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quinta-feira, 28 de maio de 2015

Confusão


Estavam deitados na cama dela. Os dois atravessados, mas em sentido oposto, de modo que as cabeças de ambos ocupava mais ou menos o mesmo lugar no centro da cama enquanto as pernas dele estavam esticadas pra esquerda da cama, e as dela, pra direita.
Ouviam música, Sultans of Swing: The Very Best of Dire Straits rodando no DVD, Money for Nothing. Ele batia com os pés no chão no ritmo da música, ela cantarolava e dançava apenas mexendo com a cabeça no colchão enquanto cantarolava.
-We gotta move these refrigerators, we gotta move these color TV-eeeeeeeeeeeeeeeeeeeees...
Sem aviso, ela parou, e ele, que tinha os olhos fechados e beirava um cochilo, supôs que ela tivesse dormido, e abriu os olhos apenas para se deparar com ela o encarando, muito séria, enquanto continuava movendo os lábios na letra da música.
Ele sorriu pra ela, que lhe mandou um beijo. Ele correspondeu, mandando-lhe outro beijo, então voltou a encarar o teto.
Ela falou:
-E no mais? Tudo bem?
Ele, fechando os olhos, confirmou com um resmungo:
-Arram.
-Que bom. - Ela aquiesceu.
Mas ele se remexeu, deitado-se de lado sobre o própria flanco, e equilibrando o rosto sobre o punho.
-Me deixa te perguntar uma coisa...
-Deixo. - Ela concordou, olhando pra ele.
-Eu sou inacessível, né? - Ele perguntou como quem já sabe a resposta.
-Sim. - Ela concordou. -É uma das tuas características...
-Tá... E isso é meio desalentador, né? Pra quem tenta se aproximar de mim... - Ele conjecturou.
-Um pouco. - Ela disse.
-É... Eu sei...
Ele se deixou tombar sobre as costas novamente, voltou a encarar o teto. Juntou as mãos sobre o estômago, começou a tamborilar os dedos.
-Por que? - Ela quis saber.
-Por que o quê? - Ele tergiversou.
-Por que, de repente, essa preocupação? - Quis saber ela, incisiva.
-Não é preocupação... Só... Sei lá... Eu não tô entendendo algumas coisas. É tudo meio inconstante nesse momento da minha vida, e eu tenho essa sensação de que é minha culpa. - Ele confessou, ainda deitado de barriga pra cima.
Foi a vez de ela se mexer e se pôr de lado.
-Hmmm. E por "tudo" tu quer dizer...?
-É. Isso mesmo. - Ele confirmou.
-E por inconstante...? - Ela encorajou.
Ele riu.
-É como Eu Não Entendo, do Nenhum de Nós...
-Ah... - Ela entendeu. -Isso é ruim. Mas é isso, mesmo? Não é só uma...
-Uma percepção torta de minha parte? - Ele arriscou.
-Isso. - Ela confirmou.
-É possível. Por isso eu fico meio deslocado. Se eu tivesse certeza de uma coisa ou outra, não tinha problema. Era mais fácil lidar com o que quer que fosse. Mas do jeito que tá, eu fico sem saber o que fazer. Tem vezes em que a gente conversa, relembra o passado, fala de sexo, de cinema, de quadrinhos, da vida em geral, e é muito bacana, e eu fico ansioso pela próxima vez em que vamos conversar... E aí, a próxima vez não chega, e eu fico sem saber o que fazer, se eu faço um movimento, ou não, se vou estar sendo inconveniente, se vou estar atrapalhando... E ao mesmo tempo eu não sei se os intervalos são largos assim por minha causa, porque eu sou inacessível, ressabiado, cheio de não-me-toques, e eu demando esse tempo sem perceber por causa das minhas ações... Então... - Ele olhou pra ela e sorriu - É uma bosta. - Concluiu.
Ela continuou olhando pra ele.
-Pega teu celular. - Disse.
-Pra quê? - Ele perguntou.
-Manda uma mensagem. - Ela disse. -Manda e vê quanto tempo ela leva pra te responder.
Ele fechou um olho.
-Bah... Algum prazo que eu tenha que respeitar? Tipo, "se não responder em tanto tempo é por que..."?
Ela, com um meio sorriso triste disse:
-Isso é pra tu decidir.
Mandou a mensagem. Algo bobo, banal. Totalmente aleatório.
Conversou mais alguns minutos e disse que precisava ir embora.
-Vou pra casa. Tem jogo do Glorioso, hoje.
Ela o acompanhou até a porta, deu-lhe um beijo estalado na face barbada, e perguntou:
-E aí?
-Nada. - Ele respondeu.
-E...?
-Não sei, ainda. Não estabeleci nada.
-OK. Bom jogo pra ti.
-Obrigado.
Ele foi embora, chegou em casa, viu o jogo, e não chegou resposta. Tentou de novo. Um sinal de vida. Mas distante. Sem muito elã. Largou o telefone de lado, deitou-se, antes de dormir, assobiou uma melodia, e cantarolou:
-Por que você não disse que viria? Logo agora que eu tinha Me curado das feridas Que você abriu quando se foi... Por que chegou sem avisar? Eu queria tempo pra me preparar Com a roupa limpa, a casa em ordem E um sorriso falso pra enganar...
Dormiu cedo, acordou na manhã seguinte, e o mundo não havia parado de girar.

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