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segunda-feira, 10 de junho de 2019

Resenha Mini-Série: Belas Maldições


De modo geral, Neil Gaiman sempre vale uma espiada. Seja nos quadrinhos, na literatura, no cinema ou na TV.
O Sandman do escritor britânico é uma das obras fundamentais da nona arte, sem entrar em seus best sellers mais óbvios, como Deuses Americanos ou Os Filhos de Anansi, na compilação O Príncipe de Westeros, o conto de Gaiman "Como o Marquês Recuperou seu Casaco" é o melhor do livro, sua interpretação do poema épico Beowulf se transformou em um interessante filme de Robert Zemeckis, e a já citada Deuses Americanos se transformou em uma série com uma primeira temporada espetacular (não vamos falar da segunda).
Foi justamente o nome de Gaiman que despertou meu interesse por Good Omens, no Brasil, Belas Maldições, adaptação televisiva do livro co-escrito por Gaiman e Terry Pratchett em 1990.
À autoria do escritor de 1602, juntaram-se os nomes dos ótimos David Tennant e Michael Sheen como os protagonistas e um estrelado elenco de coadjuvantes contando com gente como John Hamm, Michael McKean, Miranda Richardson, Frances McDormand, Brian Cox, Mireille Enos e Benedict Cumberbatch, além da co-produção da Amazon, que andou tirando do papel filmes e séries bem interessantes nos últimos anos.
Na trama conhecemos o anjo Aziraphale (Sheen) e o demônio Crowley (Tennant), que se conhecem no dia em que Adão e Eva são expulsos do Jardim do Éden e formam uma improvável amizade que se estende por milênios.
Os dois se habituam à vida na Terra e formam uma parceria onde, por conveniência, muitas vezes um dos dois faz o próprio trabalho e o do outro (ou seja, Crowley, por vezes inspira atos de bondade nos mortais, enquanto Aziraphale espalha tentações).
A amizade e a própria existência da dupla, porém, se torna ameaçada quando Crowley é honrado (em grande parte por mentir descaradamente em seus relatórios) com a tarefa de entregar o anti-cristo ao casal de embaixadores norte-americanos que devem criá-lo até que ele tenha idade para dar início ao seu reinado de terror e começar o armageddom, a guerra entre Céu e Inferno que destruirá a Terra.
A questão é que Aziraphale e Crowley se habituaram a viver como mortais na Terra, e não estão dispostos a abandoná-la sem resistir, ainda que discretamente. Quando o estratagema dos dois eventualmente falha por conta de um equívoco das freiras infernais incumbidas de trocar os bebês, porém, Crowley e Aziraphale precisam arregaçar as mangas e sujar as mãos para impedir o fim do modo de vida que aprenderam a amar.
...Ah, sim, e salvar a humanidade, também.
Com seus seis episódios dirigidos por Douglas Mckinnon e roteirizados pelo próprio Gaiman, Belas Maldições sofre com alguma irregularidade.
Se o primeiro episódio, No Começo é excelente, e se encerra deixando gostinho de quero mais, o segundo, O Livro, que introduz Boaf e Acuradas Profefias de Agnes Nutter, Bruxa, compilação de previsões da bruxa Agnes Nutter, sua descendente Anathema Device (a bela morena Adria Arjona), além do caçador de bruxas Não Cometerás Adultério Pulsifer e seu descendente Newton (ambos Jack Whitehall), o Sargento Encontra-Bruxas Shadwell (McKean) e Madame Tracy (Miranda Richarson), mais a cavaleira do apocalipse Guerra (Enos) e mais outros coadjuvantes da série, é excessivamente inchado e deixa claro que a série funciona sempre que Crowley e Aziraphale estão em cena, mas não tanto quando eles não estão.
E isso não é porque os demais atores sejam ruins, há muitos ótimos atores no elenco de apoio, de John Hamm (interpretando uma hilariante versão do arcanjo Gabriel) a Michael Mckean e Mireille Enos, mas a verdade é que esses personagens, primeiro, não ganham o tempo de tela necessário para se desenvolverem e irem além de acessórios do roteiro, e segundo, não têm o carisma de Tennant e Sheen.
No terceiro episódio, Tempos Difíceis, isso fica extremamente claro.
O episódio abre com uma cold opening de quase meia hora mostrando o desenvolvimento da amizade de Aziraphale e Crowley ao longo de milhares de anos, dos tempos do Dilúvio até os anos dias de hoje passando pela Roma antiga, as peças de Shakespeare, a Revolução Francesa e a Segunda Guerra Mundial, e é, de longe, um dos melhores momentos de toda a temporada porque vemos os intérpretes em cena o tempo todo.
O elenco infantil não chega a ser ruim, de forma alguma, mas as crianças são particularmente importantes ao final da trama, e, da mesma forma que outros coadjuvantes (os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, por exemplo, que têm visuais muito bem sacados mas são pouco mais que acessórios), teria sido interessante ter descoberto mais a respeito deles, um pouco mais de background e personalidade.
Os efeitos visuais estão longe de serem excelentes, e, muitas vezes, parecem saídos dos episódios de Doctor Who por sua precariedade bem-intencionada, mas estão longe de ser um problema terrível, assim como as mudanças bruscas de tom, que nem sempre favorecem a narrativa, apesar de seus defeitos, porém, Belas Maldições se segura com seus acertos.
O visual de demônios e anjos, as representações do Céu, como um imenso espaço branco decorado de maneira minimalista, e do inferno como uma repartição pública dilapidada, mas, especialmente, em seus protagonistas.
Michael Sheen e David Tennant estão simplesmente perfeitos em seus papéis, e quando chegamos ao final do último episódio, sabemos que a série poderia ter sido melhor com mais episódios, episódios mais longos, ou até uma segunda temporada (A lição de Game of Thrones de que, por vezes, desenvolvimento seria melhor que concisão) fosse para termos tido um insight melhor dos coadjuvantes, fosse apenas para passarmos mais tempo com Crowley, o demônio totalmente descolado com pinta de roqueiro blasé ocultando um bom-coração, e Aziraphale, a epítome do bom-moço com um fraco por vinhos e boa comida.
Apesar de seus percalços, Belas Maldições é um programa maneiro para o final de semana. Um bom exemplar da prosa mais levinha e descompromissada de Neil Gaiman trazida à vida por uma equipe que, se não tinha à mão todos os melhores recursos, fez muito bom uso daqueles de que dispunha.

"-Nós não somos amigos. Eu sou um anjo. Você é um demônio, eu nem gosto de você.
-Você gosta..."

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