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terça-feira, 5 de agosto de 2014

As Bocas


Quando criança, o Reginaldo tinha nojo da boca alheia. Muito nojo. Uma aversão inexplicável à qualquer boca que não a sua própria.
O Reginaldo não bebia do mesmo copo que outrem, ele não comia "um pedaço" ou "um teco" de nada que outros estivessem comendo, e nem cedia de nada que ele estivesse comendo.
Pro Reginaldo, canudinho e copo eram itens pessoais e intransferíveis que cada um deveria ter seu próprio. O mesmo valia para talheres, e escova de dentes, então, nem se fala.
O Reginaldo não gostava nem de tocar nas escovas de dentes dos outros, e já perdera as contas de quantas escovas descartara, ainda novas, por suspeitar terem sido usadas por terceiros.
O engraçado é que esse nojo todo que o Reginaldo tinha das bocas dos outros era algo absolutamente desprovido de maldade.
O Reginaldo nada sabia, quando criança, a respeito de felação, cunilíngua ou qualquer forma de sexo oral, tampouco tinha entre seus parcos conhecimentos infantis a quantidade de bactérias e germes existentes na cavidade oral humana.
Sua aversão pela boca dos outros era visceral, inexplicável.
Claro, conforme os anos se passaram, Reginaldo descobriria o prazer nas bocas alheias. Mais precisamente das meninas.
Mas levou tempo.
Tanto que, Reginaldo, segundos antes de dar seu primeiro beijo, ergueu os olhos e suspirou, pois, ainda que ansiasse pelo contato com os lábios da Graziela, a prima de sua amiga Denise, com seus cabelos pretos lisinhos e seus enormes olhos azuis, alguma coisa em seu inconsciente o alertava do perigo de colar sua boca à dela.
De qualquer forma, a boca de Graziela foi a porta de entrada.
Alguns meses mais tarde, sua primeira namorada de verdade o cumprimentaria, certa feita, de surpresa com uma lambida na bochecha.
Ela chegou por trás dele, sentado, o abraçou, e, quando ele se virou para ela, ela o surpreendeu colando a língua em sua bochecha e deslizando quase do maxilar até logo ao lado do olho.
Só na língua, pra seu governo, existem 92 tipos diferentes de micro-organismos.
Mas àquela altura, o Reginaldo já não ligava.
O "beijo de vaca" da sua namorada não o enojou. Ao menos não mais do que por uma fração de segundo, quase imediatamente a aversão se tornou calidez.
Conforme o tempo passou, Reginaldo foi adquirindo mais e mais afeição pela boca alheia, e deixando de lado as restrições que tinha para com a sua própria.
Aprendeu a encontrar conforto e prazer na boca das mulheres que cruzaram sua vida, e a oferecer, na mesma medida, com a sua.
Após tantos anos. Vendo-se apartado da boca que aprendera a amar, Reginaldo tenta reproduzir a aversão a bocas alheias, na esperança de que isso torne a distância um calvário menos rigoroso.
Ele então, retoma seu mantra:
Na boca há cerca de 350 espécies bacterianas já cultivadas e mais de 200 que foram reconhecidas por métodos genéticos. Em número total de microrganismos, a microbiota bucal só encontra um concorrente na microbiota intestinal...

5 comentários:

  1. Kkkk, coitado. Diga a ele que a vida é feita de muitas andanças... Terá muitos micróbios para engolir! Kkkkk

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    1. Ehehehehe, é, na melhor das hipóteses, sim.
      Gostei da foto nova. Tá bem bonita.

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    2. Obrigada, o loiro me cai bem, hehehe!

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    3. O ruivo, também. Tanto quanto a cor, gostei do corte.

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  2. Ok... A ideia é ter cabelo longo, novamente. Obrigada.

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