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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

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Meio-dia escaldante. Muito, muito escaldante. Os termômetros marcavam 33 graus mas o abafamento causado pela tempestade da madrugada sugeria 63. Deu o passo até a janela do food truck, e sorriu brevemente para o atendente que, àquela altura, já o conhecia o suficiente para apenas piscar e erguer o polegar fazendo cara de "confirma?", que demandava apenas um outro polegar erguido para garantir que a comunicação funcionara e que sim, era o de sempre. Uma salsicha, sem tempero-verde nem batata-palha, prensado.
Enquanto a cozinheira montava o lanche o atendente do balcão apanhou um saco plástico cheio de sachês de condimentos, e jogou alguns dentro de uma sacola plástica branca.
O cliente apanhou um deles, olhou por um segundo e comentou, casual:
-Lembra do filme plástico em volta das embalagens de CD?
-Nossa, mano. Tu é velho... - Riu o balconista.
-Elas eram um parto de abrir. Eu acho que nunca consegui abrir uma sem esfregar nos dentes ou enfiar uma faca...
-...
-Depois apareceram umas que tinham aquela abinha pra puxar uma fita vermelha e cortar o plástico. Que nem tem em maço de cigarro, chocolate, bolacha recheada...
-Caixinha de chiclete...
-Nunca consegui usar aquilo direito. Acho que sou tosco demais e aquele treco demanda alguma delicadeza, saca?
-Hã...
-Eu geralmente acabo com algumas bolachas esmagadas e a embalagem parcialmente destroçada e a tal da fita vermelha inteirinha do lado de dentro do bagulho. Acho que é meio que um retrato da minha vida...
-Bolacha esmagada?
-Não... Bom, também. Coisas destruídas porque eu não fui delicado o suficiente para manejar.
-Hmmm...
-Há coisas que inevitavelmente demandam um nível maior de paciência. Que devem ser mais cultivadas...
-Cultivar bolacha?
-É... Mais ou menos. É que é importante ser mais delicado com determinadas coisas. Mais paciente. Mais... Gentil. Chegar metendo o pé em tudo é... É a receita da tragédia.
-Sei...
-E ás vezes nós achamos que estamos sendo delicados o suficiente... Gentis o suficiente, e não estamos. E só descobrimos quando o embrulho rasgou, as bolachas esfarelaram e a fita vermelha está lá exposta... A única coisa que permanece intacta em meio ao caos e à destruição.
-Arram...
-Aquela fita vermelha é igual o meu amor por ela.
-Hã?
-A fita vermelha. É que nem o meu amor por ela. Eu não sei usar como deveria. Mas sei que funciona. Porque, não importa o que aconteça, não importa o tamanho do estrago ao redor, ele permanece intacto.
-Tá pronto. Fanta pra acompanhar?
-Hoje, não. Hoje me dá uma Coca.

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