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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Vazio no sofá


O Jurandir estava cansado. Cansado mesmo. Trabalhara feito uma mula, atendera alguns clientes grosseiros e desagradáveis, tivera que ajeitar a baderna que fizeram nas prateleiras da loja... Quando saíram, ele percebeu a pilha de trabalho acumulado do final de semana, e não teve alternativa, exceto colocá-lo em dia. Acabou saindo do trabalho mais tarde do que devia. Passou no mercado, comprou um vidro de conservas e um bife à milanesa. Nem sequer gostava de bife à milanesa, mas enfim, àquela altura, isso era o de menos. Na venda próxima de sua casa, comprou um picolé e uma garrafa pequena de suco, ambos de uva. Abriu o picolé, e foi comendo-o pra casa. Enquanto procurava a chave de casa no bolso das calças jeans ficando cada vez mais largas, o picolé começou a causar uma geladura em sua boca, ele, em um movimento ágil, o segurou apenas entre os dentes, e uma gota escorreu e pingou em sua camiseta branca. Ele praguejou alguma coisa ininteligível com o picolé entre os dentes, e deu um suspiro de alívio enquanto sacava a chave do bolso.
Entrava no prédio quando ouviu um grito atrás de si, era um senhora que morava no sexto andar, pedindo-lhe que segurasse a porta. Ele segurou, ela passou e agradeceu. Ele, com o picolé entre os dentes, a chave em uma mão e a sacola de compras na outra, apenas acenou com a cabeça. A velhinha não viu. Saiu andando pelo corredor o taxando de mal-criado.
Subiu as escadas, e procurou a chave da gradedo apartamento no chaveiro. A luz do corredor apagou, ele tentou acendê-la novamente usando o cotovelo, mas errou o interruptor, e acertou a parede. Mordeu seu picolé com força, partindo-o ao meio. Metade dentro da boca, metade batendo nas suas pernas e caindo no chão do corredor. Finalmente encontrou a chave. Abriu a porta e anteviu aliviado o banho que tomaria. Quando largava a carteira e as compras na mesinha da cozinha, viu os dois DVDs que alugara na sexta e que deviam ser entregues ainda hoje. Apanhou os DVDs e desceu correndo as escadas. Lembrou-se que tinha tirado a carteira do bolso. Correu de volta, apanhou a carteira, e andou rápido até a locadora. Devolveu os filmes, voltou pra casa. Tomou seu banho, comeu as conservas e o bife enquanto tomava suco de uva e via o Jornal Nacional.
Quando o noticiário terminou, zapeou pelos canais da TV, mas não sentiu vontade de ver nada.
"Jogo FIFA, ou Assassin's Creed?" se perguntou com o controle do video game na mão. A verdade é que estava com preguiça de jogar video game, ou ver TV, ou continuar lendo O Último Trem de Hiroshima.
Olhou pro espaço vazio no sofá.
-Sabe. - Disse em voz alta. -Seria mais fácil suportar esses dias miseráveis se eu te encontrasse aqui ao anoitecer.
Deixou a TV ligada no National Geographic e deitou sabendo que dormiria ali, mesmo.

Um comentário:

  1. Sim, seria.
    Poucas coisa são mais devastadoras do que depois de um dia ruim, chegar em casa e se deparar com um sofá vazio. Quer dizer, não vazio de qualquer coisa, vazio da pessoa que você gostaria que estivesse ali.

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