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quinta-feira, 30 de abril de 2015

Resenha Cinema: Vício Inerente


Vício Inerente é um termo designado para aludir à tendência de certos objetos em deteriorar-se e sofrer danos, não pela ação de agentes externos, mas unicamente pela natureza do material da qual são feitos.
Também é o nome de um livro escrito por Thomas Pynchon, um escritor com mais de 50 anos de carreira que jamais cedera direitos de adaptação para nenhuma de suas obras, e deste filme, dirigido por Paul Thomas Anderson (de O Mestre, Sangue Negro e Magnólia), adaptando o romance de Pynchon.
A história do detetive particular cuca-fresca e maconheiro Larry "Doc" Sportello (Um brilhante Joaquin Phoenix), que, durante alguns dias de 1970, precisa sair de sua rotina no sul da Califórnia para ajudar sua ex-namorada, e ex-grande amor, Chasta Fey (a hipnótica Katherine Waterston).
Shasta ressurge na vida de Doc alguns meses (ou seriam anos?) após sua separação pedindo que o investigador particular a ajude com questionamentos morais a respeito de um golpe contra seu amante, o casado milionário do ramo imobiliário Michael Wolfmann (Eric Roberts), alvo de uma trama de sua esposa Sloane (Serena Scott Thomas) para interná-lo em um sanatório e tomar todo o seu dinheiro.
Logo após ser procurado por Chasta, Doc é consultado (ele tem um consultório, mesmo.) por Tariq Khalil (Michael Kenneth Williams), um membro da guerrilha dos direitos negros procurando por seu ex-companheiro de cela, Glenn Charlock, um supremacista branco que trabalha como segurança de Wolfmann.
Como se já não tivesse o bastante em seu prato, Doc ainda é procurado pela jovem Hope Harlingen (Jenna Malone), que acredita que seu marido, o saxofonista Coy (Owen Wilson), dado como morto, na verdade está vivo, e sendo mantido contra a vontade em algum lugar.
Para tornar as coisas ainda mais complicadas, assim que começa suas investigações, Doc é atacado em um canteiro de obras, e acorda sob a mira da arma do tenente detetive Christian F. "Big Foot" Bjornsen (um Josh Brolin enfurecido, de "cabelo escovinha e um brilho nos olhos que diz 'fodam-se os direitos civis.'", que adora "moto panacaku", e come picolés de uma maneira bastante curiosa), apenas para descobrir que Charlock morreu, e que Wolfmann e Chasta desapareceram!
Em suas investigações, Doc se vê rodeado por toda a sorte de tipo esquisito da Los Angeles setentista de Pynchon/Anderson, de nazistas zen a tiras matadores de aluguel passando por seitas, prostitutas "chupadoras de bucetas" como Jade (Hong Chau), sensuais empregadas mexicanas como Luz (Yvette Yates), dentistas envolvidos com cartéis de drogas como o doutor Rudy Blatnoyd (um ótimo Martin Short), seu amigo e advogado Sauncho Smilax (Benício Del Toro), sua namorada e assistente da promotoria Penny Kimball (Reese Whitersoon) e até agentes do FBI com pinta de mórmons de porta em porta.
Ainda que seja classificado como uma comédia, Vício Inerente desafia a categorização. O trailer faz parecer que o filme seria quase uma comédia de crime caótica tarantinesca, o que não é verdade. O longa tem momentos muito engraçados, mas ao mesmo tempo ele tem uma qualidade de melancolia absolutamente inegável. Se a aventura de Larry Doc carrega ecos de O Grande Lebowski (referência mais fácil em vista da chapadeira perene do protagonista e da natureza episódica da trama), ao mesmo tempo é totalmente diferente a medida em que Doc, ao contrário de The Dude, pareça tentar manter-se a par do que está acontecendo (Por vezes com resultados hilários, como nos closes de suas anotações no tradicional bloquinho de detetive), e em outras tantas, ter lampejos de lucidez dignos de Sam Spade, e até surpreendentes explosões de violência.
Aliás, talvez a melhor categorização de Vício Inerente, seja mesmo a de Noir Chapado. Porque, por muitas vezes, é difícil seguir a história (em algumas ocasiões, Anderson brinca com os lapsos de memória do protagonista maconheiro, jogando informações totalmente novas como se fossem coisas que nós deveríamos saber, e em outras tantas, insiste com informações repetidas sem nenhuma importância), e em outras tantas, não faz nenhuma diferença segui-la, ou não, criando uma experiência que deve ser próxima a de estar constantemente sob o efeito de maconha tal qual seu protagonista.
A questão em Vício Inerente é que não é, exatamente, um filme de detetive, também não é exatamente sobre a relação entre Shasta e Doc (docemente ilustrada pela sequência da mesa Ouija), nem é exatamente sobre a relação entre Doc e Big Foot (que vai muito além dos bicos na porta e das surras), e nem é exatamente por aquele momento da história em que o flower power foi consumido pelo cinismo das grandes corporações e a polícia se tornou mais violenta e os hippies deixaram de ser aqueles jovens adoráveis de pés descalços e se tornaram aqueles vagabundos fedendo a "peido e patchouli"... Ou talvez seja... Quem liga?
Certamente não Paul Thomas Anderson.
Ele apenas conta sua história com a maestria habitual, sua lendária direção de atores que já rendeu boas atuações de Adam Sandler e Mark Wahlberg (!!!!!!!!!!) segue boa como sempre, e o elenco recheado de estrelas ajuda.
Filmando em 35 mm. pelo cinematógrafo Robert Elswit, dando a cara dos anos setenta ao filme, sem nenhum arroubo visual ou trabalho esmerado de câmera, apenas deixando o elenco atuar ao som da trilha de Johnny Greenwood, recheada de Neil Young num filme que provavelmente não será unanimidade (tinha dois casais sentados a minha frente no cinema, e enquanto eu me levantava e juntava minhas compras para ir embora, eles faziam um verdadeiro debate a respeito de "sobre o que era o filme, mesmo?"), e nem é pra ser.
Vício Inerente se estende por duas horas e meia sem decolar porque flutua o tempo todo, bicho.

"-Michael Z. Wolfmann desapareceu.
-Então... Então, onde eu... Uh... Encontro ele?"

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