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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Prós e Contras



O Berilo cambaleou por três degraus largos e parou segurando-se em uma parede próxima. O burburinho de dezenas de pessoas zuniu em seus ouvidos enquanto algumas se afastavam conforme ele passava. Pôde identificar risadas e sons de reprovação entre a multidão. Ele sentia o sangue escorrer abundantemente de uma ferida na sua testa. Ele nem sequer lembrava ao certo como aquele ferimento, especificamente, havia sido infligido à sua carcaça cansada, pra ser bem honesto, aquele nem sequer era o ferimento que doía mais, suas costelas o estavam matando, seu nariz chegava a estar amortecido pela dor e quando ele respirava fazia um ruído estranho, quase como um apito "Deve estar quebrado", pensou.
Não que ligasse, um nariz quebrado era uma coisa perfeitamente passível de conserto ligeiro, o punho direito, porém, latejava, latejava demais, e nas costas da mão, tinha uma mancha que estava com aquela coloração preta na órbita e esverdeada no centro, se fosse uma fratura, aquela sim era preocupante.
Destro de não conseguir nem coçar o braço direito com a mão esquerda, Berilo via com pânico a ideia de não poder usar a mão direita durante um semestre.
Precisou sentar. Machucara os dedos do pé, e o tornozelo direito, na perna esquerda, nada de errado.
Sentou no cordão da calçada, e apoiou os cotovelos nos joelhos, sentiu dor no torso inteiro quando se curvou para tocar as articulações, e uma pontada quando respirou fundo e sentiu seus dentes balançarem. Como aquilo acontecera, mesmo? Seus sentidos estavam meio turvos, suas percepções prejudicadas, como foi que ele se machucou daquele jeito?
Fez força para lembrar, enquanto fechava os olhos e via luzes claras espocarem diante de suas pupilas. Não lembrava de uma briga, fora a uma danceteria pra quê? Era aniversário de alguém... Sua irmã? Não... Ah, o namorado dela.
Deus do céu, pensou. Era por coisas como aquelas que detestava danceterias, nem sequer bebia, e agora ali estava: Todo arrebentado, sem nem mesmo saber ao certo o porque. O que acontecera? Tomara um tombo, certo? Não... Não fora um tombo, tombo algum o deixaria naquele estado exceto se caísse do quarto andar de um prédio, talvez, mas então... O quê? Uma briga? Mas logo ele? Como? Berilo era provavelmente a pessoa mais tranquila da região sul do Brasil, por que brigaria? Era por coisas como essas que odiava pessoas. O que fizera pra ser surrado daquela forma? E por quem? Não que fosse um Stallone, mas não era um sujeito pequeno, como fora espancado daquele modo? Um bêbado, talvez? Mas como fora surrado por um bêbado? Não... Não um bêbado.
Dois bêbados.
Dois bêbados agressivos o haviam atacado, os arquivos começaram a se organizar em sua cabeça, dois sujeitos, um sujeito negro, de cabelo raspado, e um branco loiro de cabelo comprido. Mas que filhos da puta, pensou Berilo. Como fora?
Uma garrafada.
Sim. Foi o primeiro golpe. Uma garrafada na cabeça. Era de onde provinha o sangue que lavava sua camiseta branca e o asfalto da sarjeta sob seus pés. Discutia com o sujeito negro quando o loiro o atingiu, de surpresa, com a garrafa, deu dois passos pra trás, lembrava disso, e então foi empurrado e recebeu um chute no pé direito ao mesmo tempo, não sabia qual dos dois o atingira, o negro ou o loiro. Caiu e torceu o tornozelo, e no chão foi alvo fácil para uma torrente de pontapés por toda a parte, o que explicava a dor nas costelas, o nariz e a sensação de dentes frouxos.
E a mão? Como machucara a mão?
Pensou enquanto massageava o punho escuro e dolorido. Abriu e fechou a mão algumas vezes, e então lembrou-se, esmurrara violentamente alguém.
Quem? O algoz loiro ou o negro?
Apertou os olhos fazendo força pra lembrar. Deu-se conta:
Nenhum dos dois!
Esmurrara o segurança! O segurança que surgiu pra tirar os dois brigões embriagados de cima dele! Quando o segurança, um sujeito gigantesco de cabeça raspada afastou os bêbados espancadores, Berilo estava tão desnorteado pela surra que pensou que fosse mais um agressor, e sem pensar duas vezes, esmurrou com toda a força o rosto do segurança, que enfurecido, arrastou-o até o lado de fora do clube e o empurrou pra rua! Por isso saíra cambaleante da danceteria, pois fora empurrado quase escada abaixo.
