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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Resenha Filme: Joias Brutas


Existe uma única razão para Adam Sandler não ter entrado na minha lista de piores do ano em 2019:
Eu me recusei a assistir Mistério no Mediterrâneo.
Após ter visto Os Seis Ridículos e Zerando a Vida, eu resolvi me poupar de ver qualquer outra coisa que o Ex-Saturday Night Live colocasse na Netflix após o rechonchudo contrato que o serviço de streaming firmou com o comediante.
Porque enquanto comediante, Adam Sandler é sofrível.
Sério, um sujeito que não passa um ano sem lançar ao menos um filme desde o fim da década de 90 e que tem apenas umas três comédias engraçadas no cartel... É estranho que Sandler tenha o cartaz e o séquito de fãs que tenha. Especialmente porque eu não sou um sujeito de riso difícil. Pelo contrário. E ainda assim, os únicos filmes de Sandler que acho engraçados são Afinado no Amor e Tá Rindo do Que?, e olha que o segundo envelheceu mal uma barbaridade, e olhando ele novamente, eu ri infinitamente menos do que na primeira vez...
Sandler, porém, deve ser um bom sujeito.
Ele jamais deixa seus amigos na mão (se não fosse por ele, caras como Nick Swardson, David Spade e Rob Schneider provavelmente já teriam morrido de fome), todo mundo que trabalha com ele parece gostar o suficiente para retornar ao menos uma vez (veja Drew Barrymore, John Turturro, Sean Astin e Jennifer Aniston...), e ele não se furta de usar sua persona cinematográfica inexplicavelmente relevante para dar uma força aos amigos na TV, conforme vimos em Brooklyn 99 e Kevin Pode Esperar...
Mas, mais importante do que tudo isso, Adam Sandler sabe atuar.
Ele realmente sabe.
Não é sempre, não é sob a batuta de qualquer diretor, mas Adam Sandler pode ser um ator muito competente com o material certo em mãos. E tudo bem, sejamos francos que, as primeiras demonstrações de competência dramática de Sandler foram sob as batutas de dois diretores capazes de tirar leite de pedra, de Mike Binder em Reine Sobre Mim (Binder pode não parecer grande coisa hoje em dia, mas entre 2005 e 2007 ele dirigiu três filmes dos quais eu gosto bastante, e ao menos dois deles tiveram ótimas "atuações surpresa"), e de Paul Thomas Anderson em Embriagado de Amor (PTA havia tirado uma ótima atuação de Mark Wahlberg, então nada estava fora do alcance do homem). Mas com o passar dos anos Sandler seguiu experimentando coisas fora da sua zona de conforto vez e outra. Até mesmo dentro de seu habitat natural, as comédias, Sandler arriscou a fazer um pouco mais, em longas como Click e Espanglês, onde tentou ir além do mero mais do mesmo.
Claro, os resultados nem sempre são os melhores, e mesmo alguns dos dramas estrelados pelo ator são ineficazes, como o bem-intencionado Homens, Mulhers & Filhos, mas o recado é: Adam Sandler pode ser um ótimo ator sob a direção certa, e foi por isso que eu fiquei ansioso por assistir Joias Brutas sem nem mesmo ter visto o trailer do filme. Porque a mera premissa e a direção dos irmãos Safdie, do ótimo Bom Comportamento (que eu só vi algumas semanas atrás, por recomendação de uma morena muito cheirosa) pareciam o tipo de material capaz de explorar as melhores qualidades de Adam Sandler.
Ontem à noite, munido de uma pizza e uma caneca de guaraná, eu me sentei tão confortavelmente quanto possível em meu sofá, e assisti o longa.
Joias Brutas abre no coração de uma joia bruta. A câmera mergulha nas entranhas de uma opala negra que acaba de ser encontrada em uma mina na Etiópia para emergir no cólon de Howard Ratner (Sandler), em um hospital em Nova York.
Howard é um negociante de jóias judeu que gerencia uma pequena joalheria no distrito dos diamantes de Manhattan. Lá, ele recebe clientes dos mais variados tipos, incluindo cantores e atletas que estejam querendo adicionar diamantes ao seu visual. Esse tipo de cliente geralmente é trazido à loja de Howard por seu associado Demany (LaKeith Stanfield), que nessa manhã em particular, traz consigo o jogador de basquete do Boston Celtics Kevin Garnett (interpretando a si próprio).
Demany e Garnett, porém, não são os únicos na loja de Howie nessa manhã. Dois sujeitos mal-encarados surgiram para cobrar um empréstimo feito pelo empresário. Veja, Howard é um viciado em apostas. Ele está afundado em dívidas porque andou pegando dinheiro emprestado de todos os lados para apostar em eventos esportivos, e agora o cerco começa a se fechar.
Howard, porém, tem um trunfo.
