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terça-feira, 4 de julho de 2017

Resenha Filme: Okja


Eu não estava lá muito ligado em Okja, filme do diretor sul-coreano Joon-Ho Bong, mesmo de Expresso do Amanhã, e esbarrei com ele meio ao acaso enquanto vasculhava a Netflix em busca de algo para ver sábado à noite (aliás, cheio de filmes bons e novos no catálogo do serviço. Até o último Homem, Lion, e o vencedor do Oscar Moonlight).
Resolvi assistir ao longa pelo breve trailer que se desenrola quando colocamos o cursos sobre o título, sem saber ao certo o que me esperava, e acabei me deparando com um dos melhores filmes do ano, até aqui e, certamente, a melhor produção original Netflix que eu já assisti.
O longa escrito por Bong e Jon Ronson narra a história de Mija (An Seo Hyun), e seu mascote, um enorme animal que sugere uma mescla entre um hipopótamo e um porco, a quem ela chama Okja.
Mija, que é órfã, vive com seu avô numa porção de floresta tropical montanhosa nos confins da Coréia do Sul, passando por todo o tipo de aventuras junto com sua melhor amiga. Okja e Mija se conhecem desde a tenra infância quando o avô da menina, Heebong (Byun Hee-Bong) foi agraciado com a missão de criar um dos vinte e seis super-leitões encontrados no Chile pela multinacional Mirando.
Cada um desses fazendeiros receberiam a honra de criar um desses super-leitões por dez anos, e, ao final desse período, o melhor super-porco seria o escolhido para iniciar uma nova linhagem de animais para abate, que seriam o carro-chefe da empresa no ramo alimentício por anos vindouros.
Mija, porém, pensa que seu avô comprou Okja da Mirando em pequenas prestações, ignorando o fato de que seu tempo ao lado do animal está se esgotando. Por isso é um grande choque para ela quando os representantes da Mirando chegam à fazendola para recuperar Okja.
Mija ignora os avisos de seus avô, de que o animal pertence à companhia, e despreza o pequeno porco de ouro que o ancião lhe comprou ao descobrir que não poderia adquirir Okja, e pega suas economias seguindo para Seul para tentar recuperar sua amiga.
Em sua viagem para tentar resgatar Okja, o caminho de Mija se cruza com o da FLA, a Frente de Liberação Animal liderada por Jay (Paul Dano), que planeja equipar o sistema de bio-monitoramento de Okja com uma câmera clandestina de modo a revelar ao mundo a verdade por trás dos super-porcos da Mirando, que não são criaturas descobertas, mas animais geneticamente modificados em laboratório, que passam por sevícias cruéis nas instalações da companhia nos EUA, muito na contramão das promessas da diretora da empresa, Lucy Mirando (Tilda Swinton), que considera todo o seu estratagema "mentirinhas inocentes", usadas para enganar ativistas dos direitos dos animais e os consumidores que não têm interesse em comer carne geneticamente modificada.
Mija, então, segue sua porca gigante até Nova York, onde suas chances de resgatar Okja se tornam cada vez mais minguadas à medida em que elas contrariam os interesses dos altos escalões corporativos que investiram dinheiro e esforços na criação de Okja, e não estão dispostas a abrir mão do lucro que a nova raça poderá render.
Ao contrário do que o grande animal criado através de CGI e animatrônicos poderia sugerir, Okja está longe de ser um filme pra crianças.
Na verdade, mesmo adultos mais sensíveis podem ficar chocados com certos segmentos do filme, ainda que jamais haja choque pelo choque, ou sequer imagens gráficas além da medida.
Todos os momentos mais chocantes do longa, que ocorrem no seu terceiro ato, em cenas passadas nos abatedouros da Mirando, e estão diretamente ligadas ao destino de Okja, sem jamais serem gratuitas, entretanto, como à essa altura a audiência já foi carregada pra dentro do filme, e está completamente envolvida com a missão de reunir a super-porca e Mija, acaba sendo difícil não se sentir atingido quando Mija anda por corredores de concreto e azulejos manchados de sangue numa ambientação que emula um filme de horror, ou nos campos ao redor do abatedouro que praticamente gritam "Campo de Concentração".
É surpreendente quanta coisa o ambicioso roteiro de Okja seja capaz de englobar em uma história que pode ser resumida de maneira tão simples e breve.
O longa trata da ética do consumo de produtos de origem animal e do limite para a crueldade com animais, de responsabilidade corporativa, tudo isso sem jamais perder o foco da relação entre Okja e Mija, que propulsiona o filme ao longo de suas duas horas, e nem deixar que o panfleto óbvio suplante a história que o longa deseja contar.
Ainda que haja algumas escolhas equivocadas, como ignorar a faceta de fanatismo de Jay para com sua missão (Perdendo a oportunidade de explorar melhor o talento de Dano, que é brilhante nesse tipo de trabalho), Okja se segura com tranquilidade no seu desenvolvimento, graças ao talento de Bong para conduzir tanto a ação quanto o drama e a comédia.
Com isso, Okja consegue ser um filme que passa longe do final feliz tradicional, sem arrancar o coração da audiência pelas tripas como o longa de um cineasta menos hábil poderia se sentir tentado a fazer.
Equilibrando-se em uma narrativa segura, com um trabalho de edição acima da média (a sequência da perseguição no shopping subterrâneo em Seul testemunha a habilidade dos editores Meeyon Han e Yang Jin-Mo), fotografia de primeira (de Darius Khondji) e trilha adorável (de Jaeil Juing) e um elenco que ainda conta com Lilly Collins, Steven Yeun, Jake Gyllenhaal, Shirley Henderson e Giancarlo Esposito, Okja é um desses filmes calorosos sobre laços de confiança, mas consegue sê-lo sem se vender ou abrir mão do peso da mensagem que deseja passar, quer concordemos com ela, quer não.
No final das contas, quando Mija sussurra no ouvido de Okja, todos poderemos nos sentir mais confortáveis, não importa por quais horrores tenhamos passado.

"-Eu amo todas as criaturas da existência, mas você está se esforçando pra ser a primeira exceção."

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