
Sim. A companhia do Mickey podia ser a dona de fato de Star Wars, mas para ver a propriedade prosperar, precisava de seus donos de direito:
Os fãs.
Mesmo negando veementemente que qualquer mudança de curso fosse necessária, ficou óbvio que a Disny entendeu o recado quando o primeiro trailer do Episódio IX e seu título surgiram. A empresa ia tentar fazer as pazes com a base de fãs. O retorno de Palpatine foi revelado em um vídeo na D-23, e Abrams, um reconhecido mentiroso, disse que era parte do plano trazer o imperador de volta desde o início, convencendo exatamente o mesmo número de pessoas que acreditou que Benedict Cumberbatch não interpretaria Khan em Star Trek: Além da Escuridão.
Nos bastidores havia relatos de pessoas saindo no meio de sessões-teste do filme, regravações extensivas do terceiro ato, seis finais filmados. Um roteiro vazou, roubado pela faxineira de John Boyega, mas foi recuperado. Toda a trama do filme estava na internet dois meses antes do lançamento (sério. eu sabia tudo o que ia acontecer no filme antes que assistir) e o que todo mundo disse foi "nhé".
Ontem eu finalmente embarquei no meu galeão, hasteei minha bandeira negra e assisti ao filme.
O longa abre com o tradicional tapete de texto informando que Palpatine voltou dos mortos.
O imperador lançou uma mensagem informando que é o fundador da odiosa Primeira Ordem e que está de volta à galáxia para recuperar seu trono.
Se isso deixa a Resistência sob tensão, deixa Kylo Ren (Adam Driver) puto da vida.
Ele não assassinara Snoke, o ditador espacial com nome de cachorro, e se tornara o supremo líder da Primeira Ordem para ter que responder a um novo mestre.
Muito brabo, Kylo Ren mata um monte de gente e encontra um localizador capaz de levá-lo até Exegol, o planeta Sith nas regiões desconhecidas da galáxia (uma desculpa quando o pessoal quer justificar a existência de um planeta oculto...) que vem sendo a morada de Palpatine (Ian McDiarmid).
Lá, Kylo Ren encontra o imperador, que revela que criou Snoke, a Primeira Ordem, e que vem sendo cada voz na cabeça de Ben Solo desde o começo de sua jornada ao lado sombrio. Palpatine está disposto a entregar a seu discípulo uma monstruosa frota de destróieres estelares imperiais, cada um deles capaz de destruir um planeta, em troca, ele pede que Kylo lhe traga Rey (Daisy Ridley).
Enquanto isso, Finn (John Boyega), Chewbacca (Joonas Suotamo) e Poe Dameron (Oscar Isaac) descobrem que Palpatine está prestes a executar algo chamado de Última Ordem (sério), um ataque de proporções cataclísmicas que irá trazer o Império e os Sith de volta. A única chance que eles têm de impedir a execução da Ultima Ordem é chegar a Exegol em 14 horas, mas para isso, eles precisam encontrar o Localizador Sith pois, por sorte, há dois deles na galáxia.
Rey, por sua vez, está sendo treinada por Leia (Carrie Fisher, presente através de imagens de arquivo e CGI) para se tornar uma Jedi mas está frustrada porque os Jedi do passado não falam com ela (sim... Quando se é automaticamente capaz de fazer qualquer coisa, esbarrar em um obstáculo deve ser terrivelmente frustrante...), e resolve interromper seu treinamento para se juntar a Poe, Finn e Chewie na busca pelo localizador porque teve uma visão.
Começa então uma corrida dos heróis contra o tempo para chegar a Exegol fugindo de Kylo Ren e da Primeira Ordem para tentar impedir que a galáxia mergulhe novamente na escuridão, numa jornada que levará Rey à uma dolorosa viagem por suas origens.
A Ascensão Skywalker é, acima de qualquer coisa, uma tentativa da Disney de pedir desculpas por Os Últimos Jedi.
O filme pega a fórmula de nostalgia e fan service de O Despertar da Força e a eleva à enésima potência na tentativa de sustentar uma história que, não importa o quanto Jar Jar Abrams jure de pés juntos, nós sabemos que é uma contingência a todas as cagadas de Rian Johnson no episódio anterior.
Prova disso é que A Ascensão Skywalker parece muito mais uma sequência de O Despertar da Força do que de Os últimos Jedi, exceto pelas coisas que não podiam ser desfeitas, como a morte de Luke e de Snoke.
