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sábado, 16 de março de 2013

O Sorriso do Dustin Hoffman


A Regina entrou no restaurante onde tinha marcado com seu amigo Lucas andando bem rápido e arfando. Assim que olhou pra ela, o Lucas sacou que ela estava fingindo aquela pose toda de quem havia acabado de correr a meia-maratona.
-Corta a atuação, Rê. Se tu fosse boa atriz as peças ruins que tu me obriga a assistir seriam estreladas por ti, e não por aquele povo estranho com quem tu estudou atuação.
A Regina ainda respirou, ofegando mais um par de vezes antes de começar a rir e se desculpar.
-A minha cama me agarrou depois do banho e não queria me deixar sair, guri.
Ele riu, um sorriso falso que era muito dele, em que ele apenas comprimia a boca de um modo que os cantos se reviram muito sutilmente pra cima. A Regina achava aquele sorriso falso medonho. Especialmente porque, a contração que o Lucas fazia era tanta, que o vinco sobre seu lábio superior se espalhava por baixo de todo o nariz dele, quase fazendo uma grande seta apontando pra sua boca deformada pela careta.
-Que horror esse teu sorriso, Lucas.
-Como assim, "Que horror"? Esse é um ótimo sorriso, copiei ele do Dustin Hoffman em Krammer x Krammer, naquela cena em que ele tá lavando a louça e dá um tapinha na bunda da amiga dele.
-Amorzinho - Ela disse, se debruçando sobre a mesa e erguendo uma sobrancelha enquanto cochichava - O Dustin Hoffman é muito feio.
-Eu, também. - O Lucas respondeu enquanto encarava o cardápio. Largou ele de repente.
-Tu vai comer? - Perguntou pra Regina, que mexia no celular.
-Não. - Ela respondeu distraída. - Eu comi antes do banho. Tava vesga de fome. Acho que vou só tomar um refri.
Ele grunhiu enquanto largava o cardápio em cima da mesa.
-Que foi? - A Regina perguntou, sem desgrudar os olhos do telefone.
-Rê... - Ele começou. -Se tu não queria vir, era só me dizer. Na verdade nem eu queria vir. Eu ia ficar bem quieto em casa, comendo eme emes e vendo Mythbusters, só saí porque tu insistiu. - Terminou a frase num suspiro.
A Regina largou o telefone após uma fração de segundo que se alongou indefinidamente do ponto de vista do Lucas.
-Honey... Olha... Eu também não queria sair. Eu trabalhei o dia inteiro, não folguei semana passada, então tô no meu décimo dia de trabalho sem folga. Acordei seis da manhã, fiz o café do Roger, enchi as tigelas de comida dos gatos e fui trabalhar. Cheguei em casa moída, varada de fome, suada feito uma porca e louca por um banho, e encontrei o Roger dormitando no sofá enquanto a casa fedia a merda de gato. Eu tinha pegado o celular e começado a digitar a mensagem me desculpando e dizendo que tava morta, mas aí eu me lembrei que, se eu não te tirasse de casa, hoje, tu ia ficar mais um dia sozinho, jogado em casa com aquela tua roupa rasgada e cheia de pelo de cachorro olhando TV e comendo porcaria. Então resolvi sair, e te encontrar. Desculpa se eu me atrasei, mas eu tava, mesmo, moída, e antes do banho tive que lavar o piso onde os gatos tinham feito cocô porque o Roger não trocou a areia da caixa, e tive que brigar com um homem crescido porque ele não faz as tarefas dele, que são só trocar a areia da caixa dos gatos e baixar a tampa do vaso depois que mija.
Ela suspirou com a mão na testa, e mexeu na bolsa de novo. Tirou o cigarro e o isqueiro. O Lucas segurou a mão dela antes de ela tirar um cigarro do maço.
-Desculpa, Rê. Eu não queria ser grosso.
-Tu não é capaz de ser grosso. - Ela sorriu, guardando o cigarro e o isqueiro novamente.
-Tu diz isso porque nunca me viu jogando futebol. - Ele respondeu.
-Vi, sim - Ela respondeu. -Na época da escola. As gurias adoravam te ver de calção justo.
Ele riu.
-Na época em que eu era jovem e bonito, e não um gordo maltrapilho.
-Ai, cala a boca. - Ela disse, apanhando o cardápio. - Agora me deu fome... Vou comer um prensado.
-Bem prensado. - Ele respondeu.
Ela não entendeu o trocadilho, e continuou olhando pra página enquanto o Lucas olhava em volta, pra um casal, sentado num canto, lado a lado, de costas pra TV, alheios à barulheira ao redor, braços colados enquanto esgrimavam com um canudinho aos risos.
-Não faz isso. - A Regina disse, colocando a mão sobre a dele. Ele repetiu o sorriso contorcido de Dustin Hoffman, mas tinha os olhos tristes.
-Por que tu faz isso, Lucas?
-Faço o quê?
-Isso. Te afasta do mundo. Tu não precisa ser mártir, mas ninguém vem ao mundo a passeio. Tu tem que tomar partido. Fazer as coisas. Tu não vai conhecer ninguém sentado no sofá jogando video game e lendo...
-Eu não quero conhecer ninguém.
-Mas tu precisa. Tu é novo, tem coisas pra dividir. Pra oferecer e ensinar... Tu precisa ver gente... Tu ligou pra Fabi?
-Não...
-Ela gosta de ti, Lucas. Ela disse.
-É... A Fabi é legal.
-Tu dormiu com ela e não ligou, Lucas... Isso é... Bah... Isso é muito foda, Lucas...
-É...- Ele concordou, envergonhado. -É que... É diferente, sabe?
-O que que é diferente, Lucas?
-Pra ela e pra mim... É diferente.
-Porque ela é mulher e tu é homem?
-Não... Porque ela quer tudo, sabe? Ela quer romance, e cartões, e presentes, e intimidade de verdade, dia a dia... Ela quer se apaixonar.
-E qual o problema?
-Nenhum... Mas é que eu já vivi o amor da minha vida. E não dá pra fazer isso duas vezes.
A Regina engoliu em seco, e olhou pro chão. O Lucas se levantou e sorriu. Não o sorriso do Dustin Hoffman, um outro sorriso, triste mas franco.
-Vou dar uma mijada. Tomei duas Fantas e uma Soda Limonada te esperando. Pede teu prensado pra levar. Eu te deixo em casa. Se abaixou e espetou um beijo estalado na bochecha da amiga enquanto rumava pro banheiro. A Regina olhou ele de esguelha enquanto andava, e entendeu que o Lucas parecia estragado... Quebrado quando ela o conheceu. E depois, pareceu estar inteiro... Mas aí quebrou de novo. E talvez essa fratura jamais fosse sarar.

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