Pesquisar este blog

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Resenha Série: Game of Thrones, Temporada 8, Episódio 3: The Long Night


Atenção! Há spoilers abaixo!
E finalmente a batalha derradeira pela alma de Westeros recaiu sobre nós todos, espectadores de Game of Thrones há quase uma década com a fúria do Rei da Noite no que vinha nos sendo prometido como um evento sem precedentes na História da televisão e foi entregue, eu tenho certeza, da melhor maneira que foi possível para os produtores.
Sim, eu sei, o final desse primeiro parágrafo dá uma brochada na coisa toda, não é? Eu lamento, mas sob diversos aspectos The Long Night, terceiro episódio da derradeira temporada da série que se tornou um marco no que tange a cultura pop foi um tanto desapontador.
Considerando todo o hype que se criou ao redor do que deveria ser a única guerra que importa, não deixa de ser estranho que tenhamos visto os heróis pagarem um preço tão baixo por sua vitória.
Não me entenda errado, eu gosto muito de todos os personagens que tombaram em batalha, realmente gosto, mas em suas primeiras temporadas Game of Thrones havia criado a expectativa de que não havia personagem que estivesse a salvo, e se The Long Night nos provou alguma coisa, foi que há personagens que estão protegidos pela mais poderosa armadura da ficção:
A Plot Armor.
O fenômeno que garante a sobrevivência de qualquer um na trama não importa quão equivocadas sejam suas decisões ou quão inaptos eles sejam em seu ofício. Não que eu quisesse que mais dos meus personagens preferidos tivessem morrido, mas o fato de toda a contenda ter poupado a vida de todo o elenco principal reduz drasticamente a escala de risco do que deveria ter sido uma batalha de proporções monumentais.
Com isso eu não quero dizer que The Long Night tenha sido ruim, longe disso, em termos de escala o capítulo supera com folgas The Battle of the Bastards e Hardhome, dois dos melhores episódios da série, ambos dirigidos por Miguel Sapochnik que repete o trabalho aqui.
O capítulo se inicia basicamente de onde A Knight of the Seven Kingdoms terminara. Os heróis que juraram defender o lado dos vivos na guerra se entrincheiraram junto às muralhas de Winterfell e viram os exércitos dos mortos se perfilarem do outro lado do campo.
Enquanto dothraki e imaculados se preparam para a carga alguém cruza a neve parando junto a ser Jorah Mormont, é Melisandre de Ashai (a linda Carice van Houten, retornando após longa ausência), que faz uma das suas orações ao Senhor da Luz e, em um dos mais belos momentos do episódio, inflama os arakhs de toda a cavalaria dothraki, apenas para que, minutos depois, nós vejamos todas aquelas espadas flamejantes sumirem na escuridão absoluta ao final de sua carga.
Escuridão absoluta, por sinal, é uma constante ao longo dos oitenta e dois minutos deste que é o mais longo episódio da série em todos os tempos. Um recurso que já vimos antes para enxugar o orçamento de episódios da série e poupar no CGI, a escuridão em The Long Night é, por vezes, incômoda, fazendo vários momentos da batalha parecer uma briga entre dezenas de ratos dentro de uma caixa.
Seja como for, o fracasso instantâneo da cavalgada dos dothraki liderados por Jorah é o suficiente para Daenerys jogar o plano de batalha pela janela, montar em Drogon e fazer chover fogo nas hordas de mortos vivos que se chocam com as fileiras dos vivos, e daí por diante é uma sucessão de recuos estratégicos dos heróis, um passo de cada vez, sempre sendo superados em números pelo exército dos mortos que parece não ter fim e supera todos os obstáculos, seja aço valyriano, obsidiana, poços de chamas ou as muralhas da fortaleza ancestral da casa Stark.
Depois de algum tempo, o episódio ganha ares de Guerra Mundial Z, com os mortos vencendo a contenda, não por possuírem qualquer tipo de tática superior, mas apenas pela sua quantidade que é quase um enxame.
Não há espadachim habilidoso que seja capaz de suportar o ataque simultâneo de dezenas de inimigos, ou ao menos é disso que a primeira meia hora de batalha tenta nos convencer, apenas para, no decorrer da luta desmentir isso, conforme Jaime, Brienne e Arya se saem muito bem de qualquer forma.
E após os soldados do Rei da Noite adentrarem as muralhas de Winterfell, a abordagem muda, ganhando ares de filme de horror, como na sequência em que Arya faz um tenso jogo de esconde-esconde com um bando de zumbis na biblioteca, ou quando os não-lutadores nas criptas começam a ouvir o combate azedar para o lado dos vivos, e depois precisam enfrentar a própria batalha confinados embaixo da terra enquanto o destino do mundo é decidido no Bosque Sagrado.
Novamente, em termos técnicos, as falhas de The Long Night são compreensíveis quando analisamos as restrições orçamentárias de um programa de TV frente aos números de grandes produções cinematográficas. Eu estaria mais do que disposto a aliviar o breu quase total de The Long Night se esse fosse o único problema do episódio (ainda que The Battle of the Bastards tenha sido capaz de emular a desorientação de uma zona de guerra em plena luz do dia e com a audiência sendo capaz de enxergar tudo o que estava acontecendo), entretanto há mais questões a serem observadas no capítulo. As pequenas conveniências do roteiro, como por exemplo as longas ausências de Jon e Daenerys voando em círculos dentro das grossas nuvens invocadas pelo Rei da Noite em momentos-chave da batalha onde um dragão nas muralhas teria sido particularmente valioso para resistir ao cerco dos zumbis, ou como Tyrion e Sansa sobreviveram ao ataque às criptas, ou como Sam conseguiu sobreviver à luta deitado no chão tendo um chilique são momentos para apontar para os roteiristas e dizer "eu sei o que vocês fizeram ali".
Por mais que essas não sejam questões-chave que derrubem as estruturas lógicas da série (como a estranha passagem do tempo em Beyond the Wall), em um capítulo que era tão decisivo para o programa elas se tornam mais frustrantes conforme se combinam com outros pequenos elementos manipulados, seja para gerar tensão, seja para economizar em efeitos visuais sem fazer o sentido devido no contexto da porradaria, especialmente quando levamos em conta a baixa contagem de corpos entre os personagens centrais e a relativamente fácil resolução de toda a celeuma.
The Long Night flertou o tempo todo com o senso de perigo das primeiras temporadas de Game of Thrones, mas jamais deu a proverbial facada no coração da audiência que as mortes de Ned e Robb Stark deram anos atrás, e o fim do Rei da Noite (eu disse lá em cima que essa era uma zona de spoilers) não chega sequer perto de gerar a satisfação das mortes de Joffrey ou de Ramsey Bolton, de modo que, pra mim, é difícil não sentir uma ponta de desapontamento.
Mesmo o desenvolvimento dos personagens, um elemento que sempre colocou Game of Thrones acima de outras fantasias televisivas ficou escanteado ao longo do episódio, exceto por poucas boas cenas como o ataque de pânico do Cão de Caça em meio ao combate, a conversa entre Tyrion e Sansa nas criptas relembrando seu casamento, ou as palavras reconfortantes de Bran para Theon nos momentos finais do cerco.
Seja como for, após mostrar desde a primeira cena da série o tamanho do perigo representado pelos Andarilhos Brancos e seus zumbis, vê-los despachados em apenas um episódio, com tão pouco prejuízo e sem nenhum relance de suas motivações foi, sim, um anticlímax. Depois de sete anos esperando o exército dos mortos cruzar a Muralha, os vimos serem detidos no primeiro reino onde chegaram de maneira completa e irremediável.
Agora, com três episódios por vir, parece que as grandes ameaças serão mesmo Cersei, Euron, Gregor Clegane e Qyburn, o que, de certa forma, parece apropriado em um programa que sempre deu tanta ênfase à humanidade de seus personagens, resta torcer para que após o desapontamento de The Long Night, Game of Thrones consiga tirar da cartola um desfecho mais voltado a seus personagens centrais, e menos a um espetáculo que mal conseguimos distinguir.

"-O que dizemos ao deus da morte?
-Não hoje."

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Resenha Cinema: Vingadores: Ultimato


