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quinta-feira, 7 de março de 2013

Sal


Que o Plínio estava triste ninguém precisava ser vidente pra ver. Não precisava nem ser particularmente sensível, ou mais dotado do que a maioria no tocante à empatia. A tristeza do Plínio saltava tão miseravelmente aos olhos que mesmo nas ocasiões em que tentava fingir estar feliz, ou pelo menos mão parecer triste, a sua condição ainda saltava aos olhos.
Um de seus amigos tinha um irmão que era pouco mais que um ogro em forma de gente. Era grosseiro além da medida, machista, metido a sabe tudo, e portador de um comportamento do melhor estilo "foda-se o mundo que eu não tô nem aí" que era insuportável. E mesmo esse sujeito, ao encontrar o Plínio na casa do irmão, perguntou "O que te aconteceu, velho? Porque essa cara?".
Era assim que o Plínio estava.
Chegou a passar duas semanas inteiras em casa, fazendo nada exceto ler, olhar a televisão, e tomar banho.
Plínio não andava dormindo, também.
Chegou a passar três dias acordado sem pregar o olho além de um cochilo que mal servia pra que Plínio não sofresse de tremores. Pelo menos era o que ele tinha pensado.
Depois Plínio dormiu quase um dia inteiro. Foi dormir às seis da manhã de um domingo, e acordou quatro da madrugada de segunda-feira, dolorido como jamais estivera.
Plínio, claro, sofria de um coração partido. Irremediavelmente partido.
Alguém lhe disse, após saber do male que o cometia, que a melhor coisa para fazer era esquecer.
"Ótima ideia", pensou Plínio. "'Lacuna Inc.' aqui vou eu!". Não existia possibilidade de Plínio esquecer. Ninguém esqueceria o que ele experimentara. Nem mesmo alguém que esquecesse sempre das coisas esqueceria o que ele encontrara. Imagine então o Plínio, que lembrava de praticamente tudo, e pior: Lembrava de praticamente tudo com riqueza de detalhes?
Não... Plínio não podia esquecer.
Outra pessoa, lhe disse que sabia que não dava pra esquecer. E que o que o Plínio devia fazer, era se concentrar nas coisas ruins.
"Toda a vez que pensar nela", disse-lhe a pessoa "Concentre-se nas coisas ruins.". "Más experiências. Coisas que te irritavam. programas ruins que vocês fizeram juntos.".
O segredo, continuou, é sempre ligar a pessoa a uma experiência ruim. Assim, logo só vão sobrar más lembranças, e aí, tu não vai gostar de pensar a respeito, e sem pensar a respeito, vai cicatrizar, e parar de doer.
Parecia, de fato, uma boa fórmula.
Quem lhe dera tal receita tinha vasto histórico em assuntos do fórum em questão, de modo que havia credibilidade naquilo.
Plínio esbarrou em um único problema:
Nada tinha de ruim para pensar da pessoa que tentava, desesperadamente tirar de si.
Ela o magoara, claro. Lhe tirara uma coisa que, pra ele, era muito especial. E estilhaçara seu coração.
Mas a verdade é que o coração de Plínio pertencia a ela pra destruir se assim desejasse.
Ele só funcionara porque ela fora persistente o suficiente pra minerar seu peito até encontrá-lo, e depositar-lhe vida.
Essa era a unica coisa ruim que ela havia feito, Plínio bem sabia. De resto, apenas coisas boas.
Passeios. Beijos. Conversas. Noites de sono e noites insones... Todas memórias cálidas. Daquelas que Plínio não queria ver irem embora pelo ralo.
"Paciência", ele pensou. "Se é pra ser assim. Que assim, seja.".
Plínio se acostumou à ideia de ser uma sombra de si próprio. De deixar de ser ele mesmo e se tornar o que restara de si.
Era o caminho, e Plínio o trilharia, já que fora idiota o suficiente para pavimentá-lo.
Até que aconteceu...
O Plínio descobriu uma faceta dela, de que não gostava.
Uma tendência vil de não estar satisfeita em tê-lo derrubado. De não se saciar de vê-lo com um punhal cravado em si.
Aparentemente, aquilo, pra ela, não bastava. Não era bom o bastante vê-lo ferido. Era preciso torcer a faca. Salgar o machucado.
Saber que Plínio estava triste era pouco. Era necessário dizer o quanto ela estava feliz. Como tinha o removido plenamente de uma vida que então se tornava plena.
Era uma faceta bastante abjeta. Uma que Plínio jamais lhe teria atribuído. Que chegou a chocá-lo.
Mas ensinou-lhe uma lição.
E Plínio está sempre ávido por aprender.

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