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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Medo e Vergonha



O professor desceu a lomba a passos rápidos e hesitantes. Parou em frente ao prédio, uma casa de três pisos à margem da calçada de uma insuspeita rua residencial tranquila nos limites do centro da cidade, respirou fundo e tocou a campainha.
O breve período entre o soar da sineta e o ruído da porta sendo destrancada por dentro, breves segundos, bastaram para ele pensar em ir embora.
"Não tem ninguém. Estão todas ocupadas".
Mas, o tempo foi demasiado curto para ele empreender sua fuga, logo após o ruído da fechadura, a porta se abriu e um rapaz moreno, com os cabelos raspados na lateral e alisados no alto da cabeça surgiu.
-Pode entrar. - Disse, amigável.
O professor hesitou brevemente, mas, termendo que alguém o visse na entrada da casa, e soubesse de que se tratava o endereço, resolveu entrar logo.
Adentrou o prostíbulo olhando em volta como se fosse um negro invadindo de penetra uma festa da Ku Klux Klan.
O ambiente não tinha nada de assustador ou fetichista. Era apenas uma sala de estar contígua a um estreito hall de entrada. O piso, de parquê marfim, fê-lo lembrar da casa da avó. O sofá de couro branco desgastado não parecia um convite ao pecado, e a música, Ryhanna entoando Only Girl em altíssimo volume, não era nada de muito diferente do que ele estava acostumado a ouvir saindo dos MP3 players dos seus alunos.
O rapaz, muito solícito, perguntou se ele tinha marcado com alguma menina.
-Não... Não marquei nada com ninguém. Se não tiver ninguém disponível eu volto outra hora... - Disse o professor, virando as costas em direção à porta de saída.
Foi, porém, detido pelo rapaz que o recepcionara:
-Não, não... Têm meninas disponíveis. E rapazes... O senhor quer ver rapazes ou meninas?
O professor ficou olhando pra ele um instante, decidindo se deveria sentir-se ofendido, ou não.
-Meninas. Só meninas. - Disse em um balbucio.
O rapaz se prontificou a guiá-lo até a suíte. Um quartinho de dois por dois metros com um pequeno banheiro contíguo. Havia uma cama de casal coberta com lençóis emulando a pelagem das zebras, um criado-mudo sobre o qual repousavam lenços umedecidos, preservativos, lubrificantes à base d'água e acessórios eróticos diversos e um televisor preso à parede onde um homem e uma mulher realizavam uma performance sexual típica dos filmes pornográficos: Acrobática, explícita, e minimamente erótica.
O rapaz voltou após alguns minutos dizendo:
-A Rainha já vem, se o senhor quiser, pode ir tomando banho. - E largou uma toalha enrolada sobre a cama.
O professor ficou apreensivo. "A Rainha"? Como assim "A Rainha? Qual Rainha? Ficou pensando na rainha da Inglaterra, a Elizabeth, e não gostou da imagem mental. Depois pensou na Helen Mirren, e aí se animou. A Helen Mirren é extremamente sexy. Tomou banho, teve cuidado especial em lavar as partes íntimas. Após o banho, secou-se e começou a vestir as roupas até dar-se conta de que não precisaria delas no que estava por vir. Andou nu até a cama e sentou-se, olhando o filme pornográfico que passava na TV.
Sentiu-se envergonhado de toda a situação. Ele, um homem adulto, um educador, ali. Nu em um lugar desconhecido, prestes a trocar dinheiro por alívio sexual com uma desconhecida completa que obviamente não se sentia nem remotamente excitada por ele. Que tipo de pessoa ele havia se tornado?
Na verdade, que tipo de pessoa o divórcio o havia tornado?
Antes de sua esposa e ele terminarem um relacionamento de anos ele jamais teria se sujeitado à quilo. Jamais teria ido para a internet em uma janela de navegação anônima do computador do serviço pesquisar prostitutas nas imediações de seu local de trabalho. Jamais.
Ele não era assim. Era um bom homem. Um homem correto, respeitador, educado, razoavelmente inteligente e bem informado.
Além disso era um sujeito romântico. Que gostava dos pormenores da relação homem-mulher. Que sentia prazer no flerte, na ostentação do sentimento, no dormir abraçadinho, nas preliminares e em dar prazer à mulher a quem amava tanto quanto no ato sexual em si.
E agora... Agora, por solidão... Por despeito, talvez, ali estava ele, prestes a manchar a si próprio, a pessoa que era, em nome de trinta minutos de prazer carnal?
Não parecia certo. Não parecia correto. Não parecia algo com que ele pudesse conviver.
Resolveu desistir da perfídia vespertina que se avizinhava.
Levantou-se da cama e pôs-se à vestir as cuecas. Foi quando a porta se abriu.
O professor, antes de se virar, já começara a ensaiar o discurso de desculpas. Ao terminar de vestir a roupa de baixo, encarou quem acabara de entrar. Uma morena quase da sua altura, cabelos negros encaracolados que chegavam ao meio das costas. Cintura fininha, seios do tamanho certo para suas mãos, pernas quilométricas, vestindo um conjunto de lingerie rendada púrpura e negro transparente deixando todas as partes certas parcialmente à mostra no lusco-fusco do quarto.
Ela deu oi, e imediatamente se virou, tirando a calcinha e o sutiã, não teve jeito. O corpo respondeu à visão, e toda a sua determinação se esvaiu com o sangue que lhe abandonou o cérebro da se alojar temporariamente mais ao sul de seu corpo.
"Pro inferno com as convenções sociais", pensou. "Essa é só uma transação financeira igual a qualquer outra", "ela e eu somos adultos e, de comum acordo, aceitamos essa situação e essa breve conjunção carnal"... Todas essas conjecturas lhe passaram pela cabeça na fração de segundo entre a visão da bunda da jovem e o momento em que ela se virou novamente para ele e após olhá-lo brevemente, fechou um olho e perguntou:
-Tu não é professor?
Ele engoliu em seco e perguntou:
-Tu é minha aluna?
-Não - Ela respondeu, rindo. -Mas te achei com cara de professor de português.
Uma onda de alívio, somada a uma brochada épica. Mesmo com aquela mulher linda, nua, a pouco mais de um metro dele, o cagaço fizera seu serviço.
Disparou o discurso de desculpas, que aquele não era ele, que ela era muito bonita mas ele não podia fazer aquilo, se ficava devendo alguma coisa pelo banho que tomara... Ante a compreensão da jovem, terminou de se vestir, juntou seus livros e saiu do puteiro com a honra razoavelmente intacta e uma certeza:
Quando a fibra moral da vergonha faltar, sempre se pode contar com o medo.

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