Foi há onze anos, quando Robert Downey Jr. deu cara, voz e muito de sua própria personalidade ao gênio, playboy, bilionário, filantropo Tony Stark, destinado a se tornar o Homem de Ferro, que o primeiro passo foi dado pelo que se tornaria, possivelmente, o mais colossal fenômeno da história do cinema.
A "Fórmula Marvel" de misturar comédia e ação com personagens saídos das páginas dos quadrinhos cresceu em proporção geométrica, o MCU abarcou nove franquias, vinte e um longa-metragens que variavam em qualidade de coisas como O Soldado Invernal a Homem de Ferro 2, o trabalho de milhares de pessoas que arrastou milhões ao cinema e faturou bilhões de dólares, e tudo isso culmina em Ultimato, o blockbuster dos blockbusters, onde uma dúzia de subtramas confluem para criar o que se tornou, ao menos para mim, a experiência de fã definitiva, e dar fecho aos eventos cataclísmicos de Guerra Infinita tendo a audácia de aumentar o escopo.
Ontem eu obviamente estava devidamente paramentado para assistir ao filme na pré-estréia após ter brigado de foice para conseguir bilhetes numa sala da pior rede de cinemas do Brasil, a Cinemark, e assistir ao longa que encerra mais de uma década de aventuras dos personagens da Marvel na telona.
Conforme fora alardeado durante a divulgação, praticamente tudo o que vemos nos principais trailers do longa acontece nos primeiros vinte minutos de filme, quando encontramos Tony (Downey Jr.) e Nebulosa (Karen Gillen) à deriva no espaço, e os Vingadores que sobreviveram a Thanos (Josh Brolin), Capitão América (Chris Evans), Viúva Negra (Scarlett Johansson), Thor (Chris Hemsworth), Bruce Banner (Mark Ruffalo), Máquina de Combate (Don Cheadle) e Rocket (Bradley Cooper) se unindo à Capitã Marvel (Brie Larson) para tentar um último ataque ao vilão três semanas após o estalar de dedos do Titã Insano.
As coisas, porém, não saem como os heróis esperam, e não lhes resta alternativa exceto retornar à Terra e lamber as feridas de seu maior fracasso.
Cinco anos se passaram e Steve Rogers se dedica a liderar grupos de apoio onde partilha sua história de vida e a importância de seguir em frente, Natasha e Rodhes tentam manter o que restou do mundo em ordem sempre em contato com Okoye (Danai Gurira), Danvers, Rocket e Nebulosa, Thor se uniu aos demais sobreviventes de Asgard e firmou Nova Asgard (na Dinamarca, conforme Odin sugerira em Ragnarok), mas agora vive entregue à depressão por ter falhado em deter Thanos. Clint Barton (Jeremy Renner) após ver sua família ser vaporizada diante de seus olhos assumiu a identidade de Ronin, e espalha seu próprio equilíbrio ao mundo, punindo exemplarmente aos perversos que foram poupados pela aleatoriedade do estalar, Bruce Banner encontrou sua paz interior, e Tony Stark seguiu com sua vida ao lado de Pepper Potts (Gwyneth Paltrow) enquanto o universo amarga um luto que parece jamais ter fim.
As coisas ganham uma nova luz quando Scott Lang, o Homem Formiga (Paul Rudd) é trazido de volta do Reino Quântico onde estivera preso pelos últimos cinco anos tendo sentido a passagem de apenas cinco horas.
Desesperados, os remanescentes dos maiores heróis da Terra se reúnem para uma última e desesperada tentativa de reverter o genocídio perpetrado por Thanos e devolver o universo ao seu estado natural, custe o que custar.
Ao contrário de Guerra Infinita, que era protagonizado por dúzias de super-heróis e inúmeras linhas narrativas correndo em paralelo, Ultimato é centrado em um grupo muito menor de personagens. Isso torna o longa mais enxuto e fluido, mesmo com suas três horas de duração, e o fazem mais paciente e focado, o que é ótimo considerando quão complexo é o plano dos heróis para retaliar Thanos, ainda que sua trama arraste consigo elementos de uma dúzia de outros filmes.
Ao retirar o foco do antagonista, Ultimato dá aos maiores heróis da Terra a chance de voltarem a ser protagonistas em seu próprio filme, e isso traz de volta muito do que funcionara no primeiro Os Vingadores, quando as relações entre essas pessoas extraordinárias eram o cerne do filme.
Mais do que isso, o roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely (mais crédito para esses homens) oferece a Joe e Anthony Russo a oportunidade de extrair algumas das melhores atuações que essa franquia já viu, em especial de Scarlett Johansson, Downey Jr. e Chris Evans.
Capitão América e Homem de Ferro, por sinal, recebem o tratamento merecido após se tornarem ícones heroicos indeléveis na cultura pop, e têm o arco de personagem que os fãs sempre quiseram, e o destaque que Ultimato dá aos dois é, sob diversos aspectos, uma ode ao Universo Cinemático Marvel como um todo.
Muito disso passa pelo fato de que Ultimato é provavelmente a primeira oportunidade que o MCU dá aos fãs de olhar para trás ao invés de para a frente. Nos últimos onze anos nós aprendemos que os filmes da Marvel eram sempre a preparação para o próximo evento. Os primeiros longas individuais preparavam terreno para Vingadores, os seguintes para a chegada de Thanos e assim por diante. Dessa vez as coisas seguem na direção oposta. O longa revisita tramas de filmes anteriores, conecta todos os pontos e traz de volta as coisas que todos os fãs amam.
Se Guerra Infinita foi todo a respeito de subverter expectativas, Ultimato é todo fan service em sua melhor forma. É uma carta de agradecimento aos fãs por sua paciência e dedicação pelos últimos onze anos nos entregando tudo aquilo que nós queríamos, sim, mas de diversas formas nos tirando, de uma maneira tão emocionalmente pujante quanto definitiva, o que é provavelmente a maior, mais completa e triunfante experiência jamais partilhada por fãs.
Sob diversos aspectos o Universo Cinemático Marvel morre em Vingadores: Ultimato. O mosaico que tínhamos visto se formar peça por peça ao longo de vinte e um filmes chegou ao seu desfecho. Há um novo mosaico se formando, claro, mas parece virtualmente impossível que ele supere ou mesmo repita o que nós tivemos nesses vinte e dois filmes, e francamente?
É melhor assim.
Como certa vez Visão nos disse: As coisas não são belas porque duram.

"-Avante, Vingadores."

quarta-feira, 24 de abril de 2019

Resenha Série: Deuses Americanos: Temporada 2, episódio 7: Treasure of the Sun


Atenção! Spoilers abaixo!
Ao longo dessa segunda temporada, salvo episódios eventuais como o anterior, que foi todo de Sr. Quarta-Feira, dois personagens têm carregado Deuses Americanos nas costas: Mad Sweeney e Laura Moon.
O leprechau e a esposa morta foram as âncoras de um segundo ano dramático nos bastidores, com a perda dos showrunners originais e a entrada de um novo produtor executivo que, aparentemente, foi escanteado pelo restante da produção, e que começou claudicando mas pareceu ter encontrado o caminho nas últimas duas semanas, com o bom The Ways of the Dead, o ótimo Donar the Great e agora esse excelente Treasure of the Sun, que colocou Pablo Schreiber sob os holofotes.
Todo o capítulo, à exceção de uma boa e curta sequência entre Laura e Mama-Ji, revolve em torno de Mad Sweeney tentando relembrar o passado que a loucura levou.
Ao longo de cinquenta e três minutos nós vemos o leprechau ser desenvolvido e aprofundado conforme é confrontado com diversas versões da origem do rei irlandês que se transformou em um mitológico leprechau gigante cuja perícia no manejo da lança rendeu-lhe o apelido de "Mãos Longas" quando ele defendia a Ilha Esmeralda de invasores de todos os lados, ou como ele foi amaldiçoado por um monge e fugiu de um combate que custaria-lhe a vida, ou como suas posses e títulos lhe foram tomados quando ele virou as costas para suas obrigações transformando-se em um eremita louco na floresta... Cada interlocutor de Sweeney tem uma versão da história, e de cada um deles Sweeney extrai um novo fragmento para montar o mosaico da lembrança levada pela loucura.
Mais do que isso, fica claro que, a exemplo de Laura, que elevou Quarta-Feira em Muninn, Sweeney tem a mesma capacidade de mostrar o melhor em quem contracena com ele.
Shadow, Bilqis, Sr. Íbis, Sr. Quarta-Feira e Salim, com quem ele compartilha algumas ótimas piadas de fadas que podem se perder na tradução...
Pablo Schreiber pareceu ser apenas um ótimo alívio cômico na primeira temporada, ao menos até Prayer for Mad Sweeney, que ele dividiu magistralmente com Emily Browning, e agora, novamente no penúltimo episódio da temporada, ele mostra um alcance que ainda não havia tido a chance de exibir. Sim, ele ainda tem os trejeitos e o sotaque de um beberrão irlandês, todo marra e balaca, mas conforme montamos o quebra-cabeça de como o rei se transformou na representação do Sol para seu povo, descobrimos que Sweeney, por mais que queira, é mais do que um guerreiro coberto de sangue no coração de uma (excelentemente filmada) batalha ou o bárbaro pagão beijando os seios de uma bruxa à luz do luar, ou mesmo o monarca decidido a não permitir a construção de igrejas em seu domínio, ele é um homem enlouquecido pela perda de sua esposa e filha, ele é alguém que amou e perdeu, e que tem perdido incessantemente há tempo demais.
Mesmo após começar a relembrar quem é, Sweeney mantém a postura comicamente desagradável, mas quando o faz, nós ainda conseguimos ver a fragilidade que cada nova memória deixou sob sua fachada de confiança. Seu olhar e linguagem corporal denunciam a fragmentação de sua personalidade.
Os múltiplos passados de Sweeney também são excelentes nesse sentido. Ele é um louco de dar pena, um guerreiro feroz, ou um rei magnífico dependendo do viés escolhido, e Schreiber entrega tudo em cada segmento, e quando voltamos ao presente, onde ele foi relegado ao segundo plano após a chegada de Shadow ao seio dos deuses, assumindo o posto de guarda-costas de Quarta-Feira e guardião da Gungnir, percebemos o quanto os anos custaram ao leprechau desde que a religião transformou o povo Fada em duendezinhos verdes e gananciosos e o quão inconformado ele realmente está com o papel que lhe foi dado na farsa de Odin.
E quando ele finalmente tem o suficiente e se volta contra o Pai de Todos, as coisas não acabam bem para o leprechau, que cai golpeando, e, com seu último truque, consegue deixar um tremendo pepino nas mãos de Quarta-Feira.
Agora, deixe-me dizer que, por melhor que esse episódio tenha sido, eu não sei se consigo imaginar uma terceira temporada (já encomendada pelo canal Starz) sem o personagem.
Seja como for, após um início muito irregular, Deuses Americanos parece estar chegando perto de voltar a ser a série que foi em sua primeira temporada, eu, pessoalmente, vou torcer para que isso realmente aconteça, mas com Sweeney a bordo.

"-por que está vestida em andrajos, meu amor? Onde está seu vestido? O amarelo com bordados vermelhos? Você usou no dia de nosso casamento.
-Você lembra?
-Oh, sim. Nós dançamos no jantar e eu pensei que estava dançando com o sol."

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Resenha Série: Game of Thrones, Temporada 8, Episódio 2: A Knight of the Seven Kingdoms