Após assistir a um documentário a respeito de judeus etíopes na TV a cabo, ele aprendeu sobre opalas negras e acaba de trazer uma direto da África para colocar em leilão e faturar, ele supõe, mais de um milhão de dólares.
Howard está tão empolgado com a sua pedra que não resiste a exibir a joia para Garnett, e o jogador da NBA experimenta uma conexão imediata com o mineral. Tão profunda que ele pede a pedra emprestada para usar como amuleto de boa sorte no jogo dos play-offs que ele irá disputar naquela noite.
E, Howard concorda.
E essa é apenas a primeira de uma série de decisões erradas que veremos o protagonista tomar ao longo de duas horas e quinze minutos, quando todas as cagadas que Howard aprontou nos últimos tempos irão se apertar ao redor de seu pescoço em um nó górdio de consequências dos quais o joalheiro pode, finalmente, não ser capaz de se livrar.
Howard Ratner é um dos melhores personagens da carreira de Adam Sandler. Provavelmente pega parelho com seu Barry Egan em termos de complexidade mas em uma nota absolutamente distinta,
Howard não é uma vítima das circunstâncias, nem é um sujeito que cometeu um erro. Ninguém chega ao nível de desgraça onde Howard está quando o encontramos se não for um tomador de más decisões de nível olímpico. Ele deve tanto dinheiro que credores e capangas o perseguem pelas ruas, sua mulher, Dinah (Idina Menzel) o despreza, sua filha mais velha (Noa Fisher) não o suporta, ele é amante de uma de suas funcionárias, Julia (a notável Julia Fox), que mora em um apartamento que ele mantém na cidade, e ele não pára. Tanto de maneira literal quanto figurada, Howard não consegue parar. Da mesma maneira que ele está sempre em movimento, andando de um lugar para o outro, correndo escadas abaixo, falando sem parar, xingando ou praguejando, e ele não consegue parar de se afundar.
Ele pega dinheiro emprestado para fazer apostas que possam pagar pelos empréstimos que já fez, tenta manter seu casamento de fachada ainda que ele e Dinah saibam que é apenas isso, mente descaradamente para credores, amigos e conhecidos desesperado, não por uma saída, mas por uma forma de continuar nesse caminho sem sofrer as consequências. Porque se uma coisa fica dolorosamente clara em Joias Brutas, é que Howard jamais vai parar. Ele não está mais apostando porque quer dinheiro, ele está apostando porque ama apostar, e ele está destruindo sua vida no processo porque o estresse das apostas é a única coisa parecida com emoção que ele é capaz de sentir, em suma, Howard é um escroto de carteirinha com quem a audiência é incapaz de sentir empatia, ainda assim, os irmãos Safdie narram sua desventura de uma maneira tão cinética que é impossível não passar o filme inteiro tenso de roer as unhas, sob as lentes dos dois Nova York é uma cidade aterrorizante, e todos os seus habitantes são horrorosos e ameaçadores. Joias Brutas é provavelmente o thriller mais intenso que eu assisto em muito tempo, e construído de uma maneira tão não-convencional que é difícil falar a respeito dele. Desde seu primeiro minuto o filme é caos e tensão orbitando ao redor de Adam Sandler na forma de personagens recorrentes que entram e saem geralmente trazendo mais caos e mais tensão.
Completando o elenco há ainda Eric Bogosian, Judd Hirsch e uma porção de pontas de rappers que provavelmente são famosos, mas a única pessoa capaz de roubar o holofote do protagonista é a bela Julia Fox, que realmente surpreende na segunda metade do filme, quando sua personagem deixa de ser apenas uma gostosona para mostrar profundidade e complexidade capazes de se equiparar a de Howard e fazer a audiência entender que a relação dos dois vai além do "suggar daddy/suggar baby", ainda assim, o longa pertence a Sandler do começo ao fim, e se há um elogio que eu posso fazer ao Herdeiro Bobalhão é que ele ancora o filme com notável segurança mantendo dor e raiva logo abaixo da superfície durante cada segundo em cena, é realmente um trabalho excelente do ator que, eu devo dizer, não me pareceu um injustiçado do Oscar por sua atuação, mas faz um trabalho genuinamente acima da média.
Pra encurtar a conversa, assista Joias Brutas.
É mais um ótimo filme do ano passado chegando atrasado ao Brasil, mas é consideravelmente mais fácil de assistir:
O longa está disponível na Netflix e garante duas horas e quinze minutos roendo as unhas na ponta do sofá.
Recomendadíssimo.

"-Isso sou eu, tá certo? Eu não sou uma porra de um atleta, essa é a porra do meu jeito. É assim que eu venço. Tá certo?"


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