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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

MIL


Por mil vezes ele remoera aquela cena.
Mil vezes ele havia repassado aqueles eventos tornando-os uma marca indelével em sua memória.
Ela tinha lágrimas nos olhos quando disse que não iria ficar arrasada nem nada do tipo porque, se fosse pra eles ficarem juntos, ela sabia que ficariam.
Que poderia demorar alguns meses, alguns anos, mas que, se no plano geral das coisas, eles pertencessem ao lado um do outro, a vida se encarregaria de juntá-los novamente.
E deu um sorriso triste, enquanto as lágrimas escorriam dos olhos dela e desciam pelas maçãs cobertas de sardas do seu rosto bonito.
Ele a abraçou fraternalmente, e pediu que ela não se tornasse sua inimiga declarada.
Era algo que sua ex-namorada anterior havia feito.
Tornara-se uma militante anti-ele. Fazendo o possível para espezinhá-lo sempre que a chance se apresentava, ainda que ele, desligado que era, só ficasse sabendo quando alguém lhe contava dando a ênfase correta na maldade que lhe passara despercebida.
Ela ficou abraçada nele por alguns momentos, e então se desvencilhou respirando fundo. Sorriu, linda que era, e entrou em seu prédio onde ele a aguardara para dar a notícia do rompimento unilateral da relação.
Quando ele saiu andando, ela derrubou os cadernos e livros que trazia consigo, ele se virou a tempo de vê-la agachada juntando as coisas, e sorrir pra ele fazendo um gesto de "olha que desastrada que eu sou", embora chorasse de novo.
Aquela foi uma das coisas que mais lhe partira o coração na vida.
Ele achou que romper com ela fosse o caminho natural das coisas. Eram ambos jovens demais, e haviam namorado por quase três anos. Durante aquele período ele achava, tinha quase certeza, de que era quem gostava mais naquela relação. Por mil vezes acreditou de maneira pia que gostava sozinho. Se sentiu frustrado, enraivecido, vilipendiado, e só não terminou o relacionamento mais cedo porque ela não vivia o melhor dos momentos da sua vida, de modo que ele achava feio ser o sujeito que terminou com ela quando ela estava por baixo.
Quando as coisas começaram a dar certo pra ela, ele ficou genuinamente feliz. Achou, mesmo, que ela merecia as coisas boas que se avizinhavam pois era tenaz, diligente e focada como uma bela exterminadora do futuro.
Mas não só isso...
Ele viu as ondas benfazejas como uma janela pela qual ele poderia se retirar. Um espaço por onde poderia sair da vida dela de maneira quase invisível. Sem deixar saudades.
Pois, na cabeça dele, o jeito de ser dela, sempre o criticando, reprovando tudo o que ele fazia, implicando com seus amigos, transformando tudo em confronto... Aquelas eram provas irrefutáveis de que ela não o apreciava nem um pouco.
E ele... Ele era apaixonado por ela. Pela sua beleza, Pela sua voz... Até pelo seu jeito malvado, algo Veruca Salt... Ainda assim, pra ele, estar em uma relação tão desigual, não era sinônimo de felicidade mesmo que ele fosse perdidamente apaixonado pela outra metade do casal.
E então, ele saiu.
E apenas ao sair, ele percebeu que a desaprovação dela... O seu jeito ranheta... A sua forma quase rude de tratá-lo... Não eram formas de depreciação. Eram apenas características inerentes dela. Era o jeito dela ser...
Mil vezes ele lamentou ter dado fim precoce à relação após ter tido essa epifania.
Mil vezes pensou em ligar pra ela a convidando pra ir ao cinema, que ela odiava.
Mil vezes ele se deteve, acovardado.
Quando ela o convidou para o seu aniversário, ele ficou efusivo, não pensou duas vezes em aceitar. Comprou presente e escreveu um cartão onde queria colocar mil palavras, mas se contentou com 32 bem escolhidas.
Quando chegou à festa, e a viu com o namorado novo, seu coração se partiu em mil pedaços.
Mas ele absorveu o golpe. Era forte o suficiente. Tinha certa experiência com corações partidos, e encontrou consolo no fato de que, se ela o havia chamado à festa, mesmo com um novo namorado, é porque levara a sério o pedido feito por ele:
Não tornar-se sua inimiga.
Não sabia se era fato que ela tentava encontrar um lugar de amigo para ele em sua vida, ou se tentara apenas uma pequena vingança por ele tê-la deixado... Ela era bonita e orgulhosa. Mulheres assim não respondem bem a foras de nenhuma espécia... Ainda assim, ele preferiu ver as coisas pelo prisma positivo, contrariando todos os seus instintos naturais, e percebendo, pela milésima vez, que ainda a amava.
Os dias vindouros seriam sofridos. Mas ele sobreviveria.
Era sua maior, talvez sua única qualidade:
Era forte.
Aguentava tudo no osso. E seguia em frente. Respirou fundo e pensou nas palavras dela:
Se fosse pra ficarem juntos, ficariam. Se, no plano geral das coisas, pertencessem ao lado um do outro, o universo, o destino, a vida ou a Casa do Capita trataria de juntá-los. Dali a um dia... Sete, trinta, ou mil...

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Essa foi a Milésima postagem da Casa do Capita. Obrigado por continuarem aparecendo, gente. As portas estão sempre abertas.

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