Atenção!
Spoilers abaixo!
Winterfell, primeiro episódio da derradeira temporada de Game of Thrones, foi um bom episódio. Não mexeu a trama como gostaríamos, mas era importante que a série fizesse aquele quem é quem necessário para situar os espectadores que não são capazes de citar todas as casas nobres de Westeros de cor e salteado, e que não permanecem lamentando as mortes de Grenn e Pyp, e nem acharam golpe baixo Jon sugerir sexo em uma caverna de gelo a Daenerys quando mal fazem cinco anos que Ygritte morreu.
Os primeiros cinquenta e três minutos do fim de Game of Thrones foram um quem é quem para os fãs que não se lembram de todo mundo. Um mapa de quem estava onde e fazendo o que após mais de um ano de hiato em que nem todo mundo ficou revendo as temporadas anteriores.
Os cinquenta e oito minutos de A Knight of the Seven Kingdoms novamente não movimentaram a trama como poderíamos esperar para uma temporada de apenas seis episódios, entretanto, tivemos o proverbial último fôlego antes de um mergulho.
Se Winterfell relembrou a audiência quem eram aqueles personagens, o segundo capítulo da temporada nos lembrou por que nos importamos com esse povo todo. Não houve praticamente nenhuma cena que não tenha servido a esse propósito específico, restabelecer as dinâmicas entre eles, e entre eles e a audiência, para que, quando as portas do açougue se abrirem no domingo que vem, nós lamentemos infinitamente mais.
Poderia-se argumentar que esse é um tremendo golpe baixo dos showrunners, roteiristas e diretores, sem dúvida. Poucas manobras podem ser mais rasteiras, entretanto, quando bem utilizado, o recurso é extremamente válido e funcional, e em A Knight of the Seven Kingdoms, Bryan Cogman e David Nutter, respectivamente roteirista e diretor do episódio, fazem um tremendo trabalho ao usar o expediente.
Nós não somos apenas relembrados de por que gostávamos desses personagens, nós temos pouco menos de uma hora para nos apaixonarmos por eles novamente.
Jaime Lannister, um dos meus personagens favoritos nos livros e que na série teve sua jornada de redenção deveras comprometida durante a quinta temporada, retoma o caminho da expiação, e não consegue fazê-lo sozinho, mas através de Brienne, que o faz através de Sansa... O roteiro do capítulo encapsula tudo o que sabemos sobre esses personagens, suas complicadas relações e os tortuosos caminhos que eles trilharam desde a primeira temporada até aqui, o que torna ter acompanhado todo o percurso muito mais saboroso.
Tome por exemplo tudo o que sabemos sobre Brienne desde a primeira vez que a vimos na segunda temporada, diz não ligar para o título de cavalaria até ser desmentida por uma careta de Podrick, mas que quando se levanta após ser ordenada por Jaime tem os olhos rasos de lágrimas e um sorriso escancarado no rosto, uma reação que reverbera muito mais para aqueles que se lembram da forma como ela só desejava uma posição na guarda pessoal de Renly Baratheon.
É uma escrita muito esperta, e se estende a todos os personagens. Jorah, que almejava se tornar mão da rainha com a ascensão de Daenerys ao Trono de Ferro fala em favor de Tyrion, com quem a paciência da mãe dos dragões está prestes a se esgotar, depois se conecta com sua prima, Lyanna Mormont, a herdeira de sua casa, e então a Sam, com quem troca reminiscências sobre Jeor Mormont. De novo, é muito mais saboroso de se ver quando acompanhamos todo o resto... E é como um rastilho de pólvora correndo pela casa ancestral dos Stark.
Jaime faz as pazes com Bran, se reconecta com Tyrion, e jura serviço à Brienne. Gilly e Davos convencem uma menina de rosto marcado como Shireen Baratheon a se proteger nas criptas, Tormund conta como ganhou a alcunha de Terror dos Gigantes enquanto corteja "a mulher grande", Arya partilha uma bebida com o Cão de Caça e Beric Dondarrion, mas quando se dá conta de que aquela pode ser sua última noite na Terra decide ir atrás de alguém por quem sempre sentiu afeição, Missandei e Verme Cinzento fazem planos para após a guerra, e o reencontro entre Theon e Sansa me levou às lágrimas.
Sophie Turner, por sinal, merece aplausos. Ela transformou a insuportável adolescente que recebeu entre os fãs a não-elogiosa alcunha de Sonsa Stark em uma líder forte e inteligente. A conversa entre ela e Daenerys deixa claro o tamanho da astúcia que a ruivona adquiriu nos últimos anos com a forma como ela joga um balde de água gelada nas calorosas intenções da Khaleese de fazer as pazes com a cunhadona.
Vemos Jon se reencontrar com Edd Doloroso e Tormund, e depois, nas criptas, vemos que saber de sua verdadeira linhagem não tornou Jon menos filho de Eddard Stark.
Ele não tem nenhum desejo de contar à Daenerys sobre quem são seus pais. Ele provavelmente nem mesmo quer o Trono de Ferro, mas é honrado demais para omitir a verdade.
A reação de Daenerys também é as oito temporadas da personagem em uma casca de noz, a guria comeu o pão que o diabo amassou para conseguir exércitos, navios e dragões e quando finalmente chegou ao continente e está praticamente com um pé na cadeira mais desconfortável da cultura pop, ouve que o seu novo namorado não só é seu sobrinho como tem preferência para a coroa...
O momento não podia ser pior escolhido, mas Jon não quer ir para o campo de batalha com esse segredo, porque, como todos os demais personagens ao longo do episódio, de Jaime a Arya, de Brienne a Sam, ele não acredita que vá sobreviver. A Knight of the Seven Kingdoms é um jab para os murros que começarão a ser desferidos na próxima semana quando provavelmente muitos, muitos desses personagens que nós passamos oito temporadas aprendendo a amar serão chacinados diante de nossos olhos, mas é um tremendo jab, brilhantemente galgado no que é a verdadeira força de Game of Thrones, seus personagens e os roteiristas, diretores e atores que os trazem à vida.

"-Se eu fosse um rei, eu a teria feito cavaleira dez vezes...
-Não é preciso um rei. Basta outro cavaleiro. Deixe-me mostrar..."

quarta-feira, 17 de abril de 2019

Tudo Falta


Falta-me tino na tua ausência. Falta oriente
Toda hora sem notícia enquanto a noite adentra
E assoma a falta da tua saudação multiplicada
O silêncio preenchendo o vazio com mais vazio

Falta-me luz na calada das noites silentes
Conforme a tua falta me enche de angústia
E as sombras se alongam no claustro baldo
Tornando-me cego para tudo o que não é tu

Falta-me força quando não te ouço e vejo
E previsões melífluas me assaltam a mente
Conforme a certeza é subjugada pela dúvida
E a distância física cresce e se evidencia

Falta-me a coragem quando sei que tu não vens
E cada palavra tua parece um adeus travestido
Me deixando a certeza de que tu não retornará
De que teu caminho é outro, apartado de mim

A tudo me falta quando me faltam tuas palavras
Teu sorriso aberto aberto qual flor de primavera
Teus plural defeituoso, a sugestão do teu cheiro
A tua morenice cálida, a promessa do nosso futuro...


Resenha Série: Deuses Americanos: Temporada 2, episódio 6: Donar the Great


Eu confesso que quando Donar the Great começou, com um número de burlesco protagonizado por Sr. Quarta-Feira e dez mulheres, mas apenas nove vestidas, eu achei que a sequência de episódios bom-ruim-bom-ruim fosse ser mantida após o bom The Ways of the Dead.
A quantidade de filler ao longos dos cinco primeiros episódios da segunda temporada foi tamanha que qualquer episódio que apresentasse um mínimo avanço na trama ou desenvolvimento de personagem já seria considerado um avanço, mas Donar the Great foi além do mínimo, e ofereceu desenvolvimento a um dos personagens centrais da série:
O Pai de Todos em pessoa.
O passado de Sr. Quarta-Feira como o líder de um teatro de burlesco da década de 1930 chamado Al Grimnir (uma referência a Al Swearengen proprietário do Gem Theatre interpretado por McShane na série Deadwood).
Al tinha um número formado por deuses como Donar (Derek Theler), o filho de Grimnir, Thor, e Columbia (Laura Bell Bundy), a personificação da América, que se alimentavam das migalhas de adoração dos frequentadores do teatro e sobreviviam à custa do espetáculo.
Nós ainda não havíamos tido nenhum grande insight da pessoa por trás dos maneirismos e trejeitos de Quarta-Feira. O personagem é um golpista escamoso e divertido com uma lábia inevitável que fala muito e rápido e, como ele próprio diz ao se apresentar no piloto da série, cedo ou tarde, sempre consegue o que quer, não importa quão intrincados sejam as tramoias que ele precisa engendrar para chegar a seus objetivos.
Desde que começamos a acompanhar o personagem quatorze episódios atrás, já o vimos enganar a lei, homens e deuses, mas em Donar the Great nós descobrimos como as armações do personagem nem sempre dão certo, e o quanto já lhe custaram conforme acompanhamos ele jogar com os destinos de seu filho e de sua nora em potencial em nome do próprio ganho.
Ele empurra Donar para ser o rosto de um grupo simpatizante do nazismo em competições de força, e empurra Columbia para os braços de Technical Boy para ser a garota-propaganda do esforço de guerra que será em breve necessário.
A jogada de Grimnir é se livrar de Columbia, que deseja se afastar de suas maquinações e estratagemas partindo para a Califórnia com Donar.
O desfecho da interferência de Grimnir nos destinos de Columbia e Donar é, como podemos imaginar, trágico para todos os envolvidos, e apesar de vermos toda a tristeza que o caso causou a Quarta-Feira, ele segue sendo o mesmo calhorda manipulador de então, basta ver que o que ele fez a Donar e Columbia oitenta anos atrás é basicamente a mesma coisa que ele está fazendo nesse momento a Shadow e Laura.
Se à época sua ideia era pegar carona na popularidade de Donar para voltar à ribalta com todo o panteão, dessa vez ele resolve guerrear em nome do status perdido, e para isso usa descaradamente as habilidades de Shadow para conseguir acesso a um item de grande poder:
Uma jaqueta de couro usada por Lou Reed, o item mais magnífico à disposição em um caidaço shopping center do meio-oeste americano onde está o santuário de Sindri (Clark Middleton) e Dvallin (Jeremy Raymond), os artífices capazes de gerar as runas de guerra de que Quarta-Feira precisa para reforjar sua lança.
Obviamente o charmoso deus antigo não pretende pagar pela relíquia, mas planeja um conto-do-vigário à moda antiga para chegar a seu objetivo junto com Shadow.
A sequência onde os dois aplicam seu golpe, por sinal, é muito boa, como, por sinal, tendem a ser todas as sequências onde vemos um pouco do velho Shadow e a excelente química que Ricky Whittle partilha com Ian McShane é revivida.
Claro, a atuação de Derek Theler está longe de ser excelente, a participação de Orlando Jones é irregular, com suas piadas fora de tom comparado com seu discurso a respeito do próprio passado, e as inserções de Sr. Mundo e da Nova Mídia (que toda a vez que aparece, por mais coxuda que Kahyun Kim seja, dá mais saudades de Gillian Anderson...) parecem fora de lugar, mas ainda assim, em meio a todo o estilo vazio de episódios anteriores, Donar the Great conseguiu ter substância e energia ao fazer total uso das habilidades de McShane, que carregaria o episódio inteiro sozinho com sua atuação (veja as cenas onde a dor da memória parece tirar momentaneamente o brilho sagaz de seus olhos e depositar o peso do mundo em seus ombros).
Novamente, esse bom episódio da série ainda está longe, muito longe de ser um retorno à excelência da primeira temporada, mas é outro passo na direção certa, e pela primeira vez, o segundo dado de forma consecutiva, vamos torcer para que os dois episódios que faltam para o fim da temporada mantenham, ou melhorem o ritmo.

