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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Resenha Cinema: A Qualquer Custo


Entra ano, sai ano e o cinema Hollywoodiano encontra um espacinho entre as adaptações e os remakes para lançar um bom drama de fronteira, esses longas algo atemporais que carregam elementos de faroeste em tramas passadas em um mundo cinzento onde o bem e o mal são algo borrados e não se pode ter certeza de o que é o que.
Talvez o maior expoente do gênero seja Cormac McCarthy, autor de A Estrada, O Conselheiro do Crime e Onde os Fracos Não Têm Vez, que é, de maneira muito clara, a grande influência deste A Qualquer Custo, que estreou nos EUA e agosto e só na semana passada desembarcou por aqui, talvez turbinado pelas múltiplas indicações ao Oscar.
O longa, do roteirista Taylor Sheridan, o mesmo de outro ótimo drama de fronteira, o aclamado Sicario: Terra de Ninguém, conta a história dos irmãos Toby (Chris Pine) e Tanner (Ben Foster)Howard, e sua onda de assaltos a bancos. Na verdade, a um banco, várias agências do Texas Midland Bank.
O modo de operar dos dois caubóis é simples, eles entram nas agências menores do banco, mascarados e armados com pistolas, rendem o caixa e roubam o dinheiro das gavetas em notas pequenas, de cinco, dez e vinte, fugindo rapidamente.
Eles voltam ao rancho da família e enterram o carro da fuga usando uma escavadeira, tudo tão rápido e eficiente quanto possível.
Os roubos são feitos em um banco que só tem agências no Texas, evitando o FBI, e a quantia roubada é praticamente irrisória, deixando o caso em um tipo de limbo de forças policiais onde ele acaba caindo no colo dos rangers do Texas Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e Alberto Parker (Gil Birmingham).
Se inicialmente a opinião de Alberto é a mesma do resto dos policiais, os roubos são maluquice de drogados, não tarda para que Marcus perceba um padrão e até certo brilhantismo nos ataques da dupla de ladrões.
Nós logo descobrimos o quão brilhantes os ataques realmente são. O Texas Midland está prestes a executar a hipoteca reversa do rancho da mãe dos rapazes.
Através de manobras legais, ainda que moralmente reprováveis, a instituição está a um passo de ficar com a propriedade, e os pequenos assaltos executados por Toby e Tanner são para levantar a quantia devida.
Os Howard planejam pagar a dívida com o dinheiro do próprio banco, devidamente lavado de maneira criativa e auxiliados por um advogado amigo da família.
O plano é genial e tem tudo para dar certo exatamente como Toby planejou, exceto se a cabeça quente de Tanner e o faro do quase aposentado Hamilton se interporem no caminho com consequências trágicas para todos os envolvidos.
A Qualquer Custo é ótimo.
Uma mistura de faroeste de fronteira com filme de assalto com um saboroso tempero de "fight the power! Stick it to the man" à moda caubói com o que todos os envolvidos têm de melhor a oferecer.
A história se equilibra entre os gêneros no roteiro coeso de Sheridan, salpicado de uma ironia que arranca risadas graças à boa mão do diretor David Mackenzie, que usa o visual do Texas de maneira brilhante, mostrando tanto as paisagens áridas das planícies quanto os ambientes urbanos repletos de placas de vende-se, pichações falando sobre a falta de amparo aos veteranos e anúncios de empréstimos rápidos para criar um cenário inóspito e melancólico de todos os lados com ecos de Elmore Leonard e do subestimado Tudo Por Justiça.
A consciência regional é uma parte importantíssima do longa, muito mais profundo que aparenta, com uma consciência moral que não é óbvia, ou direcionada.
A dobradinha Sheridan/Mackenzie é ótima ao retratar isso, mas o maior esteio de A Qualquer Custo é mesmo o trabalho de seu elenco.
Ben Foster já encontrou uma forma de interpretar certos tipos de personagem, e ainda que Tanner Howard seja um desses tipos instáveis e, por vezes, descontrolado, o ator o suaviza com uma ternura insuspeita, humanizando-o de maneira muito bem vinda.
Chris Pine faz provavelmente o melhor trabalho de sua carreira como Toby, o bom rapaz que resolve cometer crimes em nome da justiça. Ele se despe de todo o garbo sardônico do capitão Kirk para viver um sujeito algo ensimesmado e endurecido pela vida e sua química com Foster é sólida e convincente.
Outra química digna de nota é a de Bridges e Gil Birmingham, que exorciza Crepúsculo com seu ranger meio comanche, meio mexicano que, por vezes, parece não suportar mais as piadinhas do parceiro, mais politicamente incorreto, impossível, e genial.
Não é difícil elencar grandes trabalhos do ator, mas ultimamente o vencedor do Oscar vinha errando a mão mais do que acertando, tendo embarcado em porcarias como O Sétimo Filho e R.I.P.D. - Agentes do Além, então é bom ver Bridges fazendo um grande trabalho, tão cheio de nuances.
Isso, aliás, vale para todo o longa.
A Qualquer Custo é um filme erigido sobre nuances, e de ter tantas coisas espertas a dizer, e formas tão espertas para dizê-lo, pode acabar passando despercebido porque a qualidade de seu cerne, como filme de perseguição, é demasiado instigante.
Por sorte, nós sempre podemos ver o filme novamente, e encontrar mais algumas delas nos enxutos cento e dois minutos de projeção.
Outro excelente filme de um começo de ano acachapante, que merece toda a pompa de uma ida ao cinema.
Obrigatório para qualquer amante da sétima arte.

"-Você sabe o que 'comanche' significa? 'Inimigos para sempre.
-Inimigo de quem?
-De todos.
-Você sabe o que isso faz de mim?
-Um inimigo.
-Não. Faz de mim um comanche."

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