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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O braço, o nariz...



Era o braço dela. Na verdade, eram o braço e o nariz. Não necessariamente nessa ordem. De qualquer forma, eram essas partes da anatomia de Amanda que haviam atraído a atenção de Heitor. "Atraído a atenção". Essa expressão não fazia jus ao efeito que Amanda tivera sobre Heitor. Heitor se apaixonara perdidamente por Amanda. Claro, não foi pelos braços e pelo nariz. Ele se apaixonara pela personalidade dela. Se apaixonara pelo modo como ela conversava com ele, ouvindo-o de cabeça baixa para, de repente, olhá-lo com os olhos faiscantes de quem entendera até mais do que ele queria explicar, e tantas outras coisas que ele nem lembrava agora.

Mas começou assim, braços e nariz.

Ele estava conversando com amigos na rua, ela passou, cumprimentou um deles, era um dia escaldante do versão Porto Alegrense, daqueles em que até os cães de guarda do casarão da esquina estavam demasiado assolhados para latir á passagem dos pedestres, e ela usava um short jeans e uma regata branca, chinelos baixos, e tinha os cabelos castanho-avermelhados presos em um rabo de cavalo.

Assim que ela deslizou até o outro lado da avenida, todos os presentes se puseram á declarar o que fariam com ela em uma noite de volúpia. Usando, por vezes, expressões que ruborizariam um estivador.

Heitor, que ainda não prestara atenção ao nariz de Amanda, falou depois de todos:

-Imagine só dar um banho nela?

Todos riram. Menos Heitor, que apenas sorriu.

Nos dias que seguiram, ele e Amanda se aproximaram, ficaram amigos, pelo menos era no que Heitor acreditava, mas a verdade é que Amanda sempre o vira com olhos que iam além de simples amizade.

Ela e Heitor não demoraram para iniciar um namoro. Ele havia percebido o nariz dela, havia percebido sua barriga, seus pés, mãos, olhos, lábios... E se apaixonara de forma irremediável pelo todo, mas á partir de nariz e braços.

Talvez, parte dos problemas, tenha sido o fato de Heitor ser tímido e respeitador em excesso. Eles conversavam por horas, riam juntos, andavam de mãos dadas e comiam sorvete de casquinha com a mesma colher, mas Heitor tinha dificuldade para falar com ela sobre coisas como sexo.

Ele, por exemplo, jamais descobriu como seria dar banho nela. Ele não sabia do que ela gostava em momentos de intimidade, e, quando estavam á sós, as coisas transcorriam em um silência sepulcral, e se Heitor, um homem (E todos sabem que nada é mais fácil de agradar do que um homem.) não estava aproveitando os momentos de intimidade do casal, imagine a Amanda.

Mas eles ficaram juntos, Heitor por amar o nariz e os braços de Amanda, além, claro, do modo como ela encostava a cabeça em seu ombro quando iam ao cinema, ou a forma como ela ás vezes o acordava, com beijos suaves pelo rosto, ou a expressão que ela tinha quando dormia á seu lado, ou o fato de ela fechar os olhos e cobrir os ouvidos quando chegavam á determinadas partes de filmes que ela sabia que a fariam chorar, as conversas, as risadas. Heitor não sabia por que Amanda continuava com ele, mas estava feliz de ela permanecer, á despeito de, em determinadas áreas, ele continuar insatisfeito, acreditava que o todo compensava.

Até que não compensava mais. Tudo era ótimo, mas ambos tinham necessidades que não sabiam suprir, embora estivessem ambos equipados para tanto, bastava que tivessem uma conversa.

Mas a vergonha de ambos, dele em perguntar o que ela queria, e dela em dizer o que queria, venceu a disputa, e eles se separaram como um velho casal que está junto por hábito e companheirismo do que por qualquer outra razão.

Quando se separaram, Heitor ficou arrasado, mas, ao mesmo tempo, percebeu que, embora tivesse se apaixonado pelo braço e pelo nariz de Amanda, precisava de mais do que aquilo para ser feliz. E embora Heitor ainda não tenha encontrado a mulher certa, ele ao menos sabe que deve procurar mais do que braços e narizes.

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