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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Mais uma de bar.


O Amadeu o Lúcio e o Carlos, sentados na mesa do bar falando de política, futebol e religião... Falavam mal de tudo, já que eram, os três, pais de família frustrados e cheios de amargura. Estavam no bar naquela noite de sexta justamente pra externar as suas aflições mais mundanas e afogar as mágoas mais imediatas com tantos chopes quantos pudessem pagar sem comprometer o orçamento doméstico da semana. Já haviam atacado as esferas municipal, estadual e federal do governo, os três poderes, e a programação da TV. Haviam falado mal da música nacional, e da música mundial, guardaram um pouco do veneno ao falar da música regional, mas apenas tiveram piedade do vanerão e do xote, o resto, não prestava.
Falaram mal da literatura, falaram mal do cinema, dos respectivos times, os dois gremistas, Carlos e Amadeu tinham mais do que se queixar do que o colorado, Lúcio, que ainda assim, conseguiu fazer muitas reclamações. Falaram mal dos patrões, dos empregos, das esposas e dos filhos.
Enfim, estavam acabando os tópicos de quê falar mal até que o Amadeu se levantou pra ir ao banheiro e, quando Carlos perguntou se ele ia querer mais uma saideira, ele se virou movendo apenas a parte superior do corpo e, apontando o indicador, fez que acertava um tiro, enquanto disse "Sim!".
Quando voltou à mesa, percebeu que o seu gesto sem sentido de bêbado trouxera à baila um novo assunto:
-Bond... James Bond... -Disse Carlos imitando, sem lá muito sucesso, um sotaque britânico.
-Porra, esse teu James Bond parece australiano, caralho... - Recriminou Lúcio.
-Mas já teve, né? James Bond australiano... - Arriscou Amadeu, descascando, com dificuldade, um amendoim.
-Que australiano, tchê? O James Bond é inglês, sempre... - Rosnou o Carlos, estranhamente ofendido.
-Não, burro. - Corrigiu o Amadeu. -O James Bond era inglês, mas um dos atores era australiano... Aliás, o Connery é escocês, o Brosnan irlândes, o Dalton galês... Acho que o único inglês foi o Roger Moore... - Completou Amadeu, espantado pela revelação.
Ficaram em silêncio, brevemente, até que Lúcio, pensativo, falou:
-Mas tu disse todos, rapaz. Nenhum desses é autraliano.
-Não, não... - Corrigiu o Amadeu. - Faltou o George Lazenby.
-Quem? - Perguntou o Carlos, bebendo um gole de chope.
-O George Lazenby. Ele foi o segundo Bond, se não me engano. A Serviço Secreto de Sua Majestade, foi o filme que ele fez. O Bond casava com uma mina lá, no final, e o Blofeld matava ela.
-O Bond nunca se casou. - Disse o Carlos, com pouco caso.
-Claro que casou, rapaz. No final de A Serviço Secreto de Sua Majestade. A mulher é uma condessa italiana, lá. Não lembro o nome... - Corrigiu Amadeu, contrariado.
-Casou nada. O Bond jamais se casou. O Bond ficou solteiro pra poder comer todas as mulheres que passaram na frente dele, que é o que eu deveria ter feito se eu fosse esperto... - Disse Carlos, olhando pro infinito.
-Mas aí tem dois problemas, né Carlinhos? Tu nem é esperto, e nem tem cacife pra comer todas as mulheres que passam na tua frente. - Observou o Lúcio, arrancando risadas dos amigos.
Ficaram em silêncio. Comeram amendoim e beberam chope de seus copos. Até que o Lúcio quebrou o silêncio.
-E esse alemão novo?
-Que alemão? - Perguntou Amadeu, distraído.
-Esse alemão que faz o James Bond, agora? O que cês acham dele?
Carlos e Amadeu resmungaram brevemente. Amadeu falou:
-Eu não curto, não... Gosto dos filmes, acho o cara um puta ator, mas ele não é o James Bond. Ele é o dublê inglês do Jason Bourne. Não é o Bond nem fodendo.
-Mas é inglês, né? - Quis saber o Lúcio. - Nascido na Inglaterra, mesmo, e tal.
-É... Acho que é, sim. - Assentiu o Amadeu.
-É... Acho que depois do Connery é o que eu gostei mais. - Completou Lúcio. - Os filmes tem mais ação e tal...
-Eu gosto do Connery. É o original, e tudo. Gosto mesmo. Gosto do Brosnan, também. Especialmente no GoldenEye, mas cara... Vou dizer que o meu preferido era o Timothy Dalton. Velho, o Bond dele era frio pra caralho. Era tão frio quanto o Bond do Daniel Craig, mas era Bond. Ele comia as bond girls, ele bebia o martini batido, não mexido, porra, velho... Permissão Para Matar deve ser o melhor filme de ação e espionagem da franquia... O Timothy Dalton, sim... Esse era o cara. - declarou Amadeu, olhando pro próprio copo.
Lúcio virou-se pro Carlos e perguntou:
-E tu, Carlinho? Qual teu preferido?
O Carlos, amargo, rosnou:
-Qualquer um, menos esse polaco, aí.
-Qual polaco? O Craig? - Quis saber o Lúcio.
-E. - Assentiu o Carlos.
-Mas por quê? - Inquiriu o Amadeu.
-Porra velho...- Começou o Carlos, bebendo o último gole de chope do copo. -Cês viram esse último 007? O último filme? Esse que não teve nome em português? Quantum seiláeuoquê?
-Quantum Of Solace. - Acudiu o Lúcio.
-É. Esse filme aí. - Confirmou Carlos. - Cês lembram das mulheres do filme?
O Lúcio puxou pela memória. O Amadeu, menos bêbado e menos esquecido, lembrou-se rapidamente.
-Arram... Eram aquela inglesa do Príncipe da Pérsia... Cumé o nome dela... Porra, no filme ela era a agente Strawberry Fields! Cara, genial! Como é que chama a atriz? Gemma alguma coisa... E a outra era aquela ucraniana linda demais, a Olga Kurylenko...
-Aí que me refiro. - Disse o Carlos, estendendo a mão como se quisesse pegar o argumento flutuando no ar. Lembra dessa Olga Kurylenko? Lembra dessa mulher?
Lúcio e Amadeu confirmaram suspirando e olhando pra cima.
Pois então. O James Bond lá, comeu a Strawberry Fields, beleza. E a Olga Kurylenko? Ele comeu?
O Lúcio nem se esforçou pra tentar lembrar, olhou direto pro Amadeu que balançou brevemente a cabeça e respondeu:
-Não... Não comeu.
-Arrá! - Esbravejou o Carlos, batendo com a mão espalmada na mesa e derrubando o copo vazio. - Esse filho da puta não comeu a Olga. Não comeu. Porra velho. O James Bond tem a merda da obrigação moral de comer todas as bond girls. TO - DAS! - Frisou, movendo as mãos como se estivesse colocando neón nas sílabas.
-Velho, eu sou casado, eu sou feio, pobre, não posso ficar viajando pelo mundo metendo chumbo e porrada em todos os bandidos que me aparecem pela frente e nem comendo todas as gostosas que passam embaixo da minha vista, então, caralho, metaforicamente falando, o pau do James Bond é o meu pau! E ele tem que ser usado sempre! Sempre!
Carlos terminou o discurso sob os olhares de todos os presentes no bar, cruzou os braços sobre a mesa e deitou a cabeça escondendo o rosto. O Amadeu e o Lúcio não chegaram a ter certeza de que ele estava chorando, mas acharam melhor pedir a conta.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Eu queria ser...


-Eu nunca me imaginei, sabe... Como o personagem principal da história. De nenhuma história. Nem da minha vida. Ás pessoas veem as próprias vidas como um filme da qual são protagonistas, mas eu não... Quando eu penso na minha vida, eu imagino que ela é o personagem principal. A história dela. Os eventos, as coisas que eu presencio... Sempre foi assim. A vida das outras pesoas eram grandes filmes repletos de romance, drama, ação, tragédias e conquistas... A minha não. A minha era um documentário. As outras pessoas eram mártires e heróis nas suas histórias particulares, eu me sentia bem sendo o coadjuvante, entende?
Ela ficou olhando pra ele sem muita certeza de que havia entendido. Foi honesta.
-Não tenho certeza se eu entendi...
Ele suspirou enquanto se virava de barriga pra cima e encarava o teto. Pensou em um símile que pudesse usar de modo a fazê-la entender a que se referia.
-Bom... Pega Star Wars, por exemplo... O personagem central, é o Luke Skywalker, né? É ele o catalisador de toda a trama. É o fato de ele resolver sair de Tatooine e talicoisa que desencadeia tudo, até a morte do Palpatine, certo?
-Certo. - Ela concordou, atenta.
-Bom, a maior parte das pessoas, tem tendência a verem a si próprias como o Luke Skywalker em Star Wars. Claro, pode variar um pouquinho de acordo com a visão de cada um... Tu pode te achar mais Léia... Outra pessoa pode se achar mais Han Solo... De repente tem algum maníaco que se sente mais Darth Vader... Eu não... Se eu fosse imaginar a vida como Star Wars, eu acho que seria o Ben Kenobi...
Ele virou pra ela e sorriu. Ela correspondeu enquanto passava a mão delicada pelo peito dele.
-Sabe... Eu sempe achei o Obi-Wan o cara mais maneiro da galáxia.
Ele riu.
-Achar o Obi-Wan o personagem mais maneiro de Star Wars é a mesma coisa que ter como Beatle preferido o Ringo.
-O molequinho de Simplesmente Amor só conseguia conquistar a Joanna por causa do Ringo.
Ele não disse nada. Continuou olhando pra cima.
-E, sabe... Depois da trilogia nova, com o Obi-Wan do Ewan McGregor, e tal, um monte de gente pode ter começado a curtir o personagem, mas ele já era o meu preferido na época do Alec Guiness... Eu chegava a brincar que era um fantasma da Força e enfrentava stormtroopers e tal... De qualquer forma, eu sempre achei que pra mim estava bom ser testemunha.
Ele se endireitou olhando pra ela, direto nos olhos.
-Mas agora que eu te conheci... Sabe... Me dá um pouco mais de vontade de ser mais catalisador... Mais herói... Até mais mártir se for o caso. Não que eu, de uma hora pra outra, decidi virar o Luke Skywalker, não... Mas talvez, sabe... Quem sabe o Han Solo? Porque eu descobri que tem uma coisa nessa vida que eu não quero ver passar... E é tu.
Ela sorriu envolvendo o seu pescoço com os braços enquanto dizia em seu ouvido:
-Eu te amo.
Ele sorriu enquanto abraçava ela de volta:
-Eu sei.

Contido


Ele sorriu enquanto a via se aproximar. Um sorriso contido que ela, a princípio, não soube bem como interpretar. Ficou na dúvida se ele estava desapontado quando a viu, como se houvesse alguma chance, qualquer chance de ela desapontá-lo.
Não. O sorriso contido, tímido, era apenas uma das muitas características dele. E estava ali, agora, enquanto ela caminhava. Ela sim, de sorriso aberto. Golpeando as pedras irregulares do calçamento da rua com os saltos altíssimos dos sapatos que calçavam seus pés delicados. Ela parou diante dele, maneando a cabeça para tirar os cabelos da frente do rosto, sorria muito, as sombrancelhas arqueadas, empinou o rosto para beijá-lo.
Ele ficou olhando pra ela. Incrédulo. O sorriso contido desapareceu, e seu rosto ficou sério enquanto ele olhava pra ela. Suas mãos se moveram de maneira autônoma até o maxilar dela, que ele apanhou, com os dedos acariciou-lhe os cabelos atrás da orelha, e pousou o polegar sobre a maçã de seu rosto delicado. Sentiu o perfume dela emanar e chegar-lhe às narinas e inebriar-lhe. Fechou os olhos.
Quis dizer a ela o quanto estava feliz em vê-la. Quis dizer que não cabia em si de alegria. Quis dizer que aguardara ansioso pelo momento de vê-la, de tocá-la, de acariciar seu cabelo. Quis dizer que estivera esperando por ela. Não nos últimos dias, não nas últimas semanas, não nos últimos meses, não... Estivera esperando por ela desde sempre. Que ela era a mulher que ele esperava desde antes de se interessar por mulheres. Que chegava a ser suspeito ele tê-la encontrado, ou ela tê-lo encontrado, ele ainda não tinha muita certeza de quem encontrara quem, de qualquer forma... De qualquer forma, ele não sabia como dizer o quanto era bom tê-la ali, ele não sabia como explicar que até a falta que sentia dela era ótima, pois era testemunho de sua presença em algum momento.
Ele quis dizer tudo isso. Mas suas demonstrações de afeto eram tão ou mais contidas que os seus sorrisos, e ele silenciou enquanto se inclinava para beijá-la no rosto e torcia para que ela soubesse, sem a necessidade de palavras, o quanto ele a estimava.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Resenha Cinema: Gigantes de Aço


Se existe um brucutu desvalorizado no cinema, meus amigos, esse brucutu é Sylvester Stallone.
OK, alguém argumentará que ele faturou milhões de dólares nos anos oitenta, e que inclusive tem um Oscar em casa por conta do roteiro de Rocky - Um Lutador, de 1976. OK, verdade. Mas também não podemos esquecer que Sly ainda é uma persona cinematográfica com mais a oferecer do que o freak show pra macho de Os Mercenários. Stallone criou Rocky Balboa, talvez o grande personagem de dramas esportivos do cinema pipoca, ele deu voz e cara a um Rambo que ficou muito maior que o personagem do livro onde foi concebido e ganhou uma sobrevida que já dura quase trinta anos e três filmes com um quarto ensaiando pra surgir. Ele protagonizou filmaços pipoca como O Demolidor, Tango e Cash, Daylight, Falcão - O Campeão dos Campeões, e Cobra... OK, ele fez muita porcaria, também, mas vamos lá, até De Niro e Pacino fazem porcaria pra caramba...
De qualquer forma, eu abri falando de Sylvester Stallone, porque o Sly é, certamente a referência mais óbvia de Gigantes de Aço, filme dirigido por Shaw Levy, egresso de comédias pra toda a família estreladas por Ben Stiller, e estrelado pelo Wolverine Hugh Jackman.
Gigantes de aço se passa em 2020. Com o fim do boxe humano, banido por não ter mais condições de satisfazer uma platéia sedenta de sangue e acostumada aