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sábado, 28 de janeiro de 2017

Resenha Cinema: Manchester À Beira-Mar


Eu não sou um grande fã de filmes que emulam a vida.
A vida real. Minha, tua, de todos nós...
Eu não sou afeito ao cinema que mostra a vida sem arroubos, sem catarses, sem triunfos...
Quando me perguntam porque eu não gosto de filmes franceses e iranianos sobre "pessoas comuns em situações mundanas" eu costumo responder que eu sou uma pessoa comum e tenho dezenas de situações mundanas pra gerir diariamente.
Não preciso ir ao cinema dar duas horas do meu dia pra ver mais um pouco.
Mas há exceções...
Volta e meia esbarramos com melodramas pé-no-chão que se sustentam, como é o caso deste Manchester À Beira-Mar, do dramaturgo e cineasta bissexto Kenneth Lonergan, do ótimo Conte Comigo.
O longa conta a história de Lee Chandler (Casey Affleck), um homem solitário que trabalha como zelador em um condomínio em Boston.
Lee é um sujeito quieto, sorumbático e inacessível que divide sua vida entre as obrigações profissionais de faz-tudo e noites enchendo a cara de uísque em bares que, volta e meia, culminam com brigas contra desconhecidos.
A rotina de Lee muda quando seu irmão mais velho Joe (Kyle Chandler) morre.
Nós ficamos sabendo que a morte de Joe não era um choque. Ele sofria de uma doença cardíaca degenerativa e todos estavam cientes de que ele poderia morrer a qualquer momento.
Após tomar as medidas iniciais, Lee vai encontrar seu sobrinho, Patrick (Lucas Hedges, de O Teorema Zero).
O filho-único de Joe é um jovem de dezesseis anos com uma vida social efervescente.
Patrick tem duas namoradas, toca em uma péssima banda de rock, joga hóquei no inverno, basquete no verão, tem dezenas de amigos na cidade de Manchester, Massachusetts e pretende seguir os passos do pai como pescador, inclusive estudando para tirar uma licença e poder pilotar o barco que herdou.
Então é chocante para Lee quando ele descobre que, em seu testamento, Joe o deixou como tutor legal de Patrick, porque conforme aprendemos com os vários flashbacks que permeiam a primeira metade do longa, Lee saiu de Manchester por uma razão, e não tinha nenhuma intenção de voltar.
Agora ele precisa lidar com seus traumas, digerir uma realidade absolutamente surreal para ele, e encontrar uma forma de conciliar suas decisões com o bem-estar do sobrinho adolescente enquanto luta contra a responsabilidade que Joe lhe deixou.
Eu sou o primeiro a reconhecer que essa premissa parece com aqueles clichês re-re-repetidos de crescimento através da responsabilidade, ou de amor superando traumas em momentos de luto, mas acredite, não é o que Kenneth Lonergan faz em Manchester À Beira-Mar.
O diretor e roteirista tem um respeito e um carinho grandes demais pelos seus personagens para entregar esse tipo de história requentada de redenção a eles.
E eu sei, quando coloco as coisas dessa forma, a primeira coisa que me vem à cabeça é que estamos falando, então, de duas horas de desgraça sem nenhuma espécie de recompensa?
Também não.
Ainda que Manchester À Beira-Mar seja um drama, o longa se equilibra bem, e não cai no dramalhão. O filme tem essa capacidade de arrancar risadas de diversas situações apenas porque seus personagens, especialmente Lee e Patrick, são cheios de um (quase sempre) saudável sarcasmo, que os faz ver uma ponta de graça mesmo em situações que parecem tristes, como o episódio do freezer, e algumas vezes apenas porque o diretor tem um olho esperto para ver o ridículo em meio à tragédia e apontá-lo para a audiência.
Isso, aliado a um esperto trabalho de edição de Jennifer Lame, que picota o filme numa série de cenas curtas e eficazes, garante que o longa não se torne cansativo.
Claro, não faz mal nenhum ter um elenco competente contado sua história, a começar por Casey Affleck no papel principal.
O ator vinha demonstrando seu talento não era de hoje, se especializando em interpretar homens comuns assombrados por traumas (seu papel no altamente subestimado Tudo Por Justiça, é um exemplo), e ele devora o papel de Lee Chandler com vontade.
O homem alquebrado e incapaz de demonstrar emoções que vive no piloto-automático tem "tragédia" escrito sobre a cabeça em um sinal de néon desde o início do filme, e quando nós descobrimos o que se passou, e descobrimos que é ainda pior do que se supunha, é impossível não se compadecer dele e não entendê-lo.
Nesse ponto entra outro acerto do filme:
Michelle Williams, que interpreta a ex-esposa de Lee, Randi.
Olhando em perspectiva, Williams aparece pouco no longa, mas ao menos uma cena partilhada por ela e Affleck é de partir o coração juntar os cacos e partir outra vez, e torna, não apenas compreensível, mas absolutamente justificável, vê-la indicada a prêmios.
Com um brilhante trabalho de elenco, edição esperta, trilha sonora por vezes opressiva, quase como se estivesse tentando expressar os sentimentos que os personagens se negam a expressar, uma direção segura e um roteiro robusto, Manchester À Beira-Mar é uma poderosa obra sobre família e sobre perdão, e sobre como essas são coisas difíceis de gerenciar, cheia de amor, raiva tristeza e humor.
Sim, por vezes é um soco na boca do estômago, mas um dos bons, bem executados, que dá gosto de sentir.
Não é filme pra todas as audiências, mas os amantes de cinema que não estão com pressa e sabem admirar um filme com seu próprio ritmo certamente terão um bom programa, e verão ao menos duas grandes atuações.
Certamente vale a ida ao cinema.

"-Onde nós vamos? Ao orfanato?
-Cala a boca..."

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