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sábado, 18 de janeiro de 2014

Crescer ou Não?


O ritual era sempre o mesmo. Após chegar do serviço, o Amarildo passava rapidamente em casa, largava suas coisas, apanhava um cooler de cervejas, e ia pra esquina encontrar seus vizinhos Tadeu e Romário. Os três ficavam escorados na grade do prédio de um serviço de proteção ambiental que funcionava por ali, bebendo algumas geladas e olhando o movimento. Amarildo, solteiro e sem namorada, via nesse pequeno ritual diário sua melhor chance de interação social fora do trabalho.
Romário e Tadeu haviam crescido com Amarildo, e sempre moraram na mesma quadra, os três. Quando um deles, o Tadeu, recém casado, avisou que iria se mudar, Amarildo e Romário ficaram muito chateados, mas só até descobrirem que ele se mudaria pra uma casa duas quadras adiante.
A questão é que, embora fossem os três muito amigos, o Tadeu e o Romário estavam chegando à uma fase da vida em que as responsabilidades começam a pesar.
O Tadeu, com uma esposa, um filho pequeno, e mais uma guriazinha a caminho gostava do ritual da cervejinha na calçada, mas tinha obrigações em casa que tornavam simplesmente proibitivo fazer isso todos os dias. O Romário, por sua vez, após anos de escapulidas dignas de Houdini, viu-se sem fuga às cobranças de compromisso de sua namorada, a Fabíola, que conquistou a chave do apartamento de Romário, três gavetas na cômoda e duas portas do guarda-roupa. Mais que o espaço físico na casa, porém, Fabíola conquistara espaço físico na vida do Romário, que também via minguarem as suas chances de ir diariamente conversar sobre amenidades na calçada enquanto bebia uma ceva.
O afastamento deles não era despeito nem nada do gênero, era circunstância da vida, e tanto Tadeu quanto Romário mantinham a intenção de continuar com a cervejinha na calçada, mas dando ênfase aos finais de semana, quando poderiam fazê-lo sem culpa de nenhum tipo.
Esse afastamento gradual dos amigos começou a preocupar o Amarildo.
Quando estava com o Tadeu e o Romário, eram três amigos conversando na calçada, sem eles, era apenas um bêbado abjeto tomando cerveja na rua e olhando as mulheres que passavam.
Isso fez com que o Amarildo parasse pra pensar se sua forma de abordar a vida não estava errada.
O Amarildo sempre morara sozinho, desde que saiu da casa dos pais. Gostava assim. Era um sujeito na dele, o Amarildo. Prezava sobremaneira a sua privacidade. Tinha horários estranhos, gostava de dormir cedinho à noite, acordar de madrugada, e aí, sim, fazer as tarefas da casa e as coisas que lhe apraziam. Ver TV, ler, jogar videogame...
Com todas as suas peculiaridades, o Amarildo sabia que não seria qualquer mulher que o aceitaria sem que ele tivesse que mudar radicalmente seus hábitos. Tinha os relatos de Tadeu pra comprovar. O amigo casado só conseguia jogar videogame, por exemplo, entre a meia-noite e a uma da manhã. Ás vezes estava tão cansado que não tinha ânimo nem pra ligar o aparelho. Sem contar os sermões que ouvia da esposa, Deise, quando resolvia investir cento e cinquenta reais em um jogo novo ao invés de em algo "para a casa".
Sem ir tão longe, Romário também tinha suas queixas da vida a dois.
Fabíola invadira sua casa como os exércitos de Saruman fizeram com Helm's Deep. Lhe explodira as muralhas e se alojara confortavelmente no pátio externo do seu Forte da Trombeta particular.
Romário ainda tinha a sorte de Fabíola manter uma casa só sua, e geralmente dar-lhe uma folga alguns dias da semana, mas o próprio Romário admitia que era questão de tempo até ser confrontado por Fabíola novamente e ter que transformar o hábito de frequentar a casa um do outro em morar juntos, e então, algo ainda mais sério.
