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quarta-feira, 30 de março de 2011

Sem queixas


O Lucineu não tinha do que se queixar, pra ser bem honesto. Tinha emprego, casa, conseguia sustentar os estudos, a TV à cabo, com internet e telefone, comprara recentemente uma TV de 42 polegadas, HD e tudo mais, tinha computador com desempenho acima do razoável, não estava irremediavelmente endividado, e nem tinha, em seu futuro próximo, a ameaça de doenças coronarianas fatais. Preocupado com a saúde após um período um tanto relapso, vinha perdendo peso já a dois anos sem grandes esforços ou arroubos, provavelmente teria perdido mais peso mais rápido se tivesse feito alguma dieta mirabolante, mas, francamente, não tinha pressa.
O Lucineu não era bonito. Nem era particularmente inteligente. Não tinha um grande papo, não era a alma de nenhuma festa que frequentasse, não era capaz de monopolizar uma conversa exceto se estivesse nervoso, o que raramente acontecia.
Se Lucineu tinha alguma qualidade, era a de ser tranquilo. Provavelmente haviam monges em templos nas montanhas do Nepal que eram menos calmos do que Lucineu. Nada o enervava, nada o deixava apreenssivo, raras eram as coisas capazes de tirá-lo do sério. Era quase ataraxia o dom que possuia Lucineu.
Lucineu era uma pessoa modesta, de modestas aspirações, e estava satisfeito de estar satisfeito. Não se ressentia por nada, exceto pelas chances desperdiçadas de fazer mais, e aprendera a não mais desperdiçá-las.
Lucineu era descrente. Não acreditava em políticos, religião, seres humanos, a vida de modo geral, e quase tudo mais. Se Lucineu acreditava em alguma coisa, era em casualidade.
Não as boas casualidades. Não encontraria dinheiro no bolso daquele casaco de inverno. O pote de sorvete na geladeira não teria sorvete, e sim feijão em seu interior. A porta do bar se abriria e entraria um trapaceiro com passes para chegar à Lisboa, e não Ilsa Lund carregando consigo as lembranças de um passado luminoso.
Lucineu não tinha do que se queixar. E não se queixava. Jamais iria fazer o gol de um título pelo Inter, jamais estrelaria sua própria série de TV, nem iria puxar o coro da Marselhesa em um café no Marrocos dominados pelos nazistas. Não. Mas poderia tentar ser, modestamente, um bom homem, ou, ao menos o melhor homem que pudesse ser. Tentar merecer o amor que lhe era dirigido, correspondê-lo da melhor maneira, e quem sabe, não agir feito um pateta quando, após anos, a porta do bar se abrisse e, ao invés de um trapaceiro com passes para chegar á Lisboa, Ilsa Lund entrasse.

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