"Minha lança... Você iniciou a primeira guerra. Nós vamos encerrar a última."

segunda-feira, 15 de abril de 2019

(Outro) Dia da Vitória


Era um sábado de tarde.
Havíamos almoçado após o cumprimento de nosso ritual de sempre.
Eu chegar do trabalho, te beijar e conversar um pouco contigo antes de tomar um banho rápido (pros meus padrões de quem toma banho de noiva).
Depois do almoço era teu dia de lavar a louça, e eu fui até a sala e sentei no sofá para baixar uns textos no computador.
Tu chegou na sala após alguns minutos e me disse que a pia da cozinha estava vazando.
Eu te perguntei "vazando como, meu anjo?" e tu me disse que estava saindo água por baixo. "Hmmm", eu respondi, largando o computador e levantando do sofá enquanto ia contigo até a cozinha.
A portinhola sob a pia estava bem fechada. Não era um compartimento que usássemos em casa. Nenhum de nós gosta da ideia de ter nada em que precisemos mexer com frequência tão perto da caixa de gordura.
Tu mesma disse "Água fedida".
Não quereríamos ter nem produtos de limpeza ali, imagine então, panelas? Nem pensar. Aquele compartimento era unica e exclusivamente para abrigar o cano que levava a água da pia ao sistema de esgoto.
Eu cheguei à cozinha e vi a pequena poça diante da pia. A porta, emperrada, demandava um pouco de força para ser aberta. Um tapa forte em um dos cantos, fazendo o outro se projetar de modo a haver base para puxá-la para fora.
Eu sentei no chão diante da estrutura demasiado baixa para que eu apenas me agachasse, e virei o pescoço com dificuldade para ver o problema.
Abri a torneira e esperei para ver de onde tinha a água. Uma rachadura no cano.
"Não é nada de grave, morena. Eu resolvo." Eu te disse.
Me levantei e andei até a área de serviço apanhando minha caixa de ferramentas. A abri e tirei uma caixa de massa epoxi, comentando que costumava usar aquilo pra customizar figuras de ação. Misturei uma pequena porção da massa branca com a cinza e quando ficou uniforme, apliquei no cano. Esperei um minuto mais ou menos contado no relógio do microondas e te pedi "Liga a torneira aqui, meu amor?", o que, quando tu fez, te posicionando bem diante de mim, aproveitei o ensejo e, sentado no chão, beijei tua coxa, bem na altura dos meus lábios.
O reparo funcionou, eu te informei. "É temporário, mas vai servir até eu comprar um pedaço de cano ou uma mangueira pra colocar no lugar." te disse enquanto me levantava colocando a caixa de ferramentas de volta na área de e voltando pra lavar as mãos, o que fiz com bastante cuidado.
Ao terminar sequei as mãos em um pano limpo sobre a pia e me dirigi a ti como se fosse te dar um beijinho.
Ao invés disso, me inclinei passando um dos braços por trás dos teus joelhos enquanto, com o outro, amparei tuas costas te inclinando pra trás e te beijando tal qual o beijo do dia da vitória de Alfred Eisenstaedt, exceto que aproveitei o movimento para tirar tuas pernas do chão e te erguer no colo. Te levei pra sala nos meus braços, ainda te beijando enquanto sentava de volta onde estava no sofá da sala.
"Eu termino de consertar durante a semana, tá?".
Tu concordou com um sorriso. Eu continuei te beijando, agora deitada no meu colo, e eventualmente a vontade de tirar a tua roupa foi demais, e eu o fiz sentindo teu cheiro no meu nariz e o gosto dos teus lábios nos meus, e depois o gosto do teu corpo todo na minha boca. Nós ficamos deitados despidos no sofá por algum tempo, depois, até tu te levantar dizendo que ia até a cozinha e me perguntar se eu queria alguma coisa. Eu sorri sem dizer nada enquanto te via saltar na ponta dos pés pra fora da sala. Quando tu saiu do meu campo de visão eu pensei:
"Eu quero isso... Pro resto da vida..."


Resenha Série: Game of Thrones, Temporada 8, Episódio 1: Winterfell


Atenção! Spoilers abaixo!
Lá se vão quase dois anos, vinte meses, pra ser exato, desde a última vez em que eu me sentei no sofá de casa para assistir a um novo episódio de Game of Thrones (E, apenas agora, enquanto escrevo isso, percebo que foi a primeira vez que fiz isso sozinho...).
Winterfell, primeiro episódio da cheia de segredos temporada final do programa estreou na noite de ontem e, para meu alívio, sem flashbacks nem flashforwards, apenas dando sequência aos eventos vistos no último capítulo da sétima temporada, The Dragon and the Wolf.
Mais do que isso, o início de Winterfell referencia de maneira bastante óbvia Winter is Coming, o piloto da série, desde a marcha dos soldados para dentro da fortaleza ancestral dos Stark sob os olhares dos vassalos dos Protetores do Norte até Sansa esperando para receber a rainha, passando pelo moleque de cabelos castanhos que corre entre a multidão e se empoleira em uma árvore em busca de uma visão melhor da tropa em marcha.
Essa estratégia de repetir o layout do primeiro episódio da série é maneiro já que muito do que move Winterfell são os reencontros entre personagens, alguns dos quais, não se viam desde a primeira temporada.
Jon reencontrando Bran exatamente da mesma forma que ele se despediu do irmão no segundo episódio da primeira temporada, com um beijo na testa, foi tocante, mas a desumanização do jovem Stark, cada vez mais Corvo de Três Olhos, tirou um pouco da emoção da cena. O reencontro do bastardo de Winterfell com Aria, porém, foi mais uma prova de que Kit Harrington ganha todos os melhores abraços da série (se duvida reveja as despedidas entre ele e Aria e entre ele e Robb na primeira temporada e seu reencontro com Sansa na sexta...).
Aria também teve sua cota de reencontros, com Gendry, por quem a jovem parece ainda nutrir uma paixonite embora ela tenha se tornado uma sorrateira assassina em massa com uma sacola cheia de caras mágicas, e com o Cão e Caça, que eu, francamente, espero que tenha saído da lista dela.
Obviamente nem tudo são flores nesse retorno de Jon/Aegon à casa dos Stark, e não seria Game of Thrones sem uma dose de intriga palaciana (Que eu adoro. Vejo todo mundo torcendo o nariz para O Festim dos Corvos, que é uma das minhas leituras preferidas...).
Ele chegou trazendo a tiracolo uma rainha para quem dobrou o joelho, e, uma rainha Targaryen.
O Norte lembra, nos tem sido dito desde a primeira temporada, e nenhum dos lordes nortistas esqueceram o que o Rei Louco aprontou com o avô e o tio de Jon, e nem, conforme frisa Lyanna Mormont, que eles escolheram Jon como seu rei, apenas para vê-lo entregar sua coroa assim que conheceu uma rainha bonita no sul, e, a despeito de seu discurso sobre como, entre uma coroa para si, e o Norte, ter ficado com a segunda opção, abdicando de seu título para trazer um poderoso exército de Imaculados, Dothraki e dragões à suas costas parecer ter fechado a matraca dos lordes locais, não parece ter sido o suficiente para acalmar os ânimos de Sansa.
Aqui, cabe dizer que um pouco dessas picuinhas entre os Stark remanescentes já parece forçação de barra após tudo o que essa gente passou na última década. Esses desentendimentos entre Jon e Sansa parecem tentativas de criar tensão pela tensão, algo que já havíamos visto na sexta temporada e que eu pensei que tivesse ficado no passado após Jon ter, tanto falado a respeito com a irmã, quanto a deixado no comando de Winterfell em sua ausência na sétima temporada.
Jon, por sinal, esteve ocupado nesse episódio. Além de se reencontrar com os irmãos que não via desde a primeira temporada ainda houve tempo para ele montar um dragão (apropriadamente Rhageal, batizado em homenagem a seu pai biológico), dar uns apertos em Daenerys diante de uma caverna de gelo (ele aparentemente ainda não esqueceu dos ótimos momentos que passou em cavernas de gelo na vida...), e ser avisado por um enlutado Sam Tarly de que é o legítimo herdeiro do Trono de Ferro.
Se as picuinhas entre Sansa e Jon são um pouco cansativas, a ruivona tem sido bem sucedida em retratar uma Sansa endurecida que ganhou sabedoria através da perda e da tragédia. A forma como ela questiona Jon a respeito de sua relação com Daenerys ou a maneira como ela imediatamente saca que Cersei não está mandando nem um único e miserável soldado para o Norte em seu reencontro com Tyrion, que rende uma das grandes frases do episódio "Eu costumava pensar que você era o homem mais esperto de todos" são testemunho da evolução da personagem que tem um dos melhores arcos da série, indo de fedelha insuportável a respeitável administradora (Embora o arco Jaime Lannister seja, de longe, meu preferido), e eu tenho esperança que a fricção entre ela e Jon e Daenerys seja resolvido no próximo capítulo já que o Rei da Noite está vindo.
A propósito, sabemos o quanto o Rei da Noite está vindo ao mesmo tempo em que descobrimos que Tormund, Beric Dondarrion e Edd Doloroso permanecem vivos, o que, por si só, me fez suspirar de alívio.
Que isso tenha acontecido em uma das sequências mais bacanas e tensas de um episódio que foi quase todo falatório, foi um bem-vindo bônus.
O falatório, por sinal, foi uma coisa que se estendeu de Winterfell a Porto Real, com Cersei recebendo a Companhia Dourada trazida a Westeros por Euron Greyjoy, e ficando extremamente desapontada pela ausência dos elefantes nas fileiras do exército liderado por Harry Strickland (Marc Rissmann).
Lena Headey tira de letra cada cena em que aparece, é impossível não odiar a personagem ao mesmo tempo em que é impossível não simpatizar com ela ao perceber que ela segue sendo jogada nos braços de homens a quem despreza mesmo agora que é a senhora dos sete reinos. Euron, por sua vez, parece um personagem que os roteiristas têm mais prazer em escrever do que a audiência em assistir, ao menos é assim pra mim.
O rei das Ilhas de Ferro não é um personagem detestável como Joffrey ou Ramsey, de modo que sua vilania é vazia e suas tiradas inócuas. Pra piorar, ele ainda se torna incompetente conforme sua grande jogada na temporada anterior, sequestrar Yara Greyjoy, é desfeita como se fosse nada.
Tudo bem, eu entendo que era a oportunidade de dar a Theon um momento de recuperar suas bolas, metaforicamente, e que a vontade de estabelecer as peças no tabuleiro para o desfecho tem feito a série se apressar já desde a temporada anterior quando o pessoal viajava pelo continente como se estivesse de Concorde, e isso deve continuar já que, no próximo episódio Theon provavelmente já vai ter chegado a Winterfell, assim como Bronn.
O matador foi convocado por Cersei (através de Quyburn, já que os divorciados Jerome Flynn e Lena Headey não contracenam) para matar Tyrion e Jaime, o que, cabe ressaltar, é a ideia mais imbecil que a rainha poderia ter.
Quem, em sã consciência pensaria "Vou chamar esse andarilho que não me deve lealdade para assassinar esses dois sujeitos com quem ele partilha laços de amizade desde a primeira temporada porque ele gosta de ouro"? Eu só não vou me queixar disso porque a perspectiva de ver Jaime, Tyrion e Bronn juntos me agrada demais.
Jaime, aliás, fecha o episódio chegando a Winterfell.
Sua expressão de satisfação sendo substituída por pavor conforme seu olhar encontra o de Bran é excelente, deixando claro que o cavaleiro estava pronto para abraçar a honradez, definitivamente cumprindo sua palavra e tomando o lado dos vivos na guerra, e que ser confrontado pelas coisas horríveis que fez por amor não estava em seus planos.
Sim, muito de Winterfell foi set up, mover personagens de A pra B e estabelecer reencontros e interações, sim, há atalhos narrativos que prejudicam o peso de determinados eventos, mas de modo geral, Game of Thrones é acima da média mesmo em suas piores horas, e os cinquenta minutos do episódio são permeados de momentos satisfatórios e garantem que, daqui por diante, uma marcha mais rápida possa ser engatada rumo ao desfecho da série.

