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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Médias


Era a segunda metade da hora de almoço. Andavam juntos, protegendo-se da chuva. Ele segurava uma sacola de compras no pulso enquanto sacava algo lá de dentro. Era uma caixinha de papelão azul. Ele abria a embalagem com dificuldade, ela segurava o guarda-chuva enquanto andavam contra o vento. Uma lufada mais forte fez com que ela lutasse pra manter o guarda-chuva sobre ambos, com o movimento, ela baixou a proteção e arranhou o topo do crânio dele, arrancando do conjunto alguns fios do seu coque samurai improvisado.
-Âe... - Ele exclamou... -Tá querendo me arrancar o escalpo, criatura?
-Pensa positivo - Ela disse passando a mão na cabeça dele e colocando os fios mais ou menos de volta no lugar. -Se eu fosse baixinha estaria te furando o olho...
-Se tu fosse baixinha eu me casava contigo. - Ele respondeu.
Ela olhou pra ele fazendo cara de confusa. Ele suspirou:
-Dos males, escolhe-se sempre o menor.
-Eu estava com saudades de ti, mesmo tu sendo um cretino de vez em sempre... - Ela disse, dando-lhe um abraço de lado, e deitando a cabeça no ombro dele.
Ele riu, retribuindo o amplexo e a trazendo pra junto de si.
-Também estava, alemoa. - Estalou um beijo na cabeça dela. O cabelo cheirando a maracujá. Se soltaram e ele e estendeu a caixinha de bombons pra ela, que apanhou um e olhou brevemente:
-Eu mordo isso ou como inteiro...?
-Eu sugiro que tu coma inteiro, isso é recheado com sorvete, já está fora da geladeira a algum tempo, o sorvete derreteu... Se tu morder isso vai escorrer pelo teu queixo e vai ser um lance quase erótico...
Ela deu um soco no braço dele e caiu na risada enquanto jogava o bombom inteiro na boca. Fez um ruído de satisfação:
-Hmmm... Que bom isso...
Ele comeu um e concordou:
-Bom, mesmo... E isso que esse é um genérico da Sorvelândia. A Kibon faz uma caixinha de mini eski-bon que é de comer de joelho...
-Deve ser bom...
Entraram no prédio onde ele trabalhava e sentaram na escada.
-E então, loura - Ele disse, largando as sacolas no chão, entre as pernas. -Por que esse convite súbito pra almoçar após esse longo período de trevas? Tem alguma grave revelação pra me fazer? Encontrou o amor da tua vida? Tá grávida? Vai voltar pra Argentina ou pro teu planeta natal?
Ela ficou séria olhando pra ele. Chegou a tomar fôlego pra dizer algo, mas deteve-se e sorriu.
Começou de novo, calmamente:
-Não... Nada disso. E não seriam só essas coisas que me fariam te ligar... A gente é amigo. As coisas andaram estranhas entre nós... Eu queria normalizar. Isso é errado?
-Não. - Ele respondeu sorrindo. -Não mesmo. Eu gosto de te ter por perto...
Ele estendeu a caixinha e ela pegou outro bombom.
Ele perguntou:
-E aí? Tem ido ao cinema ou só assistido espetáculos de dança folclórica javanesa?
-Deus pai, foi só uma vez, e era polonesa... Mas não... Não tenho ido ao cinema, mas tenho alugado um monte de filmes, inclusive, obrigada, tenho seguido algumas indicações tuas. Vi o Capitão-América 2, essa semana. Bem bom, mesmo...
-Maneiro, né? Não gostei da mocinha nova, mas o filme é maneiro...
-Quê? Tu não gostou da Scarlett Johansson, a tua adorada musa com corpo de "mulher de verdade"?
Ele riu.
-Claro que gostei, mas a Scarlett não é minha musa, e a Viúva Negra não é mocinha de filme nenhum, ela provavelmente é o personagem feminino mais forte do cinema nerd desde a princesa Leia. A mocinha nova é aquela guria que faz Revenge... Alguma coisa Van Camp, eu acho...
-Não me lembro dessa... - Ela reconheceu, pegando outro bombom da caixa.
