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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Cachorro-Quente


Ele terminou de comer o cachorro quente e, ato contínuo, segurou o saquinho plástico que embalava o lanche por uma ponta, deixando a outra na altura da boca, e chupou, quase sem ruído, o conteúdo. Satisfeito, e ainda mastigando a papa de queijo ralado, molho de tomate, ervilhas maionese e milho, limpou a boca a barba e o bigode com o guardanapo de papel.
Ao terminar o ritual, olhou pro lado e percebeu a cara de reprovação dela, olhando pra ele.
-Que foi, alemoa? - Ele perguntou.
-Sério... - Ela disse, como que tomando forças pra continuar - Isso é muito nojento...
-O quê? - Ele quis saber, já começando a rir. -Chupar o plástico do cachorro-quente?
-É! - Ela confirmou, ainda enojada.
Ele continuava rindo.
-Capaz, guria. Chupar o saco plástico do cachorro-quente é... Nem sei. É o padrão. O habitual. É um gesto espontâneo de repulsa ao desperdício... Tu já viu a quantidade de coisas boas que ficam no fundo desse plástico?
-Eu concordo com a parte de ser um "gesto espontâneo de repulsa", mas pára por aí. Que nojo...
Ele deixou ela comer mais um pouco, enquanto tomava um gole da sua Fanta. Assim que engoliu o refrigerante disse:
-Quando tu terminar de comer me dá o teu plástico...
-Ai, que nojo! Não dou, mesmo!
Ele riu tanto que ela não aguentou e começou a rir, também.
-Que coisa mais nojenta, isso... - Ela assomou, ainda rindo um pouco. -Que mais tu faz de nojento assim que eu não sabia?
-A gente devia ter ido ao Subway, mesmo... Se eu soubesse que tu ia ficar tão chocada por causa do plástico do cachorro-quente... - Desconversou ele.
-Não, sério... - Ela protestou. -Eu não cheguei a pegar essa fase de perceber teus hábitos nojentos enquanto a gente namorava... Agora fiquei curiosa...
-Eu não acho que eu tenha hábitos nojentos...
-Tu acha que não tem, mas eles são nojentos, chupar o plástico do cachorro-quente é muito nojento... Tu lambe tampa?
Ele riu. Não havia entendido.
-Como assim "lambe tampa"? Isso parece nome de líder tribal. Poderoso chefe Lambetampa.
-Tipo, tampa de iogurte, de flã, tu lambe a tampa depois que tu abre?
Ele percebeu que era uma pergunta capciosa, mas resolveu responder.
-Só se estiver suja do que tem dentro...
-Ai, Ned, que horror!
-Mas o quê, criatura? Tu quer que eu desperdice o negócio que eu comprei? Eu, não.
-Mas isso é asqueroso! Imagina se a gente mora junto, compramos um iogurte, antes de tomar eu vou agitar a garrafa e lá vai o iogurte bater na tampa cheia da tua baba! Fica tudo contaminado com a tua saliva.
Ele ficou olhando sério pra ela. Que sustentou o olhar dele por alguns instantes, até não aguentar e perguntar:
-Que foi...?
Ele, ainda sério, ergueu a sobrancelha esquerda bem alto e respondeu:
-Se nós chegássemos a morar juntos, suponho que tu não teria tantas reservas com relação à minha saliva.
Ela enrubesceu.
-Ah... Mas... Ah. Ah, tu me entendeu.
Ela, ainda vermelha, continuou comendo seu lanche e bebendo sua Coca-Cola, quando terminou, começou a amassar o embrulho, mas ele a deteve com um gesto.
-Sério, me dá o plástico, olha só, tem quase outro cachorro-quente, aí, e ao contrário de ti, eu não sou cheio de melindres.
-Que melindres? Eu só sou limpinha, não vou te deixar chupar o meu plástico.
Ele começou a rir, ela, ao dar-se conta de porque ele estava rindo, começou, também.
-Ah, quer saber, chupa meu plástico, vai. Chupa ele todo. - Rendeu-se.
Ele, apanhando o embrulho, a repreendeu:
-Não seja agressiva, que assim eu não curto. Sou um cara delicado.
Sorveu a maionese o molho, o queijo ralado, o milho e a ervilha do plástico do lanche dela, em muito menos quantidade do que havia no dele. Ela era mais cuidadosa, jeitosa para comer. Limpou-se com o guardanapo de papel e jogou todo o lixo no cesto próximo.
-Satisfeito? - Ela quis saber.
-Sim. - Ele respondeu. -E tu? Comida?
Ela deu um suspiro de insatisfação como quem diz "nhé". Os dois riram.
Ele ofereceu o braço pra ela, que aceitou, ele abriu seu guarda-chuva gigante, apelidado de Batman, e se pôs a andar com ela colada a si. Ela perguntou, maliciosa:
-Que outras coisas tu fica lambendo por aí?
-Nem te conto. - Ele respondeu, também malicioso.
Para então concluir:
-Sabe o achocolatado Brown Cow? Toda a vez que eu sirvo aquilo, eu dou uma lambida generosa no bico dosador.
-Que inveja desse bico dosador. - Ela respondeu ao pé do seu ouvido, mordiscando-lhe o lóbulo da orelha.
Ele, arrepiado e enrubescido, a olhou de esguelha, sorrindo vencedora.
Não adiantava.
Ainda estava pra ser inventado um jogo no qual ela não fosse irremediavelmente melhor do que ele.

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