"-O que é que dragões comem, afinal de contas?
-O que eles quiserem."

sexta-feira, 12 de abril de 2019

O teaser de Star Wars: Episódio IX - A Ascensão de Skywalker

E a Disney largou o primeiro teaser, e o título de Star Wars: Episódio IX na rede:
A prévia de Rise of Skywalker tenta desesperadamente se reaproximar da base de fãs a despeito de começar com Mary Sue Skywalker enfrentando um Tie Fighter no mano a mano.
A prévia narrada por Jake Skywalker diz que ninguém jamais se vai realmente, e que as mil gerações que antecederam Rey sempre estarão com ela, antes de concluir com uma reconhecível gargalhada que deixa claro:
A Disney está pedindo desculpas sem pedir desculpas.
Confira:



Eu adoraria dizer que o início do teaser me manteve morto por dentro como o Episódio VIII havia feito, mas quando sobe o som e Lando Calrissian pilota a Falcon lado a lado com Chewbacca e Poe e Finn aparecem envolvidos em uma perseguição pelo deserto com C3-PO, eu ainda me arrepio.
Eu não acho, realmente, que o longa dirigido por J. J. Abrams possa desfazer o estrago causado por Os Últimos Jedi, mas por Odin, não seria ótimo se isso acontecesse?
O longa estréia em 19 de dezembro.

Sabia


-Como tu sabe que eu sei o que é isso? - Ela inquiriu.
Ele não soube como responder.
Provavelmente, pensou, era por conhecê-la. Por antever certos padrões de comportamento de parte dela. Por passar horas e horas de seu dia imaginando como ela reagiria a determinada situação, como ela responderia a determinados impulsos, como ela se comportaria ante determinadas escolhas.
E não restringia tais pensamentos necessariamente a grandes e decisivos temas.
Das coisas mais mundanas, como qual a marca de amaciante e creme dental que ela preferia; Se o leite que ela tomava seria desnatado, semidesnatado, integral, sem lactose ou de soja (eca...); Se o chuveiro de casa esquentava o suficiente pra ela... Até as mais avultosas, de que cor pintar a parede atrás da estante dos quadrinhos e DVDs? Maratonar todos os filmes do Homem-Aranha incluindo os filmes de equipe onde ele aparece ou apenas os títulos solo? Dar uma chance à série d'O Senhor dos Anéis no Amazon? Quando fossem assistir a todos os Star Wars, incluir os episódios VII, VIII e IX?
Durante muito tempo de seu dia, era disso que ele se ocupava.
Flagrava-se a imaginar a vida ao lado dela. Sem arroubos ou graves ponderações. Pensando nos cenários que fossem mais simples e mais doces. Mais baunilha, que era o cheiro dela, suspirando e supondo-se feliz qualquer que fosse a reação dela, porque sabia que seria impossível estar em qualquer outro estado de espírito quando soubesse que a saudade que sentia seria curada assim que chegasse a noite ou o final de semana.
E sim...
Sabia que pensar e repensar e antever as reações que ela teria e as coisas que diria baseado em um padrão de noções pré-concebidas era vago e nem de longe garantia taxa de acerto maior do que cinquenta por cento.
Entretanto havia mais.
Havia uma forma de comunicação não-verbal e não-digital entre eles.
Um saber analógico, no sentido de dar-se entre criaturas análogas.
Ela e ele eram assim.
Partilhavam afinidades, interesses e conhecimento em comum em escala industrial.
Se entendiam e percebiam os humores um do outro sem precisar ouvir o tom de voz.
Ela dizia que ao voltar ele a trouxera de volta, e, como sempre, sempre, sempre, a recíproca era mais que verdadeira, era cânone e Escritura. Ao voltar, ela o salvara. O removera das sombras. O ressuscitara...
Como ele sabia que ela sabia do que falava?
Talvez fosse por ela ser a pessoa mais inteligente que ele conhecia. Que dominava todas as áreas de conhecimento que ele dominava e outras que ele ignorava totalmente...
Ou talvez fosse porque ele sabia e eles existissem um no outro partilhando tudo como apenas as mais gêmeas das almas fossem capazes.
Fosse como fosse, em se tratando dela, ele sabia.
Tinha a mais concreta e absoluta certeza.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

Resenha Série: Deuses Americanos: Temporada 2, episódio 5: The Ways of the Dead


Eu me pergunto se, em sua segunda temporada, Deuses Americanos tomou a decisão consciente de intercalar um episódio bom, e um episódio ruim... É a única conclusão à qual posso chegar após assistir a The Ways of the Dead, quinto capítulo do segundo ano da série baseada no livro de Neil Gaiman, e que se seguiu a The Greatest Story Ever Told, um mau episódio, que se seguiu a Muninn, um bom episódio, que se seguiu a The Beguiling Man, um mau episódio... Entende o ponto?
O lado positivo dessa aparente vocação para seguir a trajetória dos longa metragens de Jornada nas Estrelas, que também intercalavam bons e maus filmes, embora na ordem oposta, com os longas pares sendo considerados melhores que os ímpares, é que The Ways of the Dead é um bom episódio da série, talvez até melhor que Muninn, que era o expoente da temporada.
Novamente abrimos o episódio com Shadow despertando na funerária de Sr. Íbis, após ser acometido por um pesadelo onde vivencia a horrível morte de William "Froggy" James (Warren Belle), um medonho caso real ocorrido em Cairo em 1909, quando James foi linchado, mutilado e queimado após ser acusado pela morte de Mary Pelley, uma balconista branca de 24 anos.
Desde sua cena inicial The Ways of the Dead estabelece a relação entre vivos e mortos, passado e presente que irá permear o capítulo.
Shadow, que também sofreu uma tentativa de linchamento no segundo capítulo da série assume, em certos momentos, o ponto de vista de James, que o avisa de forma agourenta que ele está fadado a morrer, como o passado está fadado a se repetir.
É uma mensagem que fica clara tanto quando Sr. Nancy cruza com um jovem negro na periferia de Cairo que acaba sendo perseguido por um policial e morto após ser flagrado comprando drogas quanto no segmento de Laura e Sweeney quando ela ouve que traiu antes e irá trair de novo...
Laura e Sweeney por sinal, voltaram após um episódio de (quase) ausência. Os meus dois personagens favoritos na temporada estão em Nova Orleans onde o leprechau leva a esposa morta até Barão Samedi (Mustafa Shakir, de Luke Cage) e Maman Brigitte (Hani Furstenberg), dois espíritos vodu que, em teoria, são capazes de trazer os mortos de volta à vida.
Enquanto isso, Sr. Quarta-Feira parte em uma viagem com o jinn e Salim em busca de novos recrutas para a causa, especificamente o anão forjador Alviss (Lee Arenberg, de Piratas do Caribe e que já havia interpretado um anão no medonho longa de Dungeons & Dragons).
Se o segmento de Sr. Quarta-Feira é o mais solto e convencional, com a mesma dinâmica de road trip em busca de adeptos para a guerra que se inicia, ele não o faz sem uma bem-vinda dose de diversão, já que as interações entre o devotado muçulmano Salim e o Pai de Todos são ótimas, com o deus nórdico tentando obter um pouco de adoração do rapaz árabe.
Shadow, por sua vez, descobre que, em sua morte, Will James passou a adorar a própria morte, ou seja, Íbis, e com a história de Froggy se repetindo frequentemente, com jovens negros habitualmente morrendo (para surgir na mesa do legista com os mesmos ferimentos de William James), os EUA é um país onde a divindade egípcia jamais ficará sem adoradores. A revelação é que Quarta-Feira não é o único deus com sua própria agenda e seus próprios métodos fazendo o que for necessário para se manter na ribalta ocultando-se por trás de histórias e subterfúgios (E Sr. Nancy não deixa de notar a mesma coisa...).
Os subterfúgios de Samedi e Brigitte, por sua vez, são mais físicos.
Os loas da morte anseiam pelas sensações que o fim da vida sonegam. O sabor, o toque, Laura, morta há bastante tempo, está pronta para abraçar a filosofia do casal, especialmente quando eles acenam, não apenas com uma oportunidade de voltar a sentir, mas também com a possibilidade de ressurreição.
O pacto (todo mundo adora um pacto nessa série) entre Laura e Samedi é muito mais físico, e a cena de sexo entre a jovem defunta e o espírito haitiano se mistura com a cena de sexo entre Brigitte e Sweeney, e eventualmente os casais simplesmente se trocam (a propósito, ainda que seja uma cena de sexo melhor do que a do último episódio, continua faltando colhão à série repetir o nível de ousadia da primeira temporada nesse novo ano), e se isso é uma brincadeira de mau gosto de Samedi e Brigitte ou a materialização dos desejos de Laura, Sweeney, ou ambos, não sabemos, sabemos, porém, que Laura já não tem mais paciência para as conversas dos deuses, e está de saco cheio de todos eles após Quarta-Feira encher a cabeça dela de minhocas em Muninn.
The Ways of the Dead é uma boa mudança no ritmo da temporada, com a exposição pura e simples sendo trocada por interações bem construídas entre os personagens, e as ferramentas narrativas do programa, com seus flashbacks e efeitos visuais servindo à história e movendo a trama com edição afiada, boa trilha resultando no melhor episódio do novo ano até aqui.

"-Você se sente confortável dormindo sob o mesmo teto que os mortos?
-Contanto que eles continuem assim..."

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Um ao Outro


Deixa eu ver se eu entendi...
Então é como se tu tivesse decidido abrir mão de qualquer resquício de romantismo porque os gestos românticos haviam se esvaziado de toda a significância, e resolvido abraçar a vida em sua forma mais prática, com os dois pés fincados no barro porque é onde todos nós estamos, afinal de contas e paciência?
É como se tu tivesse escolhido levar a vida vestindo uma armadura de cinismo e niilismo porque apesar de a armadura não ser a opção de traje mais confortável para se levar a vida, a alternativa era estar, parafraseando Bruce Banner, exposto feito um nervo, de modo que, analisando friamente sob essa ótica, a armadura parecia uma escolha tão boa quanto qualquer outra?
É como se tu estivesse na tua, escrevendo a respeito de filme e de seriado e de repente a presença de uma pessoa te fizesse enxergar fundamento até nas letras do grupo Raça, celebrado bastião do pagode noventista?
Porque se é assim que tu te sente, eu não faço nem a mais remota ideia de como é isso...
Mas talvez... Talvez, seja como o Dodge disse pra Penny.
Tu lembra?
Ela diz "Eu pensei que nós fôssemos salvar um ao outro".
E ele responde:
Nós salvamos.