-Meu ponto exatamente. Tu bota aquela guria sem graça no filme perto do potentado que é a Scarlett Johansson e ela desaparece. Especialmente no Capitão América, que teve a mocinha mais bonita dos filmes de super herói recente no primeiro...
-Quem era essa mocinha nova...?
-A enfermeira que morava no mesmo prédio dele, mas era da SHIELD...
-Ah, tá... Tá, já sei. A guria do Everwood...
-Isso.
-Sem graça, mesmo. Mas peraí... Quem era a que tu acha a mais bonita delas todas?
-A mocinha do primeiro Capitão América. A Peggy Carter.
-Bah... Dessa eu não me lembro, mesmo... - Ela reconheceu num suspiro.
-Ela aparece no segundo, mas tá maquiada pra parecer velha... - Ele tentou.
-Não lembro, mesmo...
-Ela fazia aquela série, Os Pilares da Terra. Era a Aliena... - Ele tentou novamente, usando uma referência que ela poderia entender já que era fã da mini-série em questão.
Ela ergueu as sobrancelhas como quem lembra:
-Ah, tá... Tá, já sei quem é... - Parou brevemente e olhou pra ele com o cenho franzido:
-Sério que tu acha ela a mais bonita?
-Sim. - Ele disse, cobrindo a boca cheia e mastigando outro bombom.
Ela se inclinou pra frente:
-Ai... Eu não sei se ela é bonita...
-Como não é bonita? A mulher é linda... - Ele protestou, se escorando pra trás.
-Peraí, peraí... A gente tá falando da mesma mulher? Aquela que é militar e tal? - Ela quis saber, fechando os olhos como se tentasse visualizar a pessoa em questão.
-Sim. - Ele disse. -Cabelos e olhos castanhos, bocão, maxilar mais quadrado... Alta, peituda...
Ela riu.
-Quando tu coloca dessa forma eu entendo porque tu acha ela a mais bonita...
-Nem vem - Ele protestou. -Tu, mais do que ninguém sabe que eu não sou nenhum terneiro que se derrete por peitos. Sempre fui muito mais um homem de pernas e de bundas femininas...
-Isso fere - Ela disse, fazendo cara de triste e cobrindo os próprios seios com as mãos.
Os dois riram. Ele estendeu mais um bombom pra ela, que pegou. Antes de levá-lo à boca disse em desafio:
-Mais bonita que a Natalie Portman?
Ele pensou brevemente. Era um fã declarado da Natalie Portman.
-Na verdade... Tão bonita quanto, mas mais sexy. A Natalie Portman é meio chatinha fazendo Thor. Devo confessar que, em Thor, acho a Jaimie Alexander, que faz a Sif, muito mais bonita, mas sou tarado, mesmo, é pela Kat Dennings...
Ela ergueu as mãos:
-Meu Deus... Eu não consigo guardar o nome desse povo todo...
Ele comeu outro bombom:
-Sif, morena, olho castanho claro, usa armadura, é amiga do Thor em Asgard... Fazia Kyle XY...- Tentou.
-Ah, tá. - Ela interrompeu. -Ah, aquela guria é linda...
-Sim. - Ele concordou. -Mas a Sif não é uma mocinha. É uma guerreira durona que sabe se cuidar sozinha. Assim como a Darcy Lewis, da Kat Dennings, não é mocinha, é alívio cômico...
-Ah, tá... A tetuda aquela, morena de olho azul... Já sei quem é, também... - Ela disse com pouco-caso. -Mas... E a Liv Tyler?
-Francamente, acho bonita, mas superestimada... Não vejo essa graça toda nela. - Ele disse, olhando pra rua.
Ela matutou mais um pouco. Suspirou.
-E... A... Hum... Deixa ver... E a... Não... A Gwineth Paltrow é sem graça...
-Total... - Ele concordou.
-Ah, já sei, a Amy Adams! - Ela disse, iluminando-se.
-Acho muito bonita, mas ainda acho a Hayley Atwell mais interessante no conjunto.
-E a mulher-Gato? - Ela perguntou.
-Michelle Pfeiffer, Anne Hathaway, Halle Berry, Julie Newmar ou Lee Meriwether? - Ele quis saber.
-Hã? Que? Quem? - Ela perguntou confusa, pegando outro bombom.
