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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Feliz, Sim, Mas Não Exagera


Estavam os dois sentados na praça. Haviam acabado de almoçar cada um uma empada de frango e dividiam uma Pepsi um litro e meio no gargalo feito dois adolescentes. Ela segurando o celular, ria das imagens que haviam trocado nas últimas semanas.
-Adorei essa do cachorro que comeu o batom... - Ela disse.
-Fofíssimo, né? "Foi o gato". Muito bom... - Ele confirmou.
-E o Papa? - Ela perguntou, -De dilofossauro, cuspindo na cara do Newman?
-O Chicão - Ele riu, tratando Francisco, o sumo-pontífice da igreja católica com uma intimidade ímpar e fazendo-a rir.
-"Chicão"? - Ela perguntou.
-É. - Ele confirmou. -O Chicão é o cara. Hoje em dia, se eu fosse ter uma religião, seria católico só por causa do Chicão. Um papa nunca foi tão pop. Nem nos mais ardentes sonhos do Humberto Gessinger.
-Olha só... - Ela disse, erguendo as sobrancelhas quase invisíveis e empostando a voz com sua nota de "nossa, estou impressionada". - O senhor ateu-amo-a-razão-e-a-ciência, tudo sem espaço dividido por traços, considerando a hipótese de se converter...
Ele deu de ombros franzindo o cenho:
-Eu sempre disse que estou aberto ao conceito de religião, só jamais encontrei uma que me cativasse, ou me desse razões para acreditar. O Chicão não vai conseguir, sozinho, me converter, por isso coloquei no condicional: "Se eu fosse ter uma religião", porque eu não vou, seria católico, apenas isso.
-E porque o Chicão? O que ele faz que o Bento XVI não fazia? - Ela quis saber.
-Pra começar ele não tem cara de malvado. O Bento parecia o imperador Palpatine.
Ela riu de novo. Ele seguiu:
-Mas eu gosto do Chicão. Ele é progressista, aberto, vive no mesmo mundo que nós. Não trata a vida da gente como estágio probatório. Ele trata a vida como vida. Fala com líderes mundiais com demandas palpáveis. É um líder religioso sem aquela venda burra do "O mundo é o que cabe dentro desse templo, e o resto tá tudo errado". Pôxa, é um papa que abriu as portas do Céu, com cê maiúsculo, pros ateus, pros homossexuais, pros crentes de outras religiões... Como é que eu vou dizer que esse papa não é o cara? Que ele não "ruleia"?
Ela o estava encarando, dessa vez, com uma admiração muito mais genuína. Mas semi-cerrou os olhos azuis brevemente e começou a falar pausadamente:
-Eu não tô te entendendo, sabe... Se tu é ateu, tu não acredita em Céu, então o que é que te importa o papa abrir as portas do Céu pros ateus?
-Eu não sou o dono da verdade. Vai que eu tô errado e existe tudo isso?
Os dois gargalharam, mas ele seguiu:
-Não, sério... Eu também não sou homossexual, nem professo outras religiões, nem acredito em Céu, vida após a morte e essa pataquada toda... Mas sabe... O Chicão personifica o que eu acho que uma religião deveria ser. É acolhedor, humilde, conciliador... É um humanista. Ele não tá lá apontando o dedo pra todo mundo dizendo que o quê todos estão fazendo tá errado e vão todos pro inferno, muah. ah, ah, ah! Não... Ele tá lá acolhendo o máximo de pessoas... Salvando almas, aumentando o rebanho. E por mais que eu não acredite em Céu, e despreze o catolicismo tanto quanto qualquer outra religião, não posso deixar de admirar o cara por ser um verdadeiro humanista.
Ela se encostou no ombro dele dizendo:
-Nossa... Nunca pensei que fosse ouvir nada nem remotamente parecido com isso vindo de ti...
Passou-lhe os dedos finos pelo cabelo emaranhado em um coque no alto da cabeça dele.
-Quê tu tá fazendo, guria? - Ele perguntou, se remexendo.
-Procurando cabelos brancos - Ela disse. -Tu deve estar amolecendo com a idade...
Ele riu agarrando-a pelos pulsos e a sentando de volta ao seu lado.
-Pára de bobagem. Não tô amolecendo com a idade. Só... Sei lá. Gosto quando gente me surpreende. Gosto quando não agem de maneira escrota. E estou... Não sei... Acho que feliz...
Ela franziu o cenho:
-Por que? O que aconteceu?
-Ah, nada. Nada comigo... Tô feliz por alguém que eu amo muito. E que me pareceu estar realmente feliz nesses últimos dias.
Ela sorriu pra ele e pousou-lhe a mão delicada sobre a dele no banco de pedra. Ele segurou a mão dela e beijou:
-Não, alemoa. Sério. Tô feliz, mesmo. Não é melancolia digerida. É felicidade genuína.
Ela beijou a mão dele, também. E se apoiou nele, os dois sentados no banco olhando as grossas árvores da praça. Ela sussurrou-lhe ao pé do ouvido.
-Acho que o senhor perdeu o crachá de misantropo...
Ele passou o braço por trás do pescoço dela e disse, antes de estalar-lhe um beijo na têmpora:
-Me dá o frasco do juízo final que eu te mostro se minha inscrição não continua valendo.
Os dois riram.

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