Resenha DVD: Infiltrado na Klan


Com uma passagem discreta pelo circuito comercial de Porto Alegre (poucas salas, poucos horários, pouco tempo), Infiltrado na Klan não era um dos bambas da temporada de premiações que eu estava mais ansioso por assistir.
Se é verdade que gosto de vários filmes de Spike Lee, o diretor de Faça a Coisa Certa, Febre de Selva e O Plano Perfeito não é uma unanimidade pra mim, e ainda que eu entenda e respeite seu engajamento político, já disse antes que, para meu gosto, a mensagem que um filme deseja transmitir jamais deve ser mais importante do que a história que ele deseja contar, e esse equilíbrio nem sempre existe nos longas do cineasta.
Ainda assim, a história do policial negro que conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan era algo que eu gostaria de assistir, de modo que no sábado, mesmo com Primeiro Homem e Nasce Uma Estrela disponíveis na locadora, briguei com outro sócio pelo filme.
Infiltrado na Klan abre com um pequeno curta estrelado por Alec Baldwin no papel do doutor Kennebrew Beauregard que faz um impossivelmente obtuso discurso a respeito da guerra racial sendo promovida contra o norte-americano médio pelos negros e os judeus.
O discurso de Kennebrew é idiota além da medida, e ele nem sequer o faz com desenvoltura, errando constantemente e explodindo em palavrões quando escorrega nas palavras.
O pequeno trecho, porém, ilustra de maneira divertida a forma como viés de confirmação funciona: Por mais ridículo e incompetente que seja o agente transmissor, o receptor vai aceitar sua mensagem se ela for ao encontro de suas próprias crenças.
Corta para 1979, na cidade de Colorado Springs.
O jovem Ron Stallworth (John David Washington) chega à delegacia da cidade para se encontrar com o chefe de polícia local e fazer uma entrevista de emprego. Ron é inquirido pelo chefe Bridges (Robert John Burke) se ele está disposto a ser o Jackie Robinson da polícia de Colorado Springs, em outras palavras, se ele está preparado para ser ofendido e assediado até mesmo por seus pares por ser o primeiro negro no departamento. Ao garantir que sim (após um diálogo particularmente hilariante entre o protagonista e Turrerntine, personagem de Isiah Whitlock, Jr.), Ron é contratado e enfiado nos arquivos onde as previsões de seu chefe se mostram estupidamente fundamentadas.
Após ter o suficiente do racismo dos policiais de Colorado Springs, Ron pede para ser um agente infiltrado, o que eventualmente consegue, recebendo a missão de observar uma palestra do ex-líder dos Panteras Negras Kwame Ture (Corey Hawkins).
Ainda que a preocupação de Bridges seja racista, o temor de que a palestra de Kwame possa incitar os "bons jovens negros da comunidade" a se rebelarem, a missão serve tanto para Ron se conectar com a comunidade estudantil negra local, em especial a presidente da União Estudantil Negra Patrice Dumas (uma Laura Harrier tão bonita que eu demorei a identificá-la como a Liz de Homem-Aranha: De Volta ao Lar), e conhecer os detetives Jimmy Creeck (Michael Buscemi) e Flip Zimmerman (Adam Driver).
Enquanto esconde sua profissão para cortejar Patrice, que despreza policiais, Ron casualmente vê um anúncio de recrutamento da Ku Klux Klan em um jornal local, e impulsivamente telefona para o grupo pedindo por informações enquanto despeja toda a sorte de ofensas raciais possíveis em uma animada conversa com o presidente da seção local do grupo (A reação dos demais policiais no recinto ao telefonema de Ron é um dos muitos momentos hilariantes de Infiltrado na Klan). Não tarda para que Ron seja convidado para se encontrar com o líder da Klan em Colorado Springs, Walter (Ryan Eggold), uma reunião à qual ele só poderá comparecer com a ajuda de Zimmerman, um judeu não-praticante que irá interpretar o papel da versão branca e racista do detetive usando uma escuta.
Durante essa primeira reunião, surgem evidências de que a Klan esteja planejando um ato de violência durante a visita de outro ativista dos direitos civis à cidade, Jerome Turner (interpretado pelo cantor e ativista político de verdade Harry Belafonte).
O grande perigo da Klan de Colorado Springs se deve à proximidade da cidade com a base militar de Fort Carson e o quartel-general do NORAD, onde a organização possui membros ativos com acesso a armamento e explosivos, e isso faz com que Ron e Flip se engajem com vontade na investigação, com Stallworth mantendo os contatos telefônicos com os membros da Klan, incluindo o Grão-Mago da ordem David Duke (um excelente Topher Grace) enquanto Zimmerman coloca o seu na reta nas reuniões presenciais com gente como o desconfiado fanático Felix Kendrickson (um assustador Jasper Pääkönen) para tentar desmantelar um ataque terrorista que parece cada vez mais palpável conforme a visita de Turner coincide com a chegada de Duke à Colorado Springs.
Infiltrado na Klan é excelente.
O absurdo da premissa de um negro conseguir se infiltrar na organização mais quintessencialmente racista dos Estados Unidos é tão flagrante que a escolha de Lee de filmar o longa como uma comédia faz todo o sentido do mundo. O tom do longa é complicado, e Lee faz de conta que não o leva a sério, escondendo a mensagem em meio a um embrulho de filme policial.
Sob a tensão de ter nossos heróis descobertos pela gangue de caipiras racistas na qual eles se infiltram, o modo brusco como o diretor trata seus argumentos mais incisivos traçando paralelos entre a trama de época e a situação contemporânea dos EUA se torna um poderoso pano de fundo. Momentos como quando a reunião da Klan tem os slogans de campanha de Donald Trump entoados pelos membros da organização em uníssono divertem tanto quanto fazem pensar, mas espertamente Spike Lee não faz disso o cerne do longa.
Infiltrado na Klan é sobre pessoas precisando assumir papéis, é sobre a forma como somos vistos no mundo onde vivemos.
Ron Stallworth precisa se passar por um racista branco para conseguir fazer uma investigação que faça sentido para ele. O personagem com seu penteado black power volumoso e suas roupas coloridas se destaca na força policial de Colorado Springs como uma cebola na salada de frutas, mas ao telefone ele consegue se passar por um "verdadeiro herói da América branca".
John David Washington é ótimo no papel, exibindo sempre uma confiança que o roteiro de Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmott e do próprio Lee colocam à prova durante todo o longa, mas a interpretação de Adam Driver, indicada ao Oscar, é a mais interessante do filme. O Kylo Ren dos novos Star Wars também precisa assumir um papel, no caso, o mesmo de Ron, o de um racista branco, mas sobrepõe isso ao papel que já interpreta em sua vida. O de alguém que não é judeu.
À certa altura o personagem diz que não foi a muitos bar mitzvahs, e que ele próprio jamais teve um, mas que estar infiltrado na Klan e conviver com todo o ódio gratuito o faz se flagrar pensando em tradição e herança o tempo todo, e Lee parece saber que a linha de Zimmerman é mais desafiadora à sua maneira, pois enquanto Ron recebe uma vida fora da investigação e do departamento, saindo para dançar com Patrice e brincando de golpes de kung fu ao ser insultado por seus colegas brancos, Flip está sempre no limiar de um ataque de nervos, pois seu ato como um não-judeu é em tempo integral.
O respeito de Lee por seus personagens e pela trama do filme mantém a mensagem no banco do carona até o encerramento do filme, quando o diretor esfrega a cara da audiência na contemporaneidade dos temas abordados na comédia policial durante os cento e trinta minutos prévios ao mostrar impactantes imagens dos incidentes de Charlottesville nos EUA em 2017, quando supremacistas brancos entraram em conflito com manifestantes anti-racismo inclusive com a morte da ativista Heather Hayer, homenageada no final do filme com a frase "descanse em poder".
Infiltrado na Klan é um dos melhores filmes da carreira de um maduro Spike Lee, que segue sendo um polemista de mão cheia, mas um polemista necessário e no momento certo e não apenas nos Estados Unidos.
Essa é uma cruz flamejante cujo peso várias partes do mundo compartilham com os EUA nos nossos dias, e o Brasil não é uma exceção.
Assista.

"-Pra você isso é uma cruzada. Pra mim, é um trabalho.
-Você é judeu. Eles te odeiam. Isso não te deixa puto? Por que fica agindo como se não fosse pessoal?"

sábado, 6 de abril de 2019

Tudo é Presença


E de repente todos os trechos mais melosos de cada música te lembram dela...
Pegue minha mão, pegue toda a minha vida, também pois eu não posso evitar me apaixonar por ti... Não há luz do sol quando ela se vai... Meu coração batendo e você, garota de olhos castanhos... Alguém pra amar, alguém como você... Bem você veio e deu sem tomar... Traga de volta, não tire de mim... Roube meu coração e segure minha língua... Alguns dizem que o amor é algo que queima... Você me faz feliz quando os céus estão cinzentos... Eu não consigo te tirar da cabeça, pequena amante... Alguém me disse que há uma garota lá fora, com amor em seus olhos e flores no cabelo...
Todas.
Sem exceção.
E os trechos melosos dos filmes... -Eu te amo. -Eu sei. -Bonita Aurélia... -Mas essas são o melhor tipo... -Beije-me como se fosse a última vez... -Você me faz querer ser um homem melhor... -Eu acho que quando você é jovem, você apenas acredita que vai haver muita gente com que vai se conectar. Mais tarde na vida você percebe que só acontece poucas vezes. -Eu vim aqui essa noite porque quando você percebe que que quer passar resto da vida com alguém, você quer que o resto da sua vida comece o quanto antes...
E também. É cada um deles.
Tudo remete a ela. Até os que vocês não assistiram juntos.
Poema, então... A palavra, sozinha, já traz ela à mente.
Como eu te amo? Deixa-me contar as maneiras.
Eu te amo às profundezas e largura e altura
Que minh'alma pode alcançar... Ou...
Quantos amaram teus momentos de alegre graça,
E amaram tua beleza com amor verdadeiro ou falso
Mas um homem amou a alma peregrina em ti
E amou as tristezas de teu rosto que mudava... Ou...
Desejo tua boca, tua voz e teu cabelo.
Silente e faminto, eu vago as ruas.
Pão não me nutre, o amanhecer me perturba, o dia todo
Eu faço a medida líquida de teus passos...
E tudo bem, tu pensa.
Tudo bem porque afinal de contas, conectar amor e amor parece o caminho natural das coisas. Pensamentos de amor avivarem a presença do amor na tua mente, é simplesmente como as coisas são. Nada de extravagante nisso.
Mas aí, as conexões começam a se tornar mais estranhas... Mais vagas. Mais invasivas.
É quando um elástico pára em um formato qualquer em cima da escrivaninha... Quando a camisa que tu veste te lembra dela porque vocês gostam do mesmo super-herói. O desodorante que tu usa te faz lembrar dela porque ela sempre tem um cheiro gostoso. Almoçar te lembra dela porque vocês comeram quando se conheceram. Dormir te lembra dela porque vocês dormiram juntos. Acordar te lembra dela porque tu quer acordar do lado dela pelo resto dos teus dias...

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Resenha Cinema: Shazam!


