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sexta-feira, 3 de junho de 2011

Dizer... Não dizer.


A lídia estava parada na frente do rpédio onde morava. À sua frente, repousavam na calçada duas bolsas de viagem, uma mochila, e uma daquelas malas com rodinhas e uma alça telescópica. Estava bonita a Lídia. O cabelo castanho-escuro comprido e encaracolado caindo de dentro de um gorro de pelúcia sobre os ombros envoltos por um casaco de lã cinza-chumbo, o rosto fino e bem desenhado atrás de enormes óculos escuros, e as mãos delicadas protegidas do frio abraçando o torso esguio enquanto ela batia, impacientemente um dos pés na calçada.
Lídia olhava pros lados, tinha o nariz bonito vermelho. Seria o frio? Podia ser o frio. Foi o que pensou Oscar enquanto se aproximava com seu passo retraído pela calçada, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco preto, o cabelo escuro molhado e jogado pra trás dando-lhe aparência de cantor de tango. Parou na frente de Lídia e olhou pra ela com os olhos apertados e o cenho franzido. Apontou a bagagem no chão com o queixo:
-Até parece que tu tá te mudando.
Ela riu. Brevemente, mas riu. Oscar ficou feliz. Era bom saber que ainda a fazia rir. Ela olhou pra ele.
-Tá quase na hora.
-Eu sei. - Ele assentiu.
Ficaram ali parados, um do lado do outro. Um minuto. Dois. Em silêncio. Quando ele foi falar, ela começou ao mesmo tempo. Ele riu.
-Desculpa, pode falar.
-Não, não, fala, tu. - Ela replicou.
-Não, tu. - Ele insistiu.
Ela concordou:
-Não, eu só ia te perguntar se tu não queria pegar aqueles DVDs... O Antes do Amanhecer e o Antes do Pôr-do-Sol.
-Ah, não... Não... Eu não ousaria te deixar órfã do Jesse e da Céline. Não, mesmo. Como eu iria dormir à noite? Além do mais, foram presentes. Eu não posso pegar de volta.
Ela sorriu sem dizer nada. Olhou pro chão. Olhou pro céu.
-Que tempo feio.
-Eu até gosto. Dias nublados, frios e carrancudos me fazem sentir em casa. Acho que refletem meu estado de espírito permanente. - Ele riu.
-Não é tão permanente. - Ela respondeu.
-Mas tá com frio, né?
-Um pouco. - Ela reconheceu esfregando a mão esquerda no braço direito.
-Tô vendo. - Ele continuou. - Nariz vermelho.
Ela puxou o ar com força pelo nariz, fazendo um ruído.
Ele sorriu olhando pra ela. Viu, bem longe, vindo pela rua de paralelepípedos, o táxi branco e azul do aeroporto.
Ela também viu. Virou pra ele sorrindo.
-É... Aqui vou eu. - Suspirou.
Ele ficou nervoso. Sorriu mas não sabia o que dizer. Pensou em tocar nela. Chegou a erguer a mão, mas deteve-se. Ela ia apanhar a mochila e colocá-la nas costas, mas ele a impediu.
-Não, peraí, deixa que eu pego.
Abaixou-se, e puxou a mochila pela alça grunhindo, estava muito pesada.
-Credo... Olha, não adianta fugir do país pra evitar a lei se tu tá levando o cadáver contigo. - Bufou.
Ela não entendeu a piada:
-Quê?
-Nada. - Ele se endireitou.
Apanhou, também, as duas bolsas de viagem. Ela agarrou a alça da malade rodinhas.
O táxi estava mais perto, agora, menos de duas quadras.
Ela sorriu de novo. O nariz muito vermelho. Seria mesmo o frio?
-Tira essa fantasia de vespa pra me dar tchau. - Ele pediu fingindo intransigência.
Ela riu, enquanto o táxi parava junto ao meio-fio. O motorista desceu do carro, e caminhou a passos lentos até atrás do carro abrindo o porta-malas. Oscar andou com alguma dificuldade até o porta malas e acomodou a mochila e as duas bolsas. Apanhou a mala de Lídia e a colocou ali, também. Ficou um pouco amontoado, mas coube. Ela parou junto à porta do automóvel, os braços estendidos junto ao corpo, ficou ali parada, olhando pra ele. Ele fechou a tampa do porta-malas e teve a impressão de vê-la limpar o rosto. Seria uma lágrima? Estaria ela chorando? Teria alguma dúvida sobre ir, ou não? Ele andou até ela.
-Bom... Parece que é isso.
-É... - Ela confirmou.
-Não vai, mesmo, tirar essa fantasia de vespa pra me dar tchau? - Ele inquiriu.
Ela riu. Tirou o gorro e abraçou ele com força os braços firmes ao redor de seu pescoço. Ele a abraçou com firmeza, também, na altura das costelas.Ficaram assim alguns segundos.
"fica."
Ele quis dizer.
"Fica comigo. Não vai embora. Tu sabe que a gente tem que ficar junto. Pelamordedeus, todo mundo sabe que a gente tem que ficar junto!"
Ele pensou.
"Teu lugar é aqui. Teu lugar é aqui. Não nesse prédio, nem nesse bairro, nem nessa cidade, nem nesse país, teu lugar é aqui, junto comigo, no meio dos meus braços, aninhada no meu peito."
Ele tomou fôlego.
-Tchau.
Ele disse.
-Tchau.
Ela respondeu.
Ele abriu a porta do táxi, ela entrou. Olhou pra ele sorrindo.
-Vou sentir saudades.
-Me manda um postal. Um com a abadia de Westminster, de preferência.
-Eu vou pra Alemanha, bobo. Tem que ser a Marienplatz, de Munique.
-Não seja sovina, é tudo perto praquelas bandas. Pega um trem, vai à Londres e me manda um postal da abadia.
-Tá bem, vou fazer o possível. - Ela concordou.
-Se tu não mandar eu ligo te corneteando.
-Liga, mesmo. - Ela pediu.
Ele fechou a porta do táxi e ficou olhando enquanto o carro partia. Ela acenou brevemente, e então tirou os óculos, e ele podia jurar que, mesmo através da película escura do vidro, viu ela fazer o movimento de apertar o alto do nariz, entre os olhos, com o indicador e o polegar. Pensou em ligar pra ela. Chegou a tirar o celular do bolso. Mas não ligou.
Ela nunca envuou o postal da abadia, ele nunca telefonou. Ela namora um grego chamado Georgious, que acha Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol muito chatos, ele está sozinho, mas disse que está bem. Talvez vá à festa do cunhado na semana que vem, mas não prometeu nada.

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