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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Conta-Gotas


O Cachorro do Frederico pegara uma mania estranha, engraçada e meio irritante. Quando o Frederico estava dormindo na beira da cama, com os braços ou pernas sobrando pra fora do colchão, o seu cachorro se aproximava andando com alguma velocidade, e o abalrroava. Sério. Abalrroava, mesmo. Tipo, o Farley Mowat do Sea Shepherd faz nos navios baleeiros japoneses na costa da Antártica.
Frederico, á princípio, não entendeu muito bem porque o seu cachorro agia daquela forma, até por que, é difícil pensar em qualquer coisa quando você acorda ás quatro e vinte e três da manhã após ser acossado por um animal de quarenta e dois quilos, e se depara com o bicharoco o olhando cândidamente ao lado da cama. Mas, analisando framente após acordar, Frederico chegou à conclusão de que seu cachorro era o tipo de animal que não vivia muito bem sozinho. Golden retrievers, assim como quase todos os retrievers, são animais bastantes sociais, logo, é de se pensar, que o cachorrão sentisse saudades enquanto o Frederico dormia, e, na ânsia de vêr o amigo acordado, e ouvir sua voz, e fazer um pouco de festa, forçava o contato, qualquer contato, incluindo aí, o golpe de lateral de paleta com o qual ele o açoitava todas as noites.
Frederico pensou, também, que não são apenas os cachorrões amigáveis que forçam o contato. Quem jamais sentou ao lado de algum desconhecido no ônibus, e após duas ou três quadras de viagem, sabia tudo á respeito da vida da pessoa? Quem nunca viu um bêbado discursar na rua sobre as mazelas do mundo e da sua vida? Quem nunca disse "e aí, tudo bem?" e ouviu que não, não estava tudo bem, e mais um longo rosário de queixas desfiado na sequência?
Um dia, um sujeito pediu fogo pro Frederico na rua. Ele não fuma. Disse ao seujeito que lamentava, mas não fumava. Ele fez cara de enterro e disse que nada estava dando certo pra ele. Que seu sócio lhe dera um golpe em uma empresa de propaganda, deixando-o sem nenhum dinheiro e com toneladas de dívidas. Que sua esposa o abandonara por que ele começara a beber, vergado sobre o peso do fracasso profissional. Que agora, ele não tinha trabalho, e que sua esposa o afastara de sua filha, e que ele nem sequer tinha condições de pagar a pensão alimentícia, que inclusive, naquele momento, estava indo para uma audiência onde declararia a falência de seu negócio para tentar se livrar das dívidas que o haviam reduzido a um sujeito vivendo sozinho em um apartamento vazio e escuro, entregue ao álcool e ao desespero. Quase que o Frederico saiu correndo pra pedir fogo junto com o sujeito e evitar que ele cometesse o suicídio por não poder acender um cigarro.
Em pouco menos de três minutos, uma pessoa expôs todos os males de toda a sua vida nos últimos meses... Isso, é contato forçado. Aliás, pensou o Frederico, parece existir uma relação de proporção inversa entre o nosso interesse na pessoa, e a quantidade de contato que temos com ela. Um desconhecido desesperado lhe conta toda a sua vida em minutos, então alguém de quem você quer saber tudo, te conta as coisas a conta-gotas.

Um comentário:

  1. Não temos tudo que queremos.
    E...
    Cuidado com que você deseja.

    Hehe...
    Isso explicaria que a lei da atração as vezes não funciona!

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