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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Resenha DVD: O Quarto de Jack


Quarto de Jack foi um dos filmes badalados da época das premiações que eu ainda não havia conseguido assistir. Apesar de curioso com relação ao longa metragem, ele acabou preterido nas minhas idas ao cinema, e tendo assistido ao filme ontem à noite, devo dizer que foi mais uma dos equívocos que cometi na hora de decidir entre as minhas prioridades cinéfilas.
O longa de Lenny Abrahamson (do esquisitão mas bacana Frank), baseado no livro de Emma Donoghue (que adapta o próprio romance no roteiro), é uma experiência intensa, terrível e bela.
O longa conta a história de Jack (Jacob Trembay) e sua mãe (Brie Larson). Ela, uma jovem que foi sequestrada por um maníaco quando ainda era uma adolescente e vem sendo mantida cativa em um galpão convertido em quarto pelos últimos sete anos, ele, um produto dos constantes estupros que ela sofre.
Jack, porém, não é motivo de desgosto para sua mãe.
Pelo contrário.
Ele é sua fortaleza e sua razão de viver. Ela se desdobra para tornar o pequeno quarto um universo inteiro para Jack, que acredita piamente que o mundo é apenas o que existe naquele exíguo espaço onde ele e sua mãe estão confinados 24 horas por dia com nada além de um televisor cheio de estática e as brincadeiras que dividem.
É através de sua mãe que Jack aprendeu a ler, tendo contato com livros como João e o Pé de Feijão e Alice no País das Maravilhas... É ela quem lhe conta histórias como a de Sansão, cuja força estava nos cabelos, que transforma lixo em brinquedos e garante ao menino que tudo o que existe na TV é falso, e que as únicas pessoas do mundo são os dois e Velho Nick, que eventualmente surge trazendo comida, remédios e vitaminas, coisas que ele obtém, diz ela, através de mágica.
Jack e sua mãe estão juntos todo o tempo, exceto quando chega a hora do menino dormir, o que ele faz dentro de um guarda-roupa, para ser preservado das visitas que Velho Nick (Sean Bridgers), o carcereiro da dupla, faz todas as noites.
Jack por vezes está acordado, e tem uma visão parcial das visitas. Na verdade os momentos em que sua mãe é violentada por seu captor.
A dolorosa rotina da mãe de Jack consiste em suportar os abusos em troca de itens de primeira-necessidade para garantir um mínimo de bem estar material ao menino.
Quando Jack chega aos cinco anos de idade saudável e elétrico como qualquer menino de sua faixa-etária, com uma curiosidade crescente que cabe cada vez menos dentro das paredes do claustro que partilha com sua mãe, ela percebe o perigo ao qual Jack está exposto conforme o Velho Nick se mostra mais instável e interessado no menino.
É quando ela resolve que precisa revelar a Jack que há muito mais mundo além das paredes do quarto, e traça um audacioso plano para lhe oferecer uma chance de ver esse mundo.
O plano sucede, mas o bálsamo da liberdade logo se prova algo para a qual a mãe, na verdade uma jovem chamada Joy Newsome, talvez não estivesse preparada.
Enquanto Jack abraça um mundo tão imenso quanto novo, Joy encontra problemas para se readaptar a realidade que fora forçada a deixar para trás há sete anos. E mesmo o apoio de sua mãe (Joan Allen)e seu pai (William H. Macy) podem não ser suficientes para ampará-la agora que o mundo andou durante seu cativeiro, e que ela não é mais a única salvaguarda de Jack.
Muito mais do que um suspense, um thriller ou um drama, O Quarto de Jack é uma linda história a respeito do laço inquebrável que existe entre uma mãe e seu rebento.
Os primeiros dois atos de O Quarto de Jack se apoiam inteiramente na relação entre Joy e Jack, brilhantemente interpretados por Brie Larson e o estreante Jacob Tremblay. A atriz faz por merecer seu Oscar, mostrando uma ampla gama de emoções dolorosamente críveis. Tanto seu zelo e amor, seu jeito brincalhão e maternal quanto suas crises de depressão dentro e fora do cativeiro, são palpáveis e relacionáveis.
Tremblay, com seus longos cabelos e comportamento vagamente feminino talvez seja o ápice da interpretação que uma criança poderia alcançar, sendo o brilhante reflexo de uma criação como a de Jack, em suas condições e em seu ambiente.
A relação entre os dois personagens é, fácil, um dos pontos mais altos do filme, e a química dos dois transborda da tela.
Igualmente competente está Joan Allen.
A atriz enche a avó Nancy de vida, e muito do último ato do filme pertence à relação dela e de Jack, uma sorte que William H. Macy não tem.
No papel do avô de Jack, Robert, ele surge oferecendo um interessantíssimo retrato de um homem que não sabe ao certo como lidar com o reaparecimento da filha, e que é incapaz de se relacionar com o neto fruto do abuso. Infelizmente, ele tem pouquíssimo tempo de tela, e sua relação com Joy e Jack fica reduzida a uma participação especial, uma sugestão e nada mais.
Isso não tira, porém, a pujança de O Quarto de Jack, um filme surpreendentemente envolvente e poderoso para seu orçamento modesto.
Repleto de questionamentos válidos, e pintando um retrato belíssimo e sem floreios de uma das mais resilientes relações humanas, O Quarto de Jack nos leva a acompanhar com avidez a trajetória de seus dois protagonistas, torcendo para que eles sejam capazes de fechar a porta de seu doloroso passado, e olhar juntos para o futuro.
Altamente recomendável.
Assista.

"-Quando eu era pequeno, eu só conhecia coisas pequenas. Mas agora que eu tenho cinco anos eu conheço tudo!"

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