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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Resenha Cinema: O Caso Richard Jewell


Entra ano, sai ano e há coisas que não mudam no panorama do cinemão norte-americano. Meryl Streep continua sendo a grande atriz em atividade em Hollywood, Martin Scorsese segue sendo indicado ao Oscar e sendo esnobado (é, eu sei que ele ganhou em 2006, mas Scorsese ter o mesmo número de Oscars que Esquadrão Suicida é inadmissível), os grandes estúdios procuram por fórmulas mágicas de ganhar muito dinheiro e Clint Eastwood lança um filme.
Eu francamente nem sei quanto tempo faz que o eterno Dirty Harry começou com sua prolífica sanha de cineasta. De 2002 pra cá, Eastwood não lançou, de fato, um filme por ano, mas houve mais de um ano em que o octogenário diretor lançou dois filmes na mesma temporada, ás vezes pérolas como A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima, ou A Troca e Gran Torino... Seja como for, um filme de Eastwood é uma coisa a se esperar todos os anos, e em 2020 (pros americanos foi em 2019), o longa do eterno Blondie é esse O Caso Richard Jewell.
O longa nos apresenta o personagem título, vivido por Paul Walter Hauser, trabalhando como almoxarifado em um escritório de direito. É lá que ele conhece o formando G. Watson Bryant (Sam Rockwell), de quem se torna amigo, e com quem compartilha seu sonho de se tornar um agente da lei.
Algum tempo depois, nós encontramos Jewell mais perto de seu emprego dos sonhos, como guarda de segurança em uma universidade. Richard, porém, não inspira grande respeito nos alunos, que se referem a ele com termos jocosos e ofensivos, o que o faz ser mais rígido do que o necessário, e eventualmente, causa a sua demissão.
Anos mais tarde, ele é contratado como guarda de segurança freelancer pela AT&T, uma patrocinadora das Olimpíadas, para monitorar eventos musicais em Centennial Park durante os jogos olímpicos de Atlanta, em 1996. Lá, Richard mantém sua postura CDF a respeito de normativas e leis, e sua mão pesada se prova útil quando um atentado a bomba ocorre durante um evento. Seu obsessivo trabalho de avisar as autoridades competentes e formar um perímetro de segurança, sem sombra de dúvidas salva vidas, e não tarda para o tímido Jewell estar dando entrevistas na TV como um herói.
O sonho dourado, porém, não dura muito.
O agente do FBI Tom Shaw (John Hamm), que estava no local durante o ataque é designado para investigar Jewell. É um procedimento padrão já que "heróis" que causam as tragédias onde se destacam são bastante comuns, mas Shaw está se recriminando por ter pisado na bola no caso, e seu excesso de zelo, somado à paudurescência que toma conta dele durante uma conversa com a repórter Kathy Scruggs (Olivia Wilde, tão sexualmente agressiva que quase não vemos o quanto ela é linda) o levam a vazar o nome de Richard.
Kathy é tão bruta escrevendo matérias quanto pegando suas fontes pelos ovos, e imediatamente começa a publicar diuturnamente artigos a respeito da investigação contra Richard Jewell no Atlanta Journal Constitution.
É a deixa para a vida de Richard implodir.
Um sujeito simplório vivendo com a mãe (Kathy Bates), com respeito e admiração quase irracionais por agentes da lei, ele está sempre olhando assombrado, ou dizendo as coisas erradas conforme o FBI começa a revirar sua vida e sua casa em busca de evidências de seu envolvimento com o atentado, até que, finalmente, ele resolve pedir a ajuda de Bryant, que não está exatamente no melhor momento de sua carreira de advogado, mas aceita ajudar Richard a se defender.
Há um bocado de sutileza e profundidade em O Caso Richard Jewell. Não necessariamente na história, afinal, Clint Estwood pode ser um diretor surpreendentemente sensível, mas ele certamente não é um relativista no que tange a bem e mal, o sujeito foi mocinho de muitos faroestes para ver o mundo em quaisquer outras cores.
Assim, os vilões do filme são extremamente bem divisados, Tom Shaw e Kathy Scruggs representam a vilania do longa, e são representados como malvados até a medula. Ainda que os dois tenham suas razões para agir como agem (Tom com a sensação de ter falhado ao "deixar" o atentado ocorrer em seu quintal, Kathy lutando por seu espaço dentro do jornal e acreditando no que sua fonte lhe diz), mas acreditar desesperadamente que está certo não significa estar, já nos ensinou Thanos, e esses dois personagens estão muito, muito errados, e por mais que a audiência possa pensar que os retratos de Shaw e Scruggs são simplistas e estereotípicos (A repórter ainda é retratada sob um viés algo machista), Clint Eastwood e o roteirista Billy Ray, que escreveu o script a partir do artigo de Marie Brenner e do livro de Kent Alexander e Kevin Salwen, têm a seu favor o fato de que O Caso Richard Jewell é uma história real. Tudo o que eles dizem ter acontecido ao guarda de segurança realmente aconteceu.
E se os "vilões" do filme têm pouco a fazer além de ser malvados, os mocinhos ganham espaço para trabalhar.
Paul Walter Hauser, de Infiltrado na Klan e Eu, Tonia vive Richard Jewell com delicadeza e empatia palpáveis. Um ator habituado a papéis menores, Hauser não parece sentir o peso de viver um protagonista, e manda muito bem em seus momentos mais dramáticos. Claro que só pode ajudar dividir a cena com duas cobras do naipe de Sam Rockwell e Kathy Bates. O vencedor do Oscar por Três Anúncios para um Crime interpreta o advogado Watson Bryant com tanta naturalidade que é possível que a audiência não perceba o quanto ele está excepcional no papel, e Kathy Bates simplesmente parece decidir que vai roubar o filme todo pra si à certa altura e começa a devorar todas as cenas em que aparece.
Apoiado nos ombros de seu elenco, Eastwood esconde um conto moral e um bem equilibrado estudo de personagem sob a tradicional história de superação de um homem comum em O Caso Richard Jewell. O longa está terrivelmente longe de ser perfeito, e dificilmente será lembrado entre os melhores trabalhos de Eastwood atrás das câmeras, mas certamente merece a deferência de uma visita ao cinema ou um aluguel digital, mesmo em seus momentos menos inspirados, Clint ainda consegue fazer filmes relevantes.

"-Por que você não fica furioso?
-Eu estou furioso. Furioso nem é uma palavra forte o suficiente pra como eu estou me sentindo.
-Bem, você poderia me enganar..."

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