Essa decisão torna o filme terrivelmente corrido. Há trama demais. Coisas demais pra localizar. Personagens demais para apresentar e revisitar, linhas narrativas demais para atar e finalizar, de modo que mesmo que houvesse um diretor brilhante comandando o filme, seria um coelho difícil de tirar da cartola, e Jar Jar Abrams não é brilhante nem em seus melhores momentos.
A história do longa é toda remendada, e transcorre como ir de A a B para encontrar o item n°1 que mostrara como chegar até C e obter o item n° 2 dando a impressão de que estamos vendo alguém jogar videogame, e não um filme.
Em termos de produção e atuações, A Ascensão Skywalker é competente. A trilha está longe de ser a melhor da carreira de John Williams (que até faz uma ponta no filme), mas mantém a média alta, os efeitos visuais são ótimos, e o elenco principal trabalha da melhor maneira que pode com o que lhes é dado.
A melhor coisa do filme é provavelmente a dinâmica da amizade do trio protagonista.
Finn, Poe e Chewie me ganharam imediatamente, eu poderia ver uma trilogia inteira sobre as aventuras dos três na Millenium Falcon. Quando Rey se junta a eles, eu francamente estava preocupado. A minha antipatia pela personagem, a maior Mary Sue da história do cinema, é flagrante, e eu temia que ela estragasse o que era a única coisa funcionando pra mim no filme, mas a verdade é que, apesar de seguir resolvendo qualquer problema que aconteça porque simplesmente é toda-poderosa, Rey se insere bem no grupo.
Isso acaba depondo ainda mais contra a trilogia da Disney do que a favor. Porque esse breve período em que os três protagonistas estiveram juntos mostrou o tamanho da chance desperdiçada ao não usá-los em favor dos longas.
Kylo Ren, por sua vez, segue sendo o pior vilão de Star Wars em todos os tempos. Uma lástima, pois Driver é um ótimo ator, a origem do personagem era promissora e seu visual espetacular, mas quando ele aparece pra enfrentar Rey, a única coisa da qual a audiência tem certeza, é que ele não pode derrotar a heroína que já o venceu duas vezes.
O fato de a Lucasfilm de Kathleen Kennedy confundir força com infalibilidade pesa sobre Rey e, por consequência, sobre Kylo. Ao surgir, Rey parecia uma ótima personagem. Se ela tivesse algum tipo de jornada como a de Luke, falhado, treinado, e se reerguido, ela poderia ter sido a heroína que a Lucasfilm desesperadamente queria que ela fosse, e se em algum momento Kylo Ren tivesse tido alguma chance de sucesso sobre ela, talvez houvesse algum suspense sobre o desfecho da trama, mas não é o caso.
Especialmente porque, a exemplo de grande parte da imprensa especializada, Jar Jar Abrams, Chris Terrio e os demais roteiristas de A Ascensão Skywalker continuam achando que o que não funcionou em Os Últimos Jedi foi o filme subverter a expectativa da audiência, E NÃO FOI!
Nenhuma expectativa minha com relação àquele filme foi subvertida exceto minha esperança de ver um bom filme.
E com medo da reação da base de fãs, A Ascensão Skywalker parece ter medo de correr riscos, então acena com eventos capitais que são imediatamente desmentidos na próxima cena e isso torna todas as apostas do longa inócuas.
O longa ser terrivelmente covarde já seria motivo de sobra pra não gostar dele, mas pra piorar, ele ainda anula todos os eventos da Trilogia Original.
As mortes de todos os pilotos da Rebelião que deram suas vidas na Estrela da Morte II, o último ato de desafio de Luke frente a Palpatine, o sacrifício de Anakin Skywalker, de nada valeram.
Eram eventos importantes que já haviam sido enfraquecidos por terem dado origem a uma Nova República incompetente o bastante para permitir que a Primeira Ordem surgisse, e que foram totalmente anulados porque Palpatine não morreu.
Todos os sacrifícios feitos para derrotar o vilão foram em vão. Ele continuava vivo, e o final do filme ainda apresenta uma perspectiva ainda pior para o desfecho da Saga Skywalker.
Analisado isoladamente, A Ascensão Skywalker seria um filme nota cinco.
Como desfecho da trilogia da Disney, nota quatro.
Mas como desfecho da Saga Skywalker, é nota zero.

"Confrontar o medo é o destino de um Jedi."