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sábado, 25 de abril de 2015

O Gramado


Quando criança, o Lizandro tinha um porco-da-índia. Era uma pequena bola de pelos branca e preta que atendia pelo nome de Floquinho. O porco fora batizado pela mãe de Lizandro, sob protestos do mesmo, que queria que o animal se chamasse "Rompeferro". Por alguma razão, àquela ápoca de seus seis, sete anos, era importante que seu animal de estimação tivesse um nome poderoso, que evocasse grande capacidade de destruição e hombridade, ainda que a possibilidade de o porco-da-índia efetivamente romper ferro, fosse bastante escassa, para se dizer o mínimo.
À revelia de sua vontade, Rompeferro foi Floquinho, mesmo, e Lizandro, em seu desapontamento infantil por não poder treinar um porco-da-índia de guerra, ainda soube encontrar em seu coração pré-púbere, a capacidade de amar um animalzinho como apenas as crianças são capazes.
Ele alimentou o pequeno roedor com ração, maçãs e couve-flor, deu-lhe água e limpou sua gaiola, e chegou a dormir com o peludo mascote deitado sobre seu peito.
Eventualmente, Lizandro foi à praia, deixando Floquinho sob os cuidados da avó, e, ao voltar, descobriu que o bichinho fora dado à um amigo que criava porcos-da-índia em seu sítio na grande Porto Alegre.
Um código para "seu porco-da-índia morreu", que Lizandro, então, não tinha malícia para compreender, de modo que ficou, até, satisfeito por Floquinho ter ido para um lugar bacana, com vários outros roedores de igual tamanho e ruminante propósito de vida.
A bem da verdade, uma única coisa incomodava Lizandro no cenário falso proposto por sua família:
O tamanho do campo onde Floquinho ficaria.
Quando sua avó e mãe lhe garantiram que o campo era "enorme", Lizandro ficou preocupado.
Ele se lembrou de uma vez em que levara seu porco-da-índia-de-guerra para a escola para um mostre-e-explique, e, na volta, soltou o animalzinho no gramado ao redor do monumento aos açorianos, na esperança de ver o roedor se divertir solto no meio do capim.
Para sua surpresa, porém, Floquinho não fez isso. Com os sentidos de animal de gaiola sobrecarregados pela imensidão relativa do gramado, Floquinho observou o arredor com seus olhos esbugalhados, e escalou os pés de Lizandro, aparentemente ansioso por voltar para sua gaiola, e a segurança de suas refeições entregues à boca várias vezes ao dia, como se, o que via diante de si, fosse demais para registrar.
Eventualmente a mãe e a avó de Lizandro o convenceram de que o "enorme campo" de Floquinho estaria repleto de outros animais de mesma espécie e tamanho, de modo que ele não se sentiria oprimido pela grandeza a seu redor. E Lizandro, pensando que se o nome de Floquinho houvesse sido Rompeferro, ele não teria medo de um gramado grande, acabou aceitando, reconfortado, a ideia de seu pequeno amigo ter encontrado sua "liberdade" entre iguais.
Mais tarde Lizandro descobriu que seu porco-da-índia morrera enquanto ele estivera ausente. Chegou a experimentar um momento de revolta ao se dar conta que fora enganado pela mãe e a avó. Mas superou. Os porcos-da-índia eram criaturinhas de vida curta, e ele se convenceu que a mentira que ouvira fora contada pensando em seu próprio conforto.
Uma coisa, porém, que nunca saiu da cabeça de Lizandro, foi a vez em que liberou Floquinho no gramado para que ele experimentasse a satisfação de correr... Lizandro achava muito curioso que, diante a possibilidade de viver seu cenário ideal, Floquinho tivesse se acovardado como fora o caso.
Lizandro nunca havia entendido aquilo.
Até recentemente...
Lizandro se viu diante de uma situação semelhante ao ser confrontado com um amor tão grande, que o assustava.
Raquel.
Raquel era o cenário ideal de Lizandro. Sua voz, seu riso, sua pele, seus cabelos, mãos e pernas eram tudo o que o Lizandro podia sonhar na vida. Tudo o que ele queria ter. Toda a interação com Raquel, era fogos de artifício e final de campeonato para ele. Tudo o que ela fazia, ecoava no seus sentimentos, e, de repente, Lizandro se viu sobrecarregado pelo que sentia.
Ao notar como uma palavra trocada com ela o afetava, como lhe incomodava o fato de algum percalço surgir entre os dois, ao perceber que não tê-la visto ou ouvido uma palavra dela por um dia, ou dois, o incomodava demais. Que imaginá-la se divertindo, feliz, sem ele estar por perto, o deixava mais que azedo, amargo.
E Lizandro, de olhos esbugalhados, e envergonhado pela forma como se sentia, resolveu voltar para sua gaiola, e deixar o gramado para Raquel, que sabia aproveitá-lo, e merecia fazê-lo sem as neuras de outrem a atravancar-lhe o caminho.

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