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terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Resenha Cinema: Ad Astra: Rumo às Estrelas


A ficção científica é um gênero literário/cinematográfico que foi sendo diluído pela cultura pop e tornando-se uma muleta que se presta a apoio de inúmeros outros gêneros e subgêneros. Da aventura divertida de longas como Perdido em Marte ao drama de A Chegada passando pela ação de O Exterminador do Futuro 2 ou o terror de Alien: O Oitavo Passageiro para elencar alguns dos melhores, até o festival de absurdos de Transformers, ou Independence Day: O Ressurgimento, ou todas as sequências de Jurassic Park, o que todos esses filmes têm em comum, é a presença de um elemento inicial que se inclina sobre o gênero que Júlio Verne e Isaac Asimov ajudaram a criar, onde a realidade da ciência é esticada para dar lastro à uma história fantástica.
O cinema tem sido há muito tempo uma casa tão confortável quanto a literatura para a ficção científica, provavelmente há alguma coisa de antes, mas vá lá, Metrópolis, de Fritz Lang remonta à era do cinema mudo, e já era uma ficção científica com todos os sinos e apitos demandados pelo gênero. E em anos recentes, não faltaram representantes do sci-fi nas minhas listas de melhores do ano até que, em 2018, eu não encontrei nenhum filme do gênero que me agradasse. Há quem possa esticar a corda e encontrar elementos de ficção científica tanto em Um Lugar Silencioso quanto em A Forma da Água ou até Vingadores Guerra Infinita (já que os quadrinhos e por consequência o cinema da Marvel sempre tiveram um perfil pseudo científico), mas enquanto havia um autêntico exemplar de ficção científica na minha lista de piores do ano (O Paradoxo Cloverfield), não houve nenhum na lista de melhores. Algo que estava acontecendo, também, neste ano, até domingo, quando assisti Ad Astra: Rumo às Estrelas, longa metragem co-escrito e dirigido por James Gray, o mesmo de Era Uma Vez em Nova York, Z: A Cidade Perdida e Os Donos da Noite.
O longa se passa em um futuro próximo, quando a humanidade expandiu os limites da exploração espacial até os limites do sistema solar. Durante uma missão de rotina em uma das enormes antenas orbitais internacionais que circundam a atmosfera terrestre, o major Roy McBride (Brad Pitt) sofre um acidente devido a uma série de pulsos energéticos de origem desconhecida.
Caindo da estrutura em direção à Terra, McBride consegue se manter acordado, e calmo o suficiente para realizar uma manobra que lhe permite não apenas sobreviver ao acidente, mas fazê-lo com danos mínimos. Imediatamente ficando conhecido como o sujeito cujo batimento cardíaco não ultrapassa 80 por minuto mesmo em situações de grande estresse.
Ser uma celebridade não é novidade para Roy.
Ele é filho de Clifford McBride (Tommy Lee Jones), pioneiro da exploração espacial, primeiro homem em Júpiter e em Saturno e cuja famosa missão Projeto Lima, perdeu contato e foi declarado morto dezesseis anos atrás. Roy está habituado a ser saudado como o filho da lenda, ainda que, sob diversos aspectos, seu pai fosse alguém a quem ele mal conheceu.
Após sair do hospital Roy é procurado pelos cabeças da SpaceCom, braço militar da exploração espacial, e informado de que seu pai, na verdade, pode estar vivo, e ser o responsável pelos pulsos energéticos que têm causado destruição e morte na Terra. Com isso em mente, a SpaceCom deseja enviá-lo a Marte, de onde ele poderá mandar uma mensagem capaz de alcançar Clifford na base do Projeto Lima, na órbita de Netuno, e tentar confirmar a sobrevivência do comandante da malfadada missão.
Roy aceita de imediato, sendo colocado em um voo comercial rumo à Lua, de onde será enviado a Marte para enviar a mensagem a seu pai.
Em cada parada de seu caminho, porém, Roy é confrontado com novos conhecimentos a respeito da verdade por trás de seu pai. A primeira advertência parte do ex-colega de seu pai, coronel Pruitt (Donald Sutherland) inicialmente designado para acompanhar Roy na missão, o segundo aviso, muito mais grave, vem de Helen Lantos (Ruth Negga), nativa de Marte que revela uma verdade que leva o protagonista a uma jornada de descoberta que o levará até os confins do sistema solar, não apenas em busca de seu pai, mas de si próprio.
Ad Astra não é pra todas as audiências, ele está longe de ser um filme para agradar o pessoal que eu ouvi se queixar que "não entendeu nada" ou que "é parado demais, horrível", mas é um puta filme.
A ficção científica está repleta de histórias a respeito de pessoas que viajam aos confins do universo em busca de alguma coisa apenas para encontrarem verdades a respeito de si próprias, e Ad Astra é um excelente exemplar desse tipo de ficção científica mais cabeça. O longa está muito mais pra Solaris (um filme do qual eu não gosto de nenhuma das duas versões) do que para Interestelar, mas tem tanto a dizer abaixo de sua superfície, a respeito de como nos tornamos nossos pais, ou como estamos desperdiçando nossa vida esperando pelo olhar de um Deus ausente, que é difícil não querer se levantar a bater palmas quando o filme acaba.
A narrativa repleta de nuances é ancorada por uma atuação classe A de Brad Pitt e uma parte técnica de encher os olhos tornando Ad Astra um dos melhores filmes de 2019.
O subtexto religioso do longa é flagrante (especialmente para ateus que o procurem com mais vontade) na própria premissa do Homem vagando pelo céu em busca de seu Criador, mas jamais se torna invasivo a ponto de roubar a escala humana do filme. O longa jamais deixa de ser a respeito de Roy procurando por seu pai que o abandonou, e James Grey garante que jamais percamos isso de vista pois por mais grandioso que seja o Espaço que ele cria para Roy viajar através, o foco da câmera constantemente está no rosto do protagonista. Em seus gestos. Em seu olhar.
Seu olhar, por sinal, norteia o longa, pois o roteiro do próprio Grey e Ethan Gross nos mantém presos a Roy. Nós só vemos o que ele vê. Nós só sabemos o que ele sabe, e isso torna a escala do filme imensa e ao mesmo tempo, absolutamente pessoal, o que não é um coelho fácil de tirar da cartola.
Ancorando Ad Astra de cabo a rabo, está Brad Pitt, que carrega o filme com uma das mais sutis performances de sua carreira, capturando o peso emocional e físico de sua jornada. O fato de o ator evitar saídas fáceis, optando sempre por tentar ocultar emoções ao invés de mostrá-las, torna sua performance particularmente complexa.
Na parte técnica, vale menção a brilhante fotografia de Hoyte Van Hoytema, que brinca com o uso da paleta de cores para separar seus cenários, do quase preto e branco da lua ao laranja ferrugem de Marte ao azul pálido da órbita de Netuno, tudo isso enquanto equilibra os contantes closes em Pitt com tomadas abertas da vastidão do cosmos, e a trilha sonora sinistra de Max Richter, que consegue ser grandiosa e assustadora na mesma medida.
Conforme eu disse antes, Ad Astra não é filme para todas as audiências. Se a indústria fosse justa para com os filmes, Transformers teria naufragado nas bilheterias já a partir do segundo filme da série e Blade Runner 2049 teria sido um tremendo sucesso de público, mas com sorte o longa receberá o reconhecimento tardio que parece reservado a alguns filmes que são ambiciosos demais.
O longa de James Grey pode ser uma ficção científica futurista mas sua mensagem a respeito da busca por significado nos lugares errados é atemporal. Eu passei a maior parte de Ad Astra tentando me decidir se eu estava gostando do filme ou não, até que, no final, em suas últimas cenas, o longa realmente me tocou de uma maneira que eu não poderia antecipar.
Então, dê uma chance a Ad Astra, e seja paciente com ele.
É o tipo de filme que coloca "arte" na Sétima Arte.

"-Ele capturou estranhos e distantes mundos em detalhes maiores do que jamais fora feito. Eles eram lindos e magníficos... Cheios de espanto e maravilhamento. Mas sob suas superfícies sublimes, não havia nada. Sem amor ou ódio. Sem luz ou trevas. Ele só podia ver o que não estava lá, e perdeu o que estava bem diante dele."

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