Amarildo não entendia por que os amigos aceitavam abrir mão de suas individualidades. Pra ele parecia lógico que se uma pessoa era incapaz de aceitá-lo como ele era, com toda a sua bagagem de características qualidades e defeitos, não era a pessoa ideal pra ele. Alguém que tentava mudar quem ele era, era como um alfaiate que ao ver que a roupa não servia começava a mexer no corpo do cliente. Não era o que ele queria da vida, especialmente da vida a dois.
Ainda assim, naquela semana que passou sozinho, o Amarildo se viu desejando que houvesse alguém em sua vida. Ao ver Romário e Fabíola, felizes saindo de mãos dadas para ir ao cinema, ou ao ver Tadeu e Deise voltando do super mercado aos risos com o filhote correndo na frente, imaginou se sua reserva, seu desejo por privacidade, sua necessidade de espaço não eram apenas desculpas para adiar seu amadurecimento.
Ficar acordado até tarde jogando videogame e vendo TV não eram, afinal de contas, as prioridades de um adolescente?
Aliás, tanto Fabíola quanto Deise já haviam confidenciado a Romário e Tadeu que gostavam de Amarildo, mas o achavam demasiado juvenil em certos aspectos.
Talvez tivessem razão.
Amarildo, por vezes, era demasiado juvenil. Fazia piadinhas despropositadas. Abordava determinadas situações sem a profundidade que requeriam. Emburrava-se frequentemente, preferindo guardar silêncio taciturno sobre o que o incomodava ao invés de travar diálogo com a outra parte...
Talvez fosse isso. Talvez Amarildo precisasse encarar a vida de frente. Dar um salto de fé. Tentar.
Pensava nisso, escorado na grade do prédio, quando olhou para o lado e viu a aproximação da Vanessa.
Vanessa morava na rua a tanto tempo quanto Amarildo, Tadeu e Romário.
Era bonita. Tinha longos cabelos cor de mel, faiscantes olhos verdes, era alta, magra como um cabide, e o único lugar onde lhe abundavam curvas era no traseiro que todos costumavam acompanhar com os olhos à cada passagem da jovem pela calçada.
Mais de uma vez Vanessa e Amarildo trocaram olhares, palavras, e gracejos, mas Amarildo, juvenil que era, jamais dera um passo adiante, especialmente por saber que Vanessa era moça séria.
Agora, a via andando em sua direção, o vestido roxo esvoaçante, os chinelos Havaianas brancos calçando-lhe os pés delicados, um insuspeito picolé de limão que todos os homens de bom gosto por certo invejariam dançando em sua mão... Se fosse pra se amarrar com alguém... Se fosse pra mudar por alguém... Se fosse pra ser feliz ao lado de alguém numa relação de abrir precedentes de parte à parte... Então, Amarildo escolhia Vanessa.
Vanessa o conhecia a tempo o suficiente. Vanessa era bela e acessível. Era divertida e leve. Era alguém por quem valeria a pena crescer.
Ela estava se aproximando, o viu e abriu um sorriso. Era um sorriso bonito. Era lindo, na verdade. O modo como o lábio inferior, mais cheio, se deitava sobre a ruguinha acima do queixo bem desenhado, e as sobrancelhas bem desenhadas se arqueavam sobre os olhos verdes... Bastava Amarildo demonstrar boa-vontade e comprometimento. Bastava agir com deferência e educação, e conseguiria que Vanessa saísse com ele. Iriam ao cinema, a um barzinho. Conversariam e ele sabia que podia conquistá-la. A conhecia o suficiente para saber que ela não era uma mulher fútil interessada apenas em materialismos. Que se encontrasse o homem certo, trabalharia para edificar uma vida ao lado dele. Bastava a Amarildo mostrar que podia ser o homem certo.
Sorriu de volta.
Era a hora. Se escolhesse suas palavras com sabedoria, poderia, ali, dar o primeiro passo rumo ao amadurecimento. Ao crescimento. O primeiro passo rumo à vida adulta. Ao amor. Aos relacionamentos de verdade. Ao que Tadeu tinha com Deise, ao que Romário tonha com Fabíola.
Respirou fundo, escolheu as palavras, e quando Vanessa estava passando bem à sua frente disse:
-Ô, Vanessinha... Tá bem, hein? Com uma bunda dessas tá convidada pra fazer cocô lá em casa.
Ela riu e o chamou de idiota enquanto entrava no prédio.
Amarildo respirou aliviado quando ela fechou a porta atrás de si, rindo.
Ainda não estava pronto pra amadurecer.

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