Pesquisar este blog

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Balde de Água Fria


Vinham andando os dois pela rua, braços dados. Ela com a cabeça deitada no ombro dele. Fosse outra pessoa, aquela proximidade toda podia fazê-lo sentir desconfortável. Com ela, não.
Mesmo se não fosse um dia de temperatura amena. Mesmo se não fosse um feriado particularmente preguiçoso. Mesmo se ela não cheirasse a limonada.
Enfim, vinham andando juntos, braços dados pela José Bonifácio, aproveitando a calmaria de uma tarde morna. Sentaram no meio fio da calçada, quase em frente ao monumento à FEB junto ao Colégio Militar, e ela se pôs a comer um algodão doce recém comprado de um ambulante enquanto ele sorvia com sofreguidão uma lata de Coca-Cola.
Ela apanhou um bocado do algodão com os dedos finos e levou à boca dele, que, meio desajeitado, comeu. Ato contínuo, automático, lambeu-lhe os dedos.
Não fora com nenhuma segunda intenção. Por Odin, não fora. Ele jamais faria aquilo com segundas intenções, não faria, até, porque não via nada de sexy em um homem lambendo os dedos de uma mulher, embora achasse a situação invertida extremamente sensual, e, inclusive, lhe avivasse memórias particularmente agradáveis.
Ainda assim, enquanto ele lambia os dedos dela, apanhando os fiapos de algodão doce ainda colados à sua pele, ela disse:
-Devagar aí, paladino, senão tu vai ter que me levar pra um quarto.
Ele, muito sem graça, parou.
Ela viu que ele ficou sem jeito.
-Tu ficou vermelho.
-É... - Ele respondeu. -Eu sei...
Ele era do tipo que ruboriza. Qualquer coisa o fazia ruborizar. Não existia nem sequer uma coisa específica que o fizesse ficar vermelho. Várias situações faziam o sangue subir-lhe à face, raiva, excitação e, mais comumente, vergonha. Como era o caso, então.
O pior de ruborizar, ao menos para ele, era a consciência de estar ruborizando. Ele sempre sabia que havia ruborizado. Sentia o calor subindo-lhe do pescoço até a testa.
O fato de saber que estava vermelho, apenas causava-lhe mais vergonha. E, quando um interlocutor frisava-lhe que ele estava vermelho, piorava ainda mais.
-Achei que a essas alturas eu não conseguisse mais te ruborizar. Foi bom encontrar um sopro de vida. - Ela disse, maldosa.
-Ah, acredite, é mais difícil fazer eu perder o rubor do que o contrário, blondie.
Ela assobiou o tema imortal de Ennio Morricone para Três Homens em Conflito.
Os dois riram.
-E aí? Ansioso pro Vingadores 2, amanhã?
Ele riu:
-Tu já deve ser a sétima ou oitava pessoa que me pergunta isso nos últimos dias... Eu devo ter "nerd" escrito na minha testa em letras garrafais...
-Tu tem. - Ela confirmou, solene.
Os dois riram de novo.
-Eu sei. - Ele assentiu. -Até a guria do caixa do mercado me perguntou isso ontem, quando eu fui comprar meu almoço. "Vai ver Vingadores: A Era de Ultron, quinta?".
-Nossa. Ela sabia até o nome, certinho...
-Sabia. Ela era nerd. E acho que o radar nerd dela era melhor que o meu, eu nunca ia imaginar que ela curtia essas coisas, mas ela tava sabendo até que o Capitão-América 3 ia ser Guerra Civil, e que o Homem-Aranha ia aparecer... Acho que eu devia ter pedido ela em casamento... - Ele riu.
-Mas e aí? Ansioso, ou não?
-Quer saber? Já estive mais ansioso, pra ser bem franco. Se tu tivesse me perguntado isso na semana passada, eu provavelmente estaria roendo as unhas. Hoje, estou a fim de ver o filme, e só...
-Efeito Demolidor?
-Um pouco... Talvez seja um pouco isso, sim.
-E o que mais?
-Ah, baldaços de água fria que a vida nos dá. Nada que uma vitória de goleada do Inter sobre o The Strongest e duas horas dos Heróis mais Poderosos da Terra não me resolvam, amanhã.
-E hoje? Alguma coisa que possa preparar o terreno pro Colorado e os super-heróis?
-Até tinha, mas tu cortou meu barato na hora em que eu comecei a chupar teus dedos.
Ela riu dando-lhe um soco no braço e o chamando de idiota.
Não há estrago causado por um balde de água fria que algodão-doce, Coca-Cola e uma amizade verdadeira não conserte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário