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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Limonidades


-Eu não preciso de espaço. - Ela disse, óculos equilibrados na ponta do nariz do outro lado da mesa da confeitaria, fustigando-o com dois faróis azuis.
-Tu diz isso agora. - Ele respondeu colocando açúcar na limonada. -Mas dentro de algum tempo vai ser "Tu não respeita meu espaço, isso", "Eu preciso de tempo pra respirar, aquilo", "Eu sou como uma flor e tu precisar me dar um vaso maior pra eu poder crescer, e biribiri"... Toda aquela ladainha a que inevitavelmente chegam todos os casais em algum momento...
-Biltre. - Ela disse, cerrando os dentes numa expressão de falsa fúria que ele aprendera a achar muito doce. Riu.
Ela continuou tergiversando enquanto abria a lata de Pepsi com a ponta da unha quebrada do indicador:
-Tu é quem precisa de espaço. Muito espaço. Espaço sideral...
O lacre da latinha se rompeu, ato contínuo, ela levou a lata ao rosto, deixando que as bolhas lhe beijassem o nariz, sorrindo. Ele riu de novo. Achava aquilo tão gracioso... Havia sido uma das coisas que o fizeram se apaixonar por ela, lá atrás.
Aquela coisa das bolhas do refrigerante no nariz. O cheiro de limão, maracujá e tangerina, a elasticidade, o fato de ela ser comprida e branca "feito uma garça" nas próprias palavras, e de usar calcinha grande porque é mais confortável e nela tais peças ficarem extremamente sensuais.
Tudo isso. Também por ela ter dito uma das coisas mais sexies que ele já havia ouvido na vida, na primeira vez em que dividiram a cama. Ele segurava os pés dela junto ao ombro esquerdo, e cheirava a pele dela. Ela estava quente, e dela rescindia um cheiro de fruta cítrica que o deixava absolutamente inebriado. Ele disse "Eu adoro o cheiro da tua pele", e ela, com presença de espírito digna de super-herói, respondeu "Tu precisa ver o gosto.", deixando muito claro o que queria que ele fizesse.
Lembrou-se e riu novamente. Percebeu que estava rindo à toa.
-Estar contigo me inebria, guria.
Ela sorriu.
Ele continuou:
-Tu me faz rir à toa, alemoa.
Foi a vez dela rir.
-Tu é poeta e nem sabia, vai fazer rima todo o dia? - Caçoou.
Assomou um moleque vestido de pinguim, calça preta, camisa branca, gravata borboleta. Deveria estar derretendo dentro daquela roupa. Ele ia se apiedar do rapaz, mas então lembrou-se: Tirando a gravata eles estavam vestidos mais ou menos igual. Pior, a calça do garçom não era jeans. Desistiu da piedade.
O jovem largou uma fatia de bolo branco na frente dela, uma de torta de limão diante dele, ambas acompanhadas de uma bola de sorvete.
-O que é que nós somos? Duas velhinhas tomando refresco e comendo torta numa confeitaria da Rua da Praia?
Ela soprou os cabelos loiros de diante dos olhos e, com uma expressão friamente calculada para o pecado respondeu:
-Que velhinhas mais danadas nós seríamos...
Ele não riu. Olhou pra ela sentindo certezas se edificarem dentro do próprio peito. Ela deu uma garfada num pedaço do bolo branco, e a ele juntou um bocado de sorvete de creme com um movimento rápido. Fez um "hmmmm" longo enquanto saboreava a guloseima.
-Doce como a vida deveria ser. - Disse, olhando pra ele e lambendo os lábios cor de rosa.
-Para alguns. - Ele respondeu com pouco caso enquanto repetia, sem a mesma destreza e com um polegar a mais, o gesto dela para apanhar torta e sorvete no mesmo garfo.
-Limonada e torta de limão... - Ela disse, analisando o prato e o copo dele. -Do que é teu sorvete?
-Maracujá. - Ele respondeu. -Mas não é sorvete. É sorbet.
Ela entortou a boca fazendo um som de repulsa:
-Que coisa mais azeda. Porque tu só gosta de coisa azeda, criatura?
"Azeda, não.", ele pensou. "O que eu amo são as coisas ácidas. Cítricas. Essas me levam às nuvens.".

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