Quando a Warner resolveu capitalizar em cima de seu universo cinematográfico compartilhado de super-heróis, aparentemente houve um comunicado que rolou entre os executivos falando algo que, em linhas gerais, se poderia reduzir a "menos humor".
A ideia, provavelmente, era se desvincular de comparação com o MCU, o universo cinemático da Marvel, sua maior concorrente, e surfar a muitíssimo bem-sucedida onda da trilogia das trevas de Christopher Nolan, com seus respectivamente excelente, perfeito, e ótimo filmes do homem-morcego em sua pegada mais colhuda e pé no chão.
O resultado foi Homem de Aço, uma reimaginação do Superman que jamais sorria e que era incapaz de impedir a devastação de sua cidade adotiva, Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, que transformou o cruzado encapuzado em um assassino em massa meio tacanho e o homem do amanhã em um dependente de Prozac, e Esquadrão Suicida que é algo do qual é melhor nem falar a respeito...
A maré começou a virar para a Warner com Mulher Maravilha, de Patty Jenkins, Um filme muito mais leve e colorido, com uma protagonista otimista e sorridente que apontou um caminho melhor para o estúdio com um estrondoso sucesso de público e crítica.
O resultado imediato foi o problemático Liga da Justiça, um filme do qual eu gostei, mas que jamais encontrou seu tom, tornando-se um Frankenstein entre o niilismo vazio de Zack Snyder e a pegada nerd de Joss Whedon que acabou tornando-se o maior fracasso do recém nascido DCUE. Mas o caminho já havia sido apontado, e o filme seguinte do selo, Aquaman, caminhava nos passos certos, tornando-se o maior sucesso financeiro da nova fase super-heroica do estúdio e sendo colorido, divertido e aventuresco como nenhum outro filme sob o selo da caixa d'água ainda ousara ser.
Após ter falhado em assistir ao filme do rei dos mares em tela grande, ontem consegui encontrar uma pré-estréia de Shazam! num horário razoável no cinema perto de casa, e, bom nerd que sou, toquei pra lá pra conferir o longa de David F. Sandberg (egresso do cinema de horror como o James Wan de Aquaman) a respeito do herói com a sabedoria de Salomão, a força de Hércules, a resistência de Atlas, o poder de Zeus, a coragem de Aquiles e a velocidade de Mercúrio.
Shazam abre com um flashback.
O ano é 1974 e o pequeno Thaddeus Sivana se dirige à festa de natal de seu avô ao lado do pai (o sumido Donald Glover, o Lionel Luthor de Smalville) e do irmão mais velho quando é transportado até a Pedra da Eternidade e confrontado com o mago Shazam (Djimon Honsou, fazendo Marvel e DC no mesmo ano) que o testa para ver se ele é digno de se tornar o campeão da ordem dos sete magos e proteger o mundo da influência dos Sete Pecados Capitais.
Quando falha em suportar a tentação, o pequeno Thaddeus volta ao carro do pai dando um chilique que culmina com um grave acidente automobilístico, e um convite das criaturas aprisionadas no santuário do mago: Encontre-nos.
Corta para os dias de hoje.
O jovem Billy Batson (Asher Angel) é o delinquente limpo e de cabelo bem cortado mais murrinha que encontraremos no cinema. Aos quatorze anos, ele vem fugindo de lares adotivos desde que se perdeu de sua mãe anos atrás e se tornou um encrenqueiro obstinado em reencontrá-la mesmo que seja à custa de seu registro juvenil e da saúde mental de todas as famílias que desistiram dele após suas fugas sucessivas.
É quando Billy conhece os Vasquez.
Victor e Rosa (Cooper Andrews e Marta Milans), pais adotivos sempre dispostos a receber mais um filho em seu lar modesto no subúrbio da Filadélfia (Sem Fawcett City, como nos quadrinhos, tornando Shazam o primeiro herói da DCUE sem sua própria cidade no cinema...).
Lá Billy conhece seus novos irmãos, a pequena Darla (Faithe Herman), o viciado em tecnologia Eugene (Ian Chen), o caladão Pedro (Jovan Armand), a estudiosa Mary (Grace Fulton) e o nerd Freddy (Jack Dylan Glazer) que compõe o multiétnico lar dos Vasquez.
Ainda que seja bem recebido, Billy não está interessado em acolhimento, mas em continuar sua busca por sua mãe biológica.
As coisas fazem uma curva para o mais estranho quando após anos e anos de pesquisa o agora adulto doutor Thaddeus Sivana (com a cara de Mark Strong, vivendo seu segundo vilão clássico da DC após sua correta interpretação de Sinestro no malfadado Lanterna Verde) consegue encontrar o caminho para santuário que visitara na infância e se unir aos Sete Pecados Capitais obrigando o enfraquecido Mago Shazam, a encontrar um campeão tão rapidamente quanto possível.
É quando Billy, após interceder em favor de Freddy em uma briga com valentões da escola é transportado até a Pedra da Eternidade e recebe a dádiva dos poderes de Shazam, invocadas ao proferir o nome do mago, tornando-se um enorme super-herói embrulhado em colante vermelho e dourado com a cara de Zachary Levi.
De volta ao nosso mundo, Billy, com a ajuda de Freddy, um connoisseur de super-heróis aficionado por Batman, Superman e Aquaman começa a conhecer seus poderes e tentar usá-los para seu benefício. Tudo acontece tranquilamente até Dr. Sivana, descobrindo a existência do (não tão) herói, partir em seu encalço para roubar-lhe os poderes e se tornar o único detentor da magia de Shazam no mundo, garantindo que não haja ninguém capaz de deter os Sete Pecados, e a única pessoa em seu caminho é Billy, se ele conseguir amadurecer o suficiente para usar seus novos poderes para algo que não seja sua própria diversão e lucro.
Eu não sou capaz de me lembrar de um filme de super-herói que possa ser descrito com essa palavra, mas Shazam! é adorável.
O longa escrito por Henry Gayden e Darren Lemke é fofo de maneira que outros longas de quadrinhos jamais ousariam ser, e isso faz todo o sentido para quem conhece o personagem nos quadrinhos.
O maior super-poder do Capitão Marvel (nome do personagem durante décadas até a DC se tocar que tinha um herói com o nome da maior rival em seu panteão) nos quadrinhos nunca foi necessariamente sua super-força, super velocidade, invulnerabilidade ou a capacidade de lançar relâmpagos das mãos ou voar, mas a inocência infantil de uma criança no corpo de um bólido que rivaliza em poder com o Superman (se duvida, leia a história de Paul Dini e Alex Ross Shazam - O Poder da Esperança).
O elenco afinadíssimo é outra boa sacada. Cada um dos filhos adotivos dos Vasquez é um de nós, ou o irmão que gostaríamos de ter, enquanto Victor e Rosa são aquele tipo de pessoa que simplesmente não existe de tão bons.
Mark Strong empresta ameaça e tormento a seu Dr. Sivana, fazendo-o um personagem malvado e trágico em certa medida, enquanto Asher Angel faz de Billy Batson um personagem relacionável e tem os momentos mais emocionais do filme, mas é a química entre Levi e Glazer a cereja do bolo de Shazam!.
Se individualmente os dois estão ótimos, com Glazer sendo a criança que tenta chamar a atenção para si e idolatra super-heróis que podem fazer tudo o que ele não pode, e Zachary Levi está excepcional em sua abordagem de Shazam, interpretando o personagem com a alegria de um fanboy numa loja de gibis sem fim, a relação dos dois é ouro puro, facilmente a melhor parte do longa.
As sequências em que os dois trabalham juntos para testar a extensão das habilidades de Billy em sua forma super-heroica são excelentes (o momento em que os dois vão à imobiliária procurar um esconderijo é particularmente absurda e hilária), e quando Freddy tenta imbuir Billy de um pouco de consciência heroica, é tocante que a relação dos dois jamais soe forçada ou cretina (ou seja, é a antítese da relação entre Peter e Ned em De Volta ao Lar).
Shazam! é um feel good movie de super-herói que jamais nos deixa envergonhados por nos fazer sentir bem, e sucede com uma pegada leve, divertida e encantadora que não caberia em nenhum outro personagem.
Sim, o filme tem seus defeitos, os Sete Pecados não são exatamente vilões interessantes, e visualmente não chegam a impressionar, Shazam não é tão parecido com Billy quanto poderia, o que pode atrapalhar já que, em teoria, Levi e Angel interpretam o mesmo personagem, e o terceiro ato segue a cartilha de todos os outros filmes de super-herói já lançados com a troca de murros entre o mocinho e o bandido, mas mesmo assim, o longa transborda tanto coração que esses defeitos não atrapalham em absolutamente nada a diversão que Shazam! proporciona, e mesmo esse embate final entre Shazam e Sivana, aliás, tem um dos momentos mais calorosos que eu vi em um filme de super-herói em todos os tempos, totalmente de acordo com a mensagem familiar do longa, e é repleto de participações especiais muito bacanas.
Esqueça aquele universo expandido DC soturno, escuro e cheio de angústia.
Mulher Maravilha, Aquaman e agora Shazam mostram que os fãs de quadrinhos mundo afora podem ficar tranquilos com relação à outra metade de seus personagens favoritos. A Warner também encontrou seu caminho.
Assista no cinema.

"-Qual o ponto de ter super-poderes se você não tiver com quem dividir?"

quarta-feira, 3 de abril de 2019

O Teaser de Coringa

Um dos projetos mais estranhos e promissores da DC/Warner ganhou sua primeira prévia oficial hoje.
Coringa, co-escrito e dirigido por Todd Phillips de Se Beber Não Case e Um Parto de Viagem e estrelado por Joaquin Phoenix ganhou um teaser trailer de pouco menos de dois minutos e meio que mostra a ambientação de época transformando Nova York em Gotham City e Arthur Fleck (Phoenix) sendo levado pelas tragédias da vida de amigável palhaço a criminoso agitador.
Confira:



A prévia inteira é excelente, e por mais que essa não seja a origem oficial do Coringa (eu francamente não sei se hoje em dia o Coringa tem uma origem "oficial" ou se a sugerida por Alan Moore no clássico A Piada Mortal ainda é a mais aceita), vale ressaltar que no universo DC, em geral, as histórias soltas com o selo Elseworlds (Túnel do Tempo na época da abril, como eu sou velho...) eram infinitamente superiores aos gibis que espocavam mensalmente nas bancas, que o digam coisas como As Quatro Estações, Cavaleiro das Trevas e O Reino do Amanhã.
O longa de Phillips que escreveu o roteiro ao lado de Scott Silver tem no elenco nomes como Zazie Beetz, Bill Camp, Frances Conroy e Robert De Niro tem estréia marcada para 3 de outubro.

terça-feira, 2 de abril de 2019

Resenha Série: Deuses Americanos: Temporada 2, episódio 4: The Greatest Story Ever Told


