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terça-feira, 19 de março de 2013

Tatuagem 2


O Caio entrou no ateliê de tatuagens segurando o catálogo que tinha recebido de uma amiga, e algumas folhas de papel que havia impresso. Foi ignorado por todas as pessoas lá dentro, até se dirigir ao balcão, onde se escorou sem jeito, e pigarreou:
-Com licença?
-Um minutinho. - Respondeu a moça atrás do balcão, mexendo o mouse de um computador.
O Caio esperou. Viu uma moça entrar, lépida, e se dirigir direto até um espaço separado da recepção por um biombo cheio de desenhos.
A moça atrás do balcão, de cabelo cor de rosa curtinho, alargadores nas duas orelhas e a palavra "amor" tatuada, pequenininha, sobre a sobrancelha esquerda ergueu a cabeça e deu um sorrisão metálico de aparelho nos dentes:
-Pois não?
O Caio hesitou um instante, mas tomou fôlego e disse:
-Eu queria orçar uns desenhos... Talvez trocar uma ideia com um dos tatuadores. Ver o que dá pra fazer...
-Claro. - A moça assentiu. -Deixa eu ver quem tá liberado, tá? Minutinho.
Caio ficou ali. Olhando pra um painel repleto de desenhos instalado na parede. A moça voltou, trazendo a tiracolo um tipo magrelo usando uma camiseta de física preta que deixavam claro o quanto o sujeito gostava de tatuagens, já que parecia estar usando mangas e gola rolê graças aos desenhos que ele ostentava na pele que ficava a mostra.
Cumprimentou Caio com um aperto de mão enquanto dizia "E aí?". Se apresentou como Mauro, e perguntou amigavelmente:
-Vamo se riscá um pouco?
Caio riu, e confirmou.
-Tem dois desenhos que eu quero fazer... Esse aqui - Disse mostrando um dos desenhos. A folha retratava Narsil, a espada quebrada de Elendil, que após ser reforjada pelos elfos tornou-se Andúril e passou às mãos de Aragorn. O Mauro tatuador não sabia disso. Perguntou:
-Tu não tem nenhum desenho dela inteira?
Caio não entendeu:
-Inteira?
-É... Tu só tem foto dela quebrada, assim?
-Não... Quer dizer, sim, mas é que eu quero ela quebrada. O desenho que eu quero é dela partida, assim. - Afirmou Caio, mostrando o desenho, e virando o botão da arma pra cima.
-Ah... Tá, tá... Entendi. Beleza, dá pra fazer, sim. Dá pra deixar bonitão, colocar umas sombras, e pá... Show. Já escolheu o tamanho?
-Sim - Confirmou Caio. -Esse aqui, mesmo. Imprimi o desenho do tamanho que quero a tatuagem.
-Joia, melhor ainda. - Disse o tatuador apanhando as folhas impressas do Caio. -É isso?
-Não... Na verdade, dependendo do valor, eu vou querer fazer esse outro aqui, também. - Disse o Caio, tirando mais algumas folhas de papel. Mas esse eu queria ver tamanho... É que quero fazer no braço direito, perto do ombro, e tenho uma tatuagem no esquerdo, então não quero que fiquem com tamanhos muito diferentes...
O Mauro pegou os papéis, várias modelos de sabres-de-luz, e uma frase. Mauro perguntou:
-Qual é o que tu quer?
-Na verdade - Começou o Caio, perfilando-se ao Mauro enquanto apontava as folhas - Tinha pensado numa composição assim, com esse sabre aqui em cima, esse outro embaixo, ambos apontando pra lados diferentes, na horizontal, e entre eles a frase. Numa letra maneira aí que tu me recomende...
-Hmmm... Entendi - Entendeu o Mauro, olhando pro desenho. -Parceiro, eu vou montar a composição e a gente vê que tamanho dá pra fazer... Tu tem como passar aí amanhã? Aí a gente, sabendo os tamanhos, bota preço no bagulho.
-Beleza. - Assentiu Caio.
Mauro bateu as palmas das mãos uma na outra:
-Maravilha, então tu passa ali com a Priscila, ela anota teus dados, e a gente marca uma hora amanhã. Se bobear a gente pode até começar a fazer um dos desenhos, já.
Entregou os papéis e as anotações pra menina do aparelho e sumiu atrás do biombo após se despedir de Caio com um novo aperto de mão. Caio andou até o balcão com a Priscila, que acompanhara atentamente a conferência de Caio e Mauro, ela anotou os dados dele, e então perguntou enquanto mexia casualmente nas folhas trazidas por Caio:
-"Seres Iluminados, Somos Nós. Não Esta Rude Matéria". Uma espada partida e um dizer espírita... Não acho que combine muito... - Sorriu. -Qual é tua outra tatuagem?
-Um Homem-Aranha. - Disse Caio.
-Tudo a ver. - Riu a Priscila. -Bom, o importante é que tu goste.
Entregou um cartão pro Caio com um horário anotado. Enquanto saía do estabelecimento, por duas vezes o Caio teve ânsias de voltar e explicar pra menina que a frase não era um "dizer espírita", mas sim uma frase do Mestre Yoda. Pensou em explicar que, ao contrário do sinal Aranha em seu braço esquerdo, feito unicamente por afeto ao personagem, as duas novas tatuagens tinham sentidos que iam além de adorar O Senhor dos Anéis e Star Wars. Elas haviam surgido em sua mente já a algum tempo, mas apenas recentemente haviam ganhado o status que agora possuíam para Caio. Elas eram coisas de que ele precisava:
Caio, como Narsil, estava quebrado. Do mesmo modo que a espada do rei Elendil havia experimentado grandeza, Caio experimentara completude. E guardava a esperança de, quem sabe, se ver refeito, um dia, mesmo que demorasse, e ele sabia que demoraria...
A frase de Yoda também encerrava seu significado... Se ao contrário de Narsil, Caio jamais fosse reforjado, era melhor que houvesse algo mais com que se preocupar do que unicamente a nada rude matéria da qual ele sentia tanta falta.

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