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sexta-feira, 18 de março de 2011

Conselhos


-Não é assim que funciona, velho.
-Eu sei.
-Não adianta tu entrar nessa, é furada.
-É. Tem razão.
-Eu sei que parece fantástico, que parece sensancional, mas, encare os fatos, meu amigo: Não é assim que o mundo funciona.
-É verdade.
-Tu tá com a tua noção de realidade nublada pela empolgação. Tu tá colocando o carro na frente dos bois. Tá contando com o ovo dentro da galinha. Tá ouvindo os latidos antes de a caravana passar.
-Acho que esse último tá errado.
-Pode ser, mas tu entendeu.
-OK.
-A verdade é que a seara que tu resolveu trilhar, leva unicamente ao desastre.
-"seara"?
-É... Achei que um pouco de solenidade na linguagem iria mostrar o quanto o lance é sério.
-Ah.
-Tu não foi feito pra isso. Tu nem devia ter permissão pra falar com gente, que dirá se relacionar com gente. Tu sabe como as coisas vão ser. Tu não é um ingênuo. Tu tem todos os defeitos do mundo, mas ingênuo tu não é.
-Puxa, obrigado.
-Sério, tchê. Se tu pensar, se tu concatenar por um breve instante que seja, tu vai ver que eu tenho razão. Isso já me aconteceu, lembra? Com aquela guria de Canoas. E o que tu me disse?
-Que ela era gorda.
-Não... Bom. Isso também. Mas não, tu me disse que eu não tava pronto pra aquela relação. Que eu era imaturo, idiota, e que eu ia colocar tudo a perder. E o que aconteceu?
-Mas vocês tão juntos até hoje!
-É, mas eu pareço feliz?
-Ah, cala a boca.
-Não, não... Falando sério, agora. Tu sabe como é que essas coisas acontecem. Olha... Não me obriga a apelar pra "Em caso de Emergência Quebre o Vidro".
-Tu não teria coragem...
-Ah, teria. Teria, sim. Se for o necessário pra te fazer ver a luz, eu teria.
-Não.
-Tu tá convencido?
-... Tô...?
-Não. Tu hesitou. Tá, me desculpa, mas eu vou ter que fazer isso. Finge que ouviu um barulho de vidro quebrando.
-Não.
-Lembra dela?
-Não.
-Lembra das conversas de vocês?
-Não. Não.
-Lembra como tudo parecia sensacional?
-Lálálálálálálálálálálá, não tô ouvindo, lálálálálálálálálálálálá!
-Lembra da...
-Não diga esse nome.
-Meyre?
-Desgraçado.
-Lembra ou não lembra?
-...
-Eu sei que sim, mas quero ouvir da tua boca.
-...
-Vamo, rapaz, tu tem quantos anos? Oito? Fala. Lembra?
-... Lembro.
-Ah, pois é. Me refresca a memória. Como foi que aquilo acabou?
-Mal.
-Mal...?
-É.
-Só mal?
-É.
-SÓ?
-...
-Desenvolva.
-Tá... Bem mal.
-Acho que a expressão que tu procura é tragédia.
-Nah... Não é pra tanto.
-Desastre. Armageddon. Holocausto. Apocalipse. Hecatombe.
-Tá, tá, eu entendi.
-Quanto tempo sem sair de casa?
-Uns dias...
-Vinte e dois?
-...
-Ainda bem que foi nas férias, senão tu tinha perdido o emprego.
-É possível...
-Quantas vezes tu ouviu Stop Crying Your Heart Out?
-... Todas, eu acho...
-É... Eu me lembro por que aquilo aconteceu. Tu lembra?
-Sim...
-Então tu sabe que eu tenho razão, não é?
-Sei.
-E vai seguir meu conselho?
-...
-Vai agir com o cérebro? Vai pensar no teu bem-estar e no que é certo?
-...
-Não, né?
-Não. Acho que não.
-Então boa sorte, filho da puta.
-Valeu, velho.

Um comentário:

  1. Mas ele vai se dar bem... só pelo fato de seguir sua própria vontade - isso vale muito e não se encontra pra vender!!!

    Não é porque se deu mal um dia que desta vez não poderá dar algumas gargalhadas...

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