Bem, isso foi tremendamente decepcionante...
Após Muninn ser, de longe, o melhor episódio de Deuses Americanos na temporada, The Greatest Story Ever Told foi um repositório de todos os problemas que a série vem sofrendo em seu segundo ano.
Shadow é convocado para levar Quarta-Feira à uma reunião secreta em Saint Louis, todo esse segmento é, sem sombra de dúvida, o mais fraco de um episódio problemático. Shadow tenta arrancar algumas respostas de Quarta-Feira mas, como sempre, tudo o que recebe são enigmas e histórias.
Por mais que seja bacana a alegoria de como o dinheiro se tornou o grande deus do mundo após o primeiro embate por uma moeda, e que haja um ator de calibre interpretando Sr. Dinheiro (o veterano William Sanderson, creditado como O Guarda-Livros), ver mais um confronto verbal entre Mundo e Quarta-Feira tentando recrutar uma divindade para sua causa não é particularmente interessante à essa altura, especialmente quando isso já havia sido feito antes, e melhor. Ou alguém esqueceu como o episódio com Vulcan foi divertido?
Nem mesmo a cena de sexo entre Shadow e Bast (uma estonteante Sana Asad, exalando com sucesso uma sensualidade felina) traz algum tesão ao episódio já que, em se tratando de cenas de sexo, a ausência de Fuller e Green parece ter castrado o programa além de qualquer reparo.
O núcleo em Cairo, formado por Sr. Nancy, Bilquis e Sr. Ibis têm sua própria reunião, e ainda que seja mais um festival de falatório que não ajuda a trama a andar, ao menos tem um subtexto interessante a respeito da figura e do tratamento dispensado ao negro nos Estados Unidos, novamente, não é, nem de longe, tão poderoso quanto a primeira aparição de Anansi no porão do navio negreiro na primeira temporada, mas dá a Orlando Jones uma nova oportunidade de inflamar-se em um discurso racial válido, enquanto Sr. Ibis pode manter a calma e a frieza de quem nunca se considerou africano, conforme ele mesmo fala ao começo do episódio em uma rápida conversa com Shadow, e Bilquis... Bem, Bilquis continua sendo elusiva além do que é recomendável para um coadjuvante, mas ao menos parece conseguir uma fiel na forma da enlutada Ruby (Mouna Traore).
Do lado dos novos deuses, Tecnical Boy é enviado por Sr. Mundo em uma missão de suma importância para a guerra que se avizinha após falhar em cooptar Argos no capítulo anterior, e, após "demonstrar a própria obsolência", se vê do lado errado de uma querela com o patrão.
Talvez a parte mais interessante desse episódio tenha sido o CEO (Andrew Koji, André Dae Kim e William Sun, me levando a pensar se o mesmo personagem foi interpretado em diferentes fases da vida por atores de herança japonesa, coreana e chinesa ao longo do episódio...), que acompanhamos desde a infância em 1977, quando ele só queria saber de jogar Pong até ser interrompido por seu pai (Chil Kong) que desejava que ele aprendesse a amar música clássica, particularmente Bach. Nós acompanhamos o crescimento do personagem em um flashback que lembrou as saudosas vinhetas "Chegando à América" da primeira temporada, conforme ele crescia para se tornar um arauto do Technical Boy capaz de escrever programas de computador que podiam compor sinfonias.
A maneira como o personagem se desfaz daquele que fora seu único amigo e fonte de conforto ao longo da vida é uma amostra interessante da força e, ao mesmo tempo, da fraqueza dos novos deuses...
A questão é que o segmento com o CEO é muito curto para carregar um episódio de pouco menos de uma hora (contando o desnecessário resumo do capítulo anterior) nas costas, e The Greatest Story Ever Told tornou flagrante algo que já havia sido demonstrado de maneira mais discreta em Muninn: A importância que Mad Sweeney e especialmente Laura ganharam nessa nova temporada.
Eles se tornaram a melhor coisa em Deuses Americanos à revelia de quão ameaçador Sr. Mundo pode ser, e de quão charmoso Sr. Quarta-Feira é como fachada para seus rompantes de fúria divina e de o quanto nós somos capazes de nos importar com Shadow Moon...
Um episódio sem Laura e Sweeney, é um episódio incompleto, e em meio ao panteão de talentos e divindades à disposição, esse é um sinal de que algo está muito errado nos bastidores desse programa.

"-Ele não estava contente. Ele era um rebelde. Um encrenqueiro. Dizem que morreu por seus pecados, mas não é verdade. Ele morreu por ter enraivecido os homens no poder. Se recusou a ser intimidado. Controlado. E agora veja o poder que ele possui. A adoração que ele comanda. Ele sabia de algo."

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Resenha Cinema: O Predador (2018)


Desde 1987 entra ano, sai ano, a Fox tenta recriar o fenômeno que foi Predador, longa de ação/ficção científica dirigido pelo papa do gênero John McTiernan e estrelado por um dos maiores pilares do cinema que retratava o amor de um brucutu pelo seu trabuco, Arnold Schwarzenegger.
Predador foi o longa que empurrou os xenomorfos de Alien para o segundo degrau no ranking dos alienígenas mais maneiros do cinema ao mostrar um caçador interplanetário que via dizimar um bando de casca-grossas oitentistas como sua ideia de diversão.
O excelente longa daria origem a Predador 2, de 1990, um filme muito, muito menor do que o antecessor, a dois crossovers entre aliens e predadores, em 2004 e 2007, filmes tão ruins que não valem a película em que foram filmados, e ao correto mas nada memorável Predadores, em 2010. O alien com cabelo de regueiro e cara de crustáceo descansou por oito anos até ganhar essa nova encarnação pelas mãos de Shane Black, diretor/roteirista/ator que, nos primórdios de sua carreira fora uma das vítimas do predador original antes de entrar para os anais do cinema de ação ao escrever o roteiro de Máquina Mortífera, e do co-roteirista Fred Dekker (que cometeu o roteiro de RoboCop 3 junto com Frank Miller), seu associado de Deu a Louca nos Monstros.
O Predador não perde tempo para tocar sua história. O longa já abre com a espaçonave do Predador chegando à Terra, esbarrando com um satélite e caindo quase em cima da cabeça de Quinn McKenna (Boyd Holbrook), um atirador de elite das Forças Especiais do exército dos EUA em missão no México.
Quinn tem uma breve altercação com o Predador, e consegue incapacitá-lo usando tecnologia alienígena.
Sabendo como a banda toca para as forças armadas, Quinn apanha para si uma das manoplas e o elmo do Predador, e o envia para si próprio para ter prova do que aconteceu antes de ser capturado por agentes do governo. Entretanto, um atraso no pagamento do aluguel da caixa-postal faz com que os artefatos alienígenas sejam entregues na casa de Quinn, e recebidos por seu filho Rory (Jacob Tremblay), um jovem introspectivo com uma forma bastante funcional de autismo.
Ao mesmo tempo, a doutora Casey Bracket (Olivia Munn, porque o fato de uma morena ser extremamente gostosa não a impede de alcançar grandes conquistas acadêmicas), especialista em biologia é chamada para examinar o alienígena incapacitado por McKenna, de posse de Treager (Sterling K. Brown), um agente do governo dos EUA que coloca as mãos em qualquer coisa alienígena que caia na Terra.
Casey pede para falar com Quinn e Traeger concorda, fazendo com que o transporte onde o atirador de elite acabara de ser colocado para treslado até uma unidade psiquiátrica seja desviado para as instalações onde o alienígena está sendo mantido.
Esse transporte está cheio de militares com problemas psicológicos. O suicida em potencial Nebraska Williams (Trevante Rhodes, de Moonlight), o especialista em demolições Lynch (Alfie Allen, de Game of Thrones), o fuzileiro piadista Coyle (Keegan-Michael Key), o ex-soldado com síndrome de tourette Baxley (o ex-Justiceiro Thomas Jane) e o arauto do apocalipse bíblico Neetles (Augusto Aguilera), como era de se esperar, assim que esse transporte cheio de milicos destrambelhados chega à instalação, o predador alienígena escapa de seu confinamento, e em pouco tempo o grupo de lunáticos se junta à doutora Bracket para tentar impedir que o caçador espacial chegue a Rory para recuperar seu equipamento, alheios ao fato de que esse alienígena não é a maior ameaça interestelar em seu encalço.
Considerando-se tudo, O Predador não é o desastre que poderia ter sido, entretanto seu único feito dentro da franquia Predador é ser melhor que os crossovers com os Aliens.
Ainda que Shane Black não tente, em nenhum momento fazer sátira ou pastiche de filmes oitentistas, algo que poderia ser (mais) danoso ao longa, e se esforce para manter um ritmo ágil e enxuto para o longa se equilibrar entre a audiência gostar dos personagens e não ficar de saco cheio esperando que eles morram nas mãos dos alienígenas, a verdade é que pesar a mão em termos de alívio cômico está longe de ser a melhor das ideias.
Simplesmente não há senso de tensão no filme, os personagens não têm profundidade para gerar empatia e algumas coisas esticam a suspensão de descrença além do que o espectador está disposto a ceder mesmo em um filme sobre caçadores alienígenas na Terra.
As motivações do protagonista são justas, mas rasas e as motivações dos Predadores são um samba do caranguejo espacial doido que simplesmente não faz sentido.
Black & Dekker (Rá) apostam em convenções cinematográficas oitentistas, como a criança mais inteligente que os adultos ou os agentes do governo escrotos que se veem precisando da ajuda dos heróis para sobreviver, o que é um pouco rasteiro já que esses clichês ficaram no passado por uma razão, ao mesmo tempo em que se esforçam pra explorar tendências atuais, como a personagem feminina forte de Munn, que não faz muito sentido, OK, já estabelecemos que uma linda mulher pode ser uma cientista respeitada, mas ela ser capaz de manejar armamento militar, realizar prodígios físicos em pé de igualdade com fuzileiros treinados e à certa altura dar a impressão de ter os mesmos poderes de onipresença da Lois Lane de Amy Adams em Homem de Aço é forçar um pouco a amizade.
Por mais que o primeiro ato do filme transcorra de maneira satisfatória com um elenco carismático (que conta ainda com a linda Yvonne Strahovski e Jake Busey) sendo majoritariamente bem aproveitado por Black, conforme a trama caminha as coisas simplesmente vão perdendo o sentido e o gás.
O caçador de predadores, um super-predador de três metros e meio de altura, e os cães predadores são duas ideias imbecis que já não haviam funcionado no longa de 2010, a edição confusa do terceiro ato do longa com sua infinidade de recortes dando à audiência pouco mais que flashes do que está acontecendo é uma tremenda bola fora, e o encerramento do filme, tentando desesperadamente estabelecer uma sequência é tão equivocado que me faz torcer para que a Disney, nova dona do alienígena após a compra da Fox, arquive o Predador por alguns anos ou o dê de presente pro MCU usar como antagonista de algum filme de super-herói vindouro, tipo Deadpool versus Predador.
O Predador não é um filme horrível, mas é absolutamente descartável, e será mais um subproduto esquecido à sombra do original, que após vinte e dois anos segue sendo uma barra alta demais para ser ultrapassada por sucessores que parecem sistematicamente piores.

"-O que é que você me diz, parceiro? Consegue nos colocar lá dentro? Porque eu acho que não consegue.
-Bela psicologia reversa. Eu também sei fazer. Não vá se foder."