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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Resenha Cinema: Lion: Uma Jornada Para Casa


Comprar ingresso para assistir a um longa como Lion: Uma Jornada Para Casa é, indubitavelmente, comprar ingresso pra chorar.
Não que Lion seja um daqueles dramalhões manipulativos que até nos arrancam lágrimas mas depois fazem a gente dizer "filhos da puta" ao percebermos que o choro foi proveniente de um golpe sujo do cineasta...
Não.
Lion é um longa equilibrado, que na qualidade dos melhores dramas, mantém sua pujança na manga, construindo o cenário de maneira que a audiência se envolva com a história e os personagens até ser tarde demais para tentar não se importar com o desfecho.
O diretor Garth Davis, fazendo seu debute em longas metragens, e o roteirista Luke Davies mantém a sobrecarga sentimental de lado enquanto contam a história de Saroo (o sensacional estreante Sunny Pawar), um menino de cinco anos de idade que leva uma vida pobre num vilarejo indiano onde mora com sua mãe, Kamla (Priyanka Bose), sua irmã Shakila (Krushy Solanki) e seu irmão mais velho Guddu (O ótimo Abhishek Bharate).
Enquanto Kamla trabalha em uma pedreira, os meninos fazem pequenos serviços e cometem pequenos furtos, como apanhar carvão de trens de carga para trocar por leite e trocados.
As coisas mudam radicalmente para Saroo quando, em 1986, após convencer Guddu a levá-lo para uma noite de trabalho na estação de trem de uma cidade próxima, ele se perde do irmão e cai no sono em um trem.
Ao acordar, o menino se vê preso na composição vazia em movimento, de onde só consegue sair dois dias depois, na cidade de Calcutá, a mais de mil e seiscentos quilômetros de sua cidade natal.
Incapaz de falar a língua local (o bengali, Saroo fala apenas hindi), sem saber o nome de sua mãe (para ele o nome de Kamla é "mamãe") ou de sequer pronunciar corretamente o nome de sua vila, o menino sobrevive na rua dormindo sobre caixas de papelão e roubando comida de templos públicos.
Eventualmente Saroo encontra um homem que conversa com ele e o leva à polícia, onde ele é cadastrado como uma criança perdida e enviado a um orfanato.
A vida na instituição com cara de Oliver Twist não é das mais fáceis, o lugar parece uma prisão e as crianças convivem com a ameaça da violência e dos abusos, mas Saroo tem a sorte de ser resgatado de lá por um casal gentil disposto a adotá-lo, os australianos John e Sue Brierley (o eterno Faramir David Wenham e a ótima Nicole Kidman).
Os dois acolhem Saroo, e pouco depois, outro menino indiano, Mantosh, muito mais atribulado e traumatizado pelo seu background.
Corta pra vinte anos mais tarde.
Saroo, agora um rapagão crescido com a cara de Dev Patel (muito bem, de sotaque australiano e tudo) está se despedindo de John e Sue para viajar a Melbourne, onde fará um curso de hotelaria.
Lá, entre a turma multinacional que atende ao curso ele conhece a americana Lucy (uma desperdiçada Rooney Mara) e um grupo de indianos, e é justamente numa festa na casa desse grupo que Saroo, ao experimentar uma iguaria indiana com a qual sonhava na infância, sente despertar em si a necessidade de se reconectar com seu passado.
Mergulhando em uma profunda obsessão, Saroo abandona o emprego e se afasta da namorada enquanto usa o Google Earth para tentar descobrir onde nasceu, e ter uma chance de reencontrar a mãe e os irmãos de sangue, uma busca que ele esconde obstinadamente de Sue e John, pois não quer parecer mal-agradecido por tudo o que recebeu de seus pais adotivos.
O filme é sensacional.
Dev Patel está ótimo como o Saroo crescido, e se a certa altura de sua participação ele pareça restrito a estar emburrado, cabeludo e barbudo enquanto cola recortes nas paredes de casa, o final do filme lhe dá espaço de sobra para atuar de verdade.
Outra que atua de verdade é Nicole Kidman.
A despeito do rosto parcialmente paralisado pelas cirurgias plásticas e a medonha peruca ruiva que ela usa quando aparece pela primeira vez, a atriz australiana entrega ao menos duas cenas de esmigalhar o mais duro dos corações, uma delas, quando, com uma honestidade devastadora, explica a Saroo por que ela e John decidiram adotar Mantosh e ele, é tão terna e maternal que faz a gente sentir vontade de sair do cinema e abraçar a nossa mãe.
No geral, Lion é todo bem atuado, mas se há um destaque de fato no filme, ele é Sunny Pawar, o menino indiano que faz seu primeiro longa metragem e não é um ator treinado é a mola propulsora que nos faz querer saber até onde Saroo chegará.
Se não fosse sua presença durante a primeira metade do filme, as boas atuações de Kidman e Patel não teriam razão de ser.
Pawar consegue expressar pânico, desconfiança e resignada altivez de maneira muda e crível, e a forma como a cinematografia de Greig Faser mostra o mundo através de seus olhos é brilhante e incrivelmente relacionável.
Quando Dev Patel parece demasiado soturno e ranheta com sua (justificada) obsessão, ameaçando nos afastar, a memória do pequeno Sunny ressurge, e nós não podemos evitar de continuar com ele para ver o desfecho de sua busca. E quando esse desfecho chega, o melodrama que havia sido espertamente economizado ao longo do filme finalmente transborda, e os olhos da audiência transbordam junto.
Ao longo de duas horas Lion: Uma Jornada Para Casa espalha cargas explosivas pelo coração da audiência, e as detona vigorosamente no terceiro ato de maneira belíssima.
Excelente filme, lindo e bem atuado, obrigatório para fãs de cinema e qualquer ser vivo que tenha uma família.
Assista no cinema.
Vale demais a pena.

"Eu não sou de Calcutá... Eu estou perdido."

Um comentário:

  1. O pior pecado que um filme baseado em uma história real pode cometer, talvez até mais grave do que se acomodar na pretensa nobreza temática, é o de não acreditar verdadeiramente no poder dos fatos que se propõe a narrar. É interessante ver um filme que está baseado em fatos reais, acho que os filmes baseados em fatos reais são as melhores historias, porque não necessita da ficção para fazer uma boa produção. Também gostei muito de Dunkirk, não conhecia a história e realmente gostei. Parece surpreendente que esta história tenha sido real, considero que outro fator que fez deste um grande filme foi a atuação do ator Tom Hardy, seu talento é impressionante.

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