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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Resenha Série: Watchmen, Temporada 1, episódio 9: See How They Fly


Watchmen tem sido, desde seu início, uma série que se equilibrava sobre o fio de uma navalha.
A graphic novel à qual o programa serviu de sequência precisava de uma sequência tanto quanto eu preciso de outra perna. Sua absolutamente brilhante história estava perfeitamente encapsulada em si própria e podia, até mesmo, ser lida sem a necessidade de se acompanhar todos os apêndices que Alan Moore criou para se perfilar e engordar a narrativa principal, e ainda ser uma obra de arte.
Por isso após descobrir que a série não seria uma adaptação do gibi, mas uma nova história, eu estava mais inclinado a ver e aproveitar o programa, como uma história separada da narrativa do quadrinho, apenas acontecendo no mesmo universo, e não uma sequência direta. E isso pode soar estranho vindo de alguém que, de modo geral, gostou mais dos episódios da série que eram mais focados nos personagens do quadrinho, em especial aqueles que tinham vários personagens do quadrinho interagindo.
Mas é o que eu disse ali em cima:
Watchmen, a série da HBO, se equilibrava sobre o fio de uma navalha.
E um passo em falso poderia ser a diferença entre esse programa ser muito bom ou absolutamente descartável, e após oito episódios de mistérios, sugestões e possibilidades, o nono e último capítulo da série, precisou de uma hora e sete minutos para ganhar um veredicto.
O episódio abre em 1985, com uma revelação a respeito da origem de Lady Trieu que ocorre nos bastidores da gravação do vídeo em que Adrian Veidt explica a Robert Redford como salvou o mundo da Guerra Fria à custa de três milhões de vidas.
Em seguida um novo flashback, dessa vez em 2008, mostra Lady Trieu, já adulta, visitando Karnak para falar com Ozymandias. Ela explica a ele quem é, e o plano que elaborou para tornar o mundo um lugar melhor, mas a conversa não transcorre como ela esperava, ainda assim, após os eventos ocorridos em Europa na semana passada, é Trieu quem envia um transporte para Adrian finalmente escapar de seu exílio, apenas para ver-se aprisionado de uma maneira consideravelmente mais restrita.
No presente, em Tulsa, nós encontramos o senador Joe Keene fazendo um tradicional discurso de vilão diante dos membros da Ciclope após a captura do Doutor Manhattan ter sido bem-sucedida e ele estar se preparando para tomar os poderes divinos do herói atômico, alheio aos fatos de que: Looking Glass está infiltrado entre os membros da Sétima Kavalaria; Angela já descobriu a localização de seu amado; e, pior de tudo, que todo o seu plano já foi sabotado e sequestrado por ninguém mais ninguém menos que Lady Trieu em pessoa.
Com o tabuleiro armado, um desfecho de proporções apocalípticas está prestes a ocorrer, e as consequências podem ser desastrosas a menos que novos e velhos heróis sejam capazes de unir forças para impedir que os poderes de Jon Osterman caiam em mãos erradas.
Bem...
Não é como se See How They Fly seja um desastre completo. O episódio tem lá sua cota de acertos, entretanto há um elemento tremendamente inquietante em ver uma obra-prima ser vilipendiada em nome de algo menor, e por mais interessante que Angela Abar seja enquanto personagem (e ela é), é incômodo e anti-climático ver Watchmen, o quadrinho, ser reescrito para servir à seu arco de personagem, que é uma história infinitamente menor.
E não me entenda errado. Eu sei da importância da questão racial no mundo inteiro, nos EUA em particular, e sei que é infinitamente mais importante do que um gibi a respeito de super heróis em uma distopia oitentista, mas a verdade é que a série de TV está pra questão racial como o quadrinho esteve para a Guerra Fria. Não é uma resolução para o problema, mas apenas a visão de alguém a respeito do tema.
Watchmen, a série de TV, é uma história com uma mensagem relevante para o mundo atual?
Claro. Por vezes chega a colocar a sua mensagem acima da narrativa (algo que ocorre tanto hoje em dia que eu já nem sequer me sinto no direito de detratar o programa por causa disso.), mas ter uma mensagem válida não outorga liberdade para pintar um bigodinho na Mona Lisa.
O programa narra uma boa história. Algo irregular, mas com alguns momentos particularmente inspirados, mas Watchmen, o quadrinho, é uma obra de arte, uma obra de arte que tem muito de sua relevância descartada para aumentar o valor das apostas da série e francamente, isso é parte do que matou Star Wars da Disney pra mim.
Pessoalmente eu não tenho nenhum problema com diversidade, com passagem de bastão, com novas histórias e novos heróis, mas qual é a necessidade de tornar tudo o que veio antes irrelevante? Por que os feitos dos heróis de outrora têm que ser tornados inócuos e suas vidas após suas aventuras têm que ter sido miseráveis para que os feitos de novos heróis tenham destaque?
É tão impossível escrever histórias que não precisem se alicerçar sobre as ruínas do que veio antes que os novos criadores simplesmente são incapazes de fazê-lo?
Seria tão difícil narrar a bela história de Angela Abar conhecendo suas origens, vendo o mundo pelos olhos de seu avô e fazendo as pazes com seu passado sem despir o final de Watchmen de sua relevância? Sem matar, prender e virar a casaca dos personagens de outrora?
Em uma entrevista recente, Damon Lindelof, o criador da série, disse que precisa "contrabandear os legumes em meio à coisas de que a audiência gosta, senão a audiência deixará os legumes de lado", como se as linhas narrativas de Angela, Wade e mesmo de Will Reeves/Justiça Encapuzada fossem como jiló, que precisasse ser mascarado pra ser engolido. A analogia do sujeito não é um absurdo, alegorias são comuns em praticamente qualquer trabalho de ficção com algum grau de ambição, entretanto não parece ser o que Lindelof fez em Watchmen.
Desde criança eu sofro de enxaquecas. Na infância, a única coisa que tornava a nevralgia mais suportável, era Novalgina, na época disponível apenas em gotas. O gosto era horrível, e eu me lembro de uma vez ter pensado que, se pingasse as gotas do remédio em um copo de suco, ele se tornaria mais palatável. Ledo engano.
Acabei tendo que sorver um copo de suco intragável sob o olhar reprovador de minha mãe.
Sob certo ponto de vista, o que Damon Lindelof fez em Watchmen foi muito mais parecido com a minha desventura envolvendo Novalgina em gotas e Tang de laranja do que brócolis no mesmo prato que filé com fritas, ainda assim, sem as presenças de (ou as mudanças em) Laurie, Adrian e Jon, é bem possível que eu tivesse gostado do seriado como um todo, e ele tivesse terminado sem deixar um gosto amargo na minha boca.

"-Qualquer um que almeje obter o poder de um deus deve ser impedido de obtê-lo a qualquer custo."

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