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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Resenha Cinema: Mad Max - Estrada da Fúria


Eu era um moleque de meus sete, oito anos, e tinha a prerrogativa de assistir filmes bem além da minha faixa etária. Se hoje eu converso com mães que não deixam seus filhos assistirem nem sequer clássicos de Looney Tunes porque o Hortelino atira na cara do Patolino com um rifle, eu me pergunto o que essas mães diriam se soubessem que que eu tinha permissão para assistir Mad Max no SBT, e Mad Max II na Tela Quente, e que esses filmes exerciam tanto efeito sobre mim, que eu arranquei o capô de um dos meus carrinhos de fricção (Um pontiac Trans Am Firebird) para que, na minha visão infantil, ele ficasse mais parecido com o Interceptor V-8 de Max Rockatanski (então Mel Gibson), e brincava com eles e bonecos feitos por mim mesmo com massa de modelar, pois eles podiam ser partidos e esmagados de maneira mais "realista" quando eu brincava de Mad Max...
De qualquer forma, é estranho pensar que eu não assisto a um filme da série desde aquela época.
Acho que só vi o primeiro Mad Max uma vez, talvez duas. A mesma coisa com Além da Cúpula do Trovão, mas o segundo, esse eu assisti diversas vezes, e se, quando criança, eu era jovem demais pra entender a importância da série Max para os filmes de ação pós-apocalípticos, ora, o importante é que os filmes exerceram efeitos suficiente em mim, para continuarem sendo lembrados hoje, trinta anos após o lançamento da terceira parte da série, numa admiração genuína como a das crianças que riem vendo filmes de Carlitos, não por causa da importância e do gênio de Chaplin, mas apenas por acharem-no engraçado.
Mas hoje eu reconheço a importância dos filmes de George Miller para o cinema de ação pós-apocalíptico. Prova disso é que ontem estava na primeira sessão de Mad Max: Estrada da Fúria para a qual consegui ingresso.
Mad Max: Estrada da Fúria, abre com Max Rockatanski (agora Tom Hardy) sendo capturado por uma tribo de nômades do infindável deserto onde a ação toma lugar, e sendo usado como "bolsa de sangue" para os bestiais Garotos de Guerra da Cidadela, uma comunidade dominada com mão de ferro pelo maníaco Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne, o Toecutter do Mad Max original).
Miller não dá tempo ao espectador para se ambientar ao cenário. Não dá explicações demais a respeito do que está acontecendo. O filme situa o espectador apenas o suficiente para que ele não se sinta absolutamente perdido, e começa, em alta octanagem, a contar sua história de maneira ligeira, com edição hiperativa e troca de quadros acelerada.
Enquanto Max e seu precioso combustível O- são ligados ao Garoto de Guerra Nux (Nicholas Hoult, o Fera de X-Men), Imperator Furiosa (Charlize Theron), uma capacitada guerreira a serviço de Immortan Joe, lidera um comboio para apanhar combustível na refinaria de Cidade da Gasolina, e munição na Fazenda da Bala, mas desvia-se de seu caminho, saindo da estrada em direção ao inclemente deserto que cerca tudo e todos.
Furiosa leva consigo as parideiras de Joe. Cinco belas jovens que o vilão mantém aprisionadas na tentativa de ter filhos homens perfeitos que levem seu legado adiante. O esforço de Imperator Furiosa é para levar as garotas consigo para um vale seguro chamado Lugar Verde, onde ela própria nasceu.
Obviamente Immortan Joe envia sua máquina de guerra no encalço de Furiosa, entre eles, Nux, que, debilitado, se vê na obrigação de arrastar Max consigo para continuar recebendo sangue do cativo.
Essa é a premissa, e é tudo o que importa. Daí pra frente, tudo vai pro inferno, e Mad Max: Estrada da Fúria se torna uma longa e implacável perseguição pelo deserto.
E é sensacional.
George Miller dá um passo a frente. Se o futuro distópico da série antes encerrava uma luta por combustível, as coisas foram além no quarto filme. A luta é por combustível, sim, mas também por "Aqcua Cola", por Leite de Mãe, por herdeiros, por liberdade, enfim, por sobrevivência.
O mundo devastado imaginado por Miller reduz as pessoas a seus instintos mais básicos, conforme Max nos conta em seu breve monólogo no início do filme. Max deseja apenas sobreviver, da maneira que for necessário. Ele é reimaginado como uma máquina de lutar, que faz tudo o que faz, em nome da manutenção da própria pele, enquanto é assombrado por fantasmas que o levaram à beira do abismo da insanidade.
"Quem estava mais louco? Eu, ou todo o resto?", ele se pergunta.
O mundo de Miller certamente é habitado por tipos nefastos. Vilões que atendem por nomes como "Comedor de Gente", "Rictus Erectus", e "Mecânico Orgânico", garotas chamadas de Esplêndida Angharad (A esplêndida Rosie Huntington-Whiteley), Toast a Sabedora, Capaz, Cheedo, a Frágil, e Capangas bitolados que acreditam que após se sacrificarem em nome de Immortan Joe, farão uma visita ao Valhalla, onde comerão um McBanquete e então voltarão à vida cromados e tunados por todo o sempre.
Obviamente Max é convencido a unir forças com Furiosa e se tornar o herói do filme (e nós sabemos tudo o que Hardy pode fazer como um herói de poucas palavras), mas a verdadeira protagonista, é Furiosa.
Talvez, não Furiosa em si, mas a sua enfurecida luta maternal para proteger a vida, não a vida podre dos homens loucos que a cercam, não a vida de um homem meio criatura como Immortan Joe, preso a tubos de respiração e falando com voz abafada através de uma máscara, com seu corpo velho e apodrecido dentro de uma armadura de músculos de plástico transparente cercado por anomalias deformadas.
Mas a vida da próxima geração, a inocência dos que estão por vir, e a esperança de um mundo melhor por e para eles.
Colocar o peso dessa linha narrativa nos ombros de uma Charlize Theron mutilada e poderosa é uma ideia brilhante de Miller.
A loiraça linda é uma tremenda atriz, e alcança em Estrada da Fúria o mesmo nível de atuação de longas como Monster e Terra Fria. Sua expressão for vezes vazia diz tudo o que se precisa saber sobre o mundo em que ela vive e o que ela está disposta a fazer para salvar a quem ela ama deste mundo.
Desolada e Obstinada, mas esperançosa como apenas uma mãe pode ser.
Não pense, porém, que essa mensagem que ri da cara do bravado machista que alicerça os blockbusters de verão corriqueiros tire alguma coisa do peso da ação de Mad Max: Estrada da Fúria.
Muito antes pelo contrário.
George Miller constrói um espetáculo visual embalado por direção de arte, design de som, música e fotografia impecáveis, e tornam cada momento mais definitivo do que o anterior, construindo um espetáculo de tensão tão bem estruturado que chega a ser difícil acreditar, por exemplo, que a inacreditável sequência dentro da tempestade de areia, é a primeira grande cena de ação do filme, e que logo ali adiante, outra melhor surge(!!!!), num crescendo tão magnífico que é difícil que digerir, e com um diferencial importantíssimo:
A geografia da ação.
Enquanto cineastas medíocres ficariam picotando a edição e aproximando a câmera para mascarar o CGI e construir uma atmosfera de tensão artificial, Miller e sua equipe técnica sempre têm uma panorâmica na mão para que a audiência entenda exatamente o que está acontecendo, e onde estão cada um dos protagonistas por quem nós estamos torcendo antes de explodir a porra toda.
Há tanta destruição, batidas, explosões e corpos sendo arremessados no longa que é difícil acreditar que, a certa altura, isso simplesmente não fique repetitivo. Mas não fica. Não fica porque as cenas de ação são espetacularmente elaboradas e a história dos personagens se torna mais urgente a cada nova sessão da perseguição, pois quando a coisa está acelerada demais, Miller nos dá um vislumbre mais humano de algum dos personagens, aprofunda alguma relação, e quando o filme enfia o pé no acelerador novamente, se tornou mais difícil para a audiência perder alguém.
De um ponto de vista meramente técnico, Mad Max: Estrada da Fúria já valeria um par de idas ao cinema, com um visual arquitetado de maneira brilhante e um design de produção único, dando a sequências inteiras uma cara de pintura impressionista, espetáculo do Cirque du Soleil, ou desfile de carnaval do Rio de Janeiro, edição surtada (no bom sentido), um som espetacular e uma trilha sonora genial (por vezes "ao vivo", com capangas de Immortan Joe tocando tambores e guitarra durante as perseguições), cuspindo na cara de filmes de automóveis cheios de computação gráfica, o longa sobe dez degraus com relação a qualquer outro exemplar do gênero.
Mas Miller vai além do mero apuro técnico ou visual. Ele dá a Mad Max: Estrada da Fúria alma, e dá coração e dá cérebro.
Dá uma mensagem, e um desafio:
Testemunhe-me.

"Pelo menos naquela direção nós seremos capazes de... Juntos... Encontrar alguma forma de redenção."

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