Montara sua linha de tempo. Sabia, agora, por que estava em tão mal estado. Mas... Como começara a briga? Por que os beberrões agressivos o haviam atacado?
Ficou fazendo força pra lembrar quando ouviu uma voz atrás de si chamá-lo pelo nome:
-Berilo?
Que voz feminina era aquela? De sua irmã? Ou era da prima de seu cnhado, a Jenifer? Não... Não, não era de nenhuma das duas, outra gaveta desarrumada de seus aruivos de memória recente se abriu. Era Manoela!
Quem era Manoela?
Bem, Manoela era convidada da festa, colega de faculdade de Jáder, seu cunhado, era uma moça loira, baixinha, com um rosto bastante distinto, e um sorriso lindo.
Ela conversara com Berilo desde que ele tocara em seu cabelo, e dissera, em tom de brincadeira, que ela estava queimando o filme bebendo só coquetel de frutas. Quando ela foi replicar, viu que ele bebia a mesma coisa.
Haviam falado sobre muitas coisas, cinema, literatura, quadrinhos, música, os veraneios de infância dele em Quintão, as viagens dela pelo interior, e ele, um solitário rabugento de carteirinha, sentiu aquele calorzinho gostoso e quase inédito dentro do peito enquanto conversavam. Quando ela olhou o relógio e disse "Nossa, quase três horas!", ele sentiu morrer um pouquinho por dentro, e se sentiu ridículo por ter experimentado aquela sensação. Tanto que nem teve coragem de dizer que adoraria vê-la de novo, ou pedir o telefone dela pra saírem e ir a algum lugar onde pudesse, me fato, ouvir um ao que o outro falava.
Quando ela disse que ia tomar um último drinque antes de ir, ele a acompanhou na esperança de que ela, talvez, o houvesse achado minimamente interessante e quisesse, ao menos, seu MSN.
Foram ao balcão do bar apanhar mais um coquetel de frutas e foi quando o desagradável bêbado loiro a empurrou para furar a fila. Ela reclamou, o sujeito foi grosseiro, e Berilo se viu na obrigação de intervir, o que acarretou todo o ocaso que resultou em sua carcaça demolida ensanguentada e dolorida de agora.
A dor porém, desapareceu quando ele viu Manoela, ela se agachou diante dele e sorriu om os lábios embora tivesse as sobrancelhas erguidas até o meio da testa, mostrando tristeza e compaixão.
-Meu Deus, olha só pra ti, guri. Que horror... Tu quer ir ao hospital? Eu vou contigo.
-Não, que é isso - Berilo começou a replicar após constatar com o tato da língua que seus dentes estavam todos no lugar. - Tu disse que tá tarde, que precisava ir...
-Não, não, o mínimo que eu posso fazer é te levar ao hospital, se não fosse por ti, aquele cavalo podia ter me atacado. Consegue andar até o ponto de táxi?
-Consigo. - Assentiu Berilo levantando-se com dificuldade amparado por Manoela.
Ela o conduziu ao táxi e perguntou:
-Tu quer que avise a tua irmã e o Jáder?
-Não, não precisa, é aniversáio dele, deixa eles aproveitarem, amanhã eu conto.
Entraram o carro, ela ordenou ao motorsta:
-HPS, moço, rapidinho, por favor.
O motorista assentu após arregalar os olhos pro estado de Berilo. Manoela segurou a mão inchada e escura dele, e a afagou de leve.
-Sabe... Apesar de tudo, isso foi bom. Eu meio que... Bom, agora tenho um pretexto pra conversar mais um pouco contigo.
Berilo sorriu enquanto afagou de volta a mão de Manoela. Olhou-se no espelho do carro, o lábio inchado, o nariz torto, o olho preto.
"Valeu totalmente a pena", constatou enquanto sentia a maciez da pele de Manoela entre as suas mãos.

2 comentários:

  1. Ai que tristeza, lembrei do Jack congelando no oceano, falando pra Rose: valeu a pena Rose, se fosse pra escolher eu teria entrado nesse navio do mesmo jeito, mesmo sabendo que ele ia afundar, se fosse pra te conhecer, eu entrava.
    Ai que tristeza, tá me devendo outra piada.

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  2. Como é que o Liam Neeson dizia pro molequinho em Simplesmente Amor?
    "We need Kate, we need Leo, and we need'em now."

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