Ele riu.
-Citei todas as Mulher-Gato de quem eu lembrei... Ainda tá faltando uma... Teve uma outra Mulher-Gato negra antes da Halle Berry, no seriado do Batman do Adam West, mas eu não me lembro do nome dela... Hearta Kitty... Alguma coisa assim... - Ele franziu a testa tentando lembrar.
-Tá, mas eu tava falando da última... Daquele filme com o cara que quebra o Batman... - Ela restringiu.
-Bane. - Ele acudiu.
-Isso... Lindão... - Ela suspirou.
Ele olhou pra ela fazendo uma expressão entre o surpreso e o enojado.
-Quê? Ele é bonito. - Ela se defendeu. -Tu já viu um filme com ele e a Reese Whiterspoon, que também tem outro cara...
-O capitão Kirk. Eu sei que filme é... Não lembro o nome e nunca vi todo...
-Bom, não importa, ele é bonito. - Ela sentenciou.
-Se tu diz...
Ela continuou:
-E aí? A Mulher-Gato?
-A Anne Hathaway é muito bonita, mas não tanto quanto a Hayley Atwell, nem é, exatamente, uma mocinha. A Mulher-Gato é meio Viúva-Negra e Sif, pra mocinha não serve. De qualquer forma, há pelo menos três Mulher-Gato mais bonitas que a Anne Hathaway. A Michelle Pfeiffer era linda quando fez o papel, e a Julie Newmar e a Lee Meriwether até hoje habitam meus sonhos.
Ela riu.
-Tá... Então é a Hayley Atwell, mesmo...
-É... Pode não ser a mais bonita, pode não ser a mais atraente, pode não ser a melhor atriz, mas tem a melhor média. - Ele explicou.
-Entendi. - Ela disse.
Ele estendeu a caixa de bombons pra ela:
-Ó... É o último.
Ela pegou:
-Obrigada, cavalheiro, você é muito gentil. - Ela disse, fazendo uma voz engraçada e uma pronúncia de candidato a vereador lendo teleprompter.
Ele olhou o relógio, e disse:
-Uma hora... Tenho que retomar meu posto.
Levantou-se e a ajudou a fazer o mesmo. Deu-lhe um abraço apertado e um beijo estalado no rosto, que ela retribuiu dobrado, um em cada bochecha.
-Tchau, alemoa. De novo outro dia?
-Semana que vem... Segunda, pode ser? - Ela perguntou.
-Combinado. - Ele concordou.
Quando começou a subir a escada percebeu que ela estava parada junto à porta, olhando pra ele.
-Que foi...? - Perguntou, desconfiado.
-Esse lance da guria d'Os Pilares da Terra... Da média... - Ela começou.
-Hã? O que tem? - Ele quis saber.
-Tu faz a mesma coisa pra decidir quem vai ficar contigo?
Ele balançou a cabeça brevemente...
-Não... Não sei... Não conscientemente, eu diria. Mas talvez... É natural, não é? Pesar prós e contras... Quem é mais bonita... Quem é mais inteligente... Mais legal, te faz mais feliz... Não é como fazer uma listinha com duas colunas coloridas igual o Ross, mas... Acho que na hora de escolher a gente toma a decisão baseado nos prós e contras, cria numa média e aí decide baseado nisso... Não é?
Ela olhou pra ele, mas desviou os olhos um segundo.
-Acho que seria a coisa mais racional pra fazer... - Concordou. -Mas a gente nem sempre é racional, não é?
-Não. - Ele assentiu.
-Se eu te perguntasse qual a minha média, o que tu diria?
Ele sorriu:
-Tu é uma amiga nota dez, alemoa.
Ela riu forçado.
-E namorada?
Ele, ainda sorrindo, disse:
-Aí a tua média cai um pouco.
Ela subiu as escadas rapidamente com as pernas compridas, e o abraçou novamente.
Quando começou a descer as escadas ele perguntou:
-E aí? Ainda estamos de pé pra segunda?
-Sim. - Ela disse sem virar.
E completou:
-Quando tu for escrever sobre isso, eu não quero ser o Everaldo numa daquelas crônicas do bar do Paulo Roberto.

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