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quarta-feira, 30 de março de 2016

Não é o Melhor Batman


Nossa raça tem uma tendência particularmente irritante a abraçar a polarização. Essa desagradável obstinação em se inserir em grupos através de um ou outro aspecto de identificação que sempre descamba para o "nós" contra "eles".
É, afinal de contas, da natureza humana querer se inserir. O Homem é um animal social inseguro, não sabe viver sozinho e a única coisa mais gravada em seu DNA do que a violência e a covardia.
A atual geração, por sinal, é mais covarde do que outras que a antecederam, e mais social. As mídias digitais geraram esse fenômeno do troll de internet balindo feito um poodle por detrás de um nick metido a engraçadinho nas redes sociais, agredindo todos aqueles que têm opinião divergente da sua própria, ou seja, os inimigos.
Poucas coisas têm polarizado tanto os poodles da internet ultimamente quanto a "guerra" entre Marvel e DC que saiu das páginas dos quadrinhos e alcançou as telas do cinema.
É particularmente engraçado lembrar que, quando eu era um moleque, não existia essa divisão. Meus amigos que liam quadrinhos e eu, éramos tão Marvetes quanto DCnautas. Talvez porque, naquela época, fôssemos poucos, e não pudéssemos nos dar ao luxo de nos dividir dentro de nossas parcas fileiras.
Ainda assim, esse fenômeno relativamente recente escalou a níveis que me deixam perplexo nos dias de hoje. Eu saí de uma comunidade do Batman nas redes sociais porque era impossível discutir civilizadamente com a maioria dos membros. Se tu fizesse um comentário positivo que fosse a respeito de um filme da Marvel, os sujeitos te malhavam feito um proverbial judas no sábado de aleluia.
Minha paciência pra esse tipo de comportamento minguou já há algum tempo. Eu, que tenho entre meus super-heróis preferidos o Homem-Aranha e o Batman, e que não seria capaz de escolher entre DC ou Marvel, não consigo entender a fiasqueira dos poodles da internet. Especialmente quando ouço coisas como "Ben Affleck é o melhor Batman que já existiu!".
Calma.
Não vim aqui pichar a interpretação de Affleck.
Realmente acho que o diretor de Argo e Atração Perigosa e Medo da Verdade foi bem. Muito melhor do que todo mundo esperava, eu mesmo, que preferia Josh Brolin no papel, dei a mão à palmatória, e acredito que Affleck fez um grande trabalho.
Um grande trabalho, considerando-se tudo.
Porque há questões na caracterização do Batman de Batman vs. Superman: A Origem da Justiça, que escapam ao ator, e que são justamente as mais controversas, ao menos pra mim, que cresci lendo e assistindo Batman.
Todo mundo gosta, eu já disse, de ver um Batman grisalho e rabugento tocando o horror na bandidagem.
Mas um Batman que mata, e o Batman de BvS mata um bocado, presta um desserviço ao personagem em diversos aspectos.
Mesmo o Batman mais casca grossa e nefasto dos quadrinhos, a versão idealizada por Frank Miller em O Cavaleiro das Trevas, é incapaz de matar. A ideia de proteger a vida à qualquer preço é fundamental para o cânone do personagem. O Batman é, afinal de contas, uma resposta básica, infantil até, ao trauma de Bruce Wayne. Sua ideia de se vestir de monstro e ser mais assustador que os criminosos a quem caça, aquela turba supersticiosa e covarde, vai até a linha que o morcego traçou para separá-lo dos bandidos que mataram seus pais:
Tirar uma vida.
Batman enfia a bandidagem no hospital por meses, quebra ossos como quem muda de meias, mas não mata.
Isso não é unicamente uma faceta importante para a caracterização do personagem, para estabelecer suas crenças e código moral e balancear sua óbvia patologia.
Não.
O fato de o Batman não matar, justifica sua extensa e qualificada galeria de vilões.
Explica-se: Se o Batman do Ben Affleck mata, então por que o Coringa de Jared Leto, que aparentemente matou o Robin e aparentemente está em Arkham no filme do Esquadrão Suicida está vivo?
Quer dizer... Por que o Batman mata pistoleiros de baixo calão, mas deixa o psicopata mais perigoso do mundo vivo? Simplesmente não faz sentido que o Coringa, o Crocodilo e a Arlequina estejam vivos e bem para seu filme quando a bandidagem rasteira foi explodida, metralhada e esmagada dentro de seus carros ao longo de BvS.
Outra questão que, pra meu gosto pessoal, desqualifica o Batman de Ben Affleck para ser "O Melhor Batman do Cinema", é a falta da multiplicidade de personalidades.
O Batman/Bruce Wayne de Affleck é a mesma pessoa. Claro, o Batman usa sua roupa de monstro e tem a voz distorcida eletronicamente (pra mim, uma bola fora), mas quando o vemos falando com Diana Prince, Alfred ou Clark, ele expressa os mesmos pensamentos e o mesmo tom com ou sem o traje. Ele chega a aparecer com a máscara destruída durante sua luta com o Superman, falando com sua voz.
Enquanto isso, o Batman de Christian Bale, pra mim, ainda o melhor do cinema, tinha três personalidades absolutamente distintas.
Ele era o afetado playboy bilionário que aparecia em festas, colunas de fofocas e dormia nas reuniões das empresas Wayne, era a monstruosa criatura morcego de voz gutural que espancava o submundo do crime com punhos de aço, e era o verdadeiro Bruce, que nós víamos na Batcaverna com o Alfred, ou em suas interações com Rachel, e eventualmente com Thalia.
Esse vislumbre da mente fragmentada de um doente mental, porque o Batman é um doente mental, era algo único. E demonstrado de maneira tão sutil e espertamente integrada à ação dos filmes, que muita gente só via quando lhes era apontado.
Outra questão que me incomodou na caracterização do personagem em BvS, foi o fato de o Batman ser imprevidente. Na sua luta do galpão, que ilustrava o trailer final do longa, ele é arrastado pelo pé, esfaqueado e leva meia dúzia de tiros na cabeça. Ora, diabos...
Como é que o Homem-Morcego ficou tão desleixado a ponto de apanhar de meia dúzia de capangas contratados? Uma das grandes características do Batman sempre foi o prodígio marcial. O Batman dos quadrinhos, dos games Arkham e da trilogia das Trevas é capaz de enfrentar múltiplos oponentes sem se expôr a esse tipo de risco, então, foi algo surpreendente pra mim, ver o herói ser tão desprevenido.
Eu repito que, no geral, gostei da atuação de Affleck, e tenho pra mim, que as facetas que me desgostaram mais, são decisões do diretor Zack Snyder, já que carregam a assinatura do restante de sua filmografia.
A mão do diretor, por sinal, pesa em tudo o que, pra mim, não funciona no filme, e me causa espécie que os poodles da internet fiquem tão desesperados em ladrar contra "os inimigos" que sejam incapazes de ver que o universo cinematográfico DC tem um potencial sensacional, mas está no colo de um cineasta sem a visão necessária para trazê-lo à vida.

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