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segunda-feira, 11 de julho de 2016

Drops


Na fila do super-mercado. Acabara de passar suas compras. Duas latas de ração canina, uma barra de chocolate Alpino, seis litros de Coca-Cola, e um pacote de balas. Imaginava quantos teriam os dezessete quilos que emagrecera se houvesse mudado seus hábitos alimentares após voltar a se exercitar.
A caixa, uma mulher gorda, com um vão entre os dentes da frente grande o bastante para usar hashi como palito, anunciou o valor olhando para o monitor:
-Trinta e dois com cinco.
Ele entregou uma nota de cinquenta.
-Cêpeéfi na nota? - Ela perguntou, monocórdica, sem olhar pra ele.
-Não, obrigado. - Ele respondeu enquanto ajudava a menina que assomou para empacotar as compras a ensacolar as garrafas de refrigerante de três litros cada.
Só o refrigerante, conjecturou. Quanto teria emagrecido se tivesse cortado apenas o refrigerante?
A caixa estendeu-lhe o troco e a nota. Ele conferiu brevemente os dezoito reais, constatando que recebera cinco centavos de desconto.
Conferiu as sacola de compras. A ração, os refrigerantes, o chocolate, mas não encontrou as balas. Olhou em todas as sacolas e finamente disse:
-Tinha um drops...
Nem ele sabia porque dissera drops. Não usava essa palavra. "Drops"... Sua avó falava drops. "Chupar um drops"... Nem sabia ao certo como escrever. Sabia que drop, em inglês, significava pingo, gota. Mas e drops? A bala. Drops? Quando era um só continuava sendo "drops" com "s" no final, tipo um plural? Ou era drop's com apóstrofo separando o "s" do resto?
Não sabia. Mas dissera "drops".
"Tinha um drops"...
A moça que empacotara as compras encontrou. Caíra embaixo das sacolas. Não chegava a ser surpreendente. Era um cilindro de balas enroladas em papel. Normal ter rolado pra baixo das sacolas empilhadas no fim do balcão.
Anormal foi a operadora do caixa.
A mulher começou a rir. Gargalhar. Uma risada gorda, gorgolejante, convulsiva.
Ela ria e seu corpo balançava, fazendo suas bochechas tremerem, seus tetões volumosos também pululavam. A empacotadora olhou pra ela com uma expressão, primeiro divertida, depois confusa, finalmente assustada.
-Quié isso, Cleice? - Perguntou.
A Cleice não parava de rir. Respirou fundo e falou, quase engasgando:
-Drops...
E tornou a rir histericamente. Balançando o corpo e uivando em busca de ar enquanto batia na própria coxa.
Ele se enfureceu. Agarrou a Cleice pelos cabelos e bateu com a cara dela na caixa registradora. Ele não parou de rir, apesar do impacto violento. Bateu de novo. Ela seguia rindo. Ele bateu de novo, com mais força, sem sucesso, Cleice, possuída, ainda ria. Ele continuou segurando a cabeça dela com uma das mãos, e passou a esmurrá-la com a outra, mas ela não parava de rir, embora sua cabeça tivesse começado a se despedaçar, esfarelando-se em grandes bocados como uma maçã fuji sendo chutada pela calçada. A empacotadora começou a gritar e os seguranças chegaram correndo vestidos como membros da engenharia da Enterprise, com as blusas vermelhas e ele se deu conta de que havia algo errado.
A Cleice perguntou de novo:
-Cepeéfi na nota, senhor?
Agora olhava pra ele, que piscou um par de vezes e negou.
-Não. Não vou precisar, obrigado.
A menina se aproximou para empacotar as compras e, por vias das dúvidas, ele manteve o drops sob sua vista o tempo todo, colocando-o pessoalmente na sacola após a Cleice registrá-lo. Imaginava de onde saíra aquele devaneio desperto, quando se deu conta de que um perfume muito familiar se fazia notar. Vinha, estranhamente, de uma senhora no caixa ao lado. Mas era um perfume ou creme corporal cujo cheiro ele conhecia bem, e que já o deixara inebriado antes, por vezes sem conta.
Saiu do mercado com um sorriso melancólico, chupando um drops e desejando que tivesse o gosto dela.

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