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terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Última a Morrer


Sentado na sua mesa, trabalhando. Notas fiscais indo para o estoque após conferência de material.
Tudo muito chato. Realizado quase em modo piloto-automático. Aqueles momentos onde a mente está operando em modo de baixo consumo de energia.
Item após item...
Da folha de papel para a tabela de Excel... De novo e de novo.
Quase que anestesiado pela monotonia.
Foi memória olfativa que o despertou do torpor.
Um cheiro doce, agradável quase cruzando a fronteira do enjoativo alcançou-lhe as narinas.
A associação foi imediata. Do nariz para o sistema límbico... Do córtex olfativo pro hipocampo. Sem intermediários.
Aquele cheiro era o cheiro dela...
Cheiro de bala... De baunilha... De doce...
Aromas que ele aprendera a associar com ela, e que ao associar com ela, se tornaram sinônimo de felicidade e completude.
"É tu?" Ele se perguntou, erguendo os olhos da folha de papel diante de si e encarando a porta do escritório como o cachorro que farejou o esquilo.
Por uma fração de segundo nutriu a esperança de vê-la surgir na porta, meio corpo oculto atrás do batente, inclinando a cabeça para o lado com um sorriso.
Mas ela não apareceu.
Ele se levantou, chaves em punho, cruzou o escritório chegando à porta, abriu e andou célere pelo corredor até alcançar a rua.
Olhou para a direita e para a esquerda.
Não havia nem sinal dela. Resignado, suspirou e retornou para o escritório, a escrivaninha e a tarefa.
Retomou tudo e lentamente voltou ao seu torpor semi-automático.
Continuaria assim, até sentir um cheiro gostoso de novo.
Quando sentisse, seria tomado de esperança e repetiria o processo.
A esperança, afinal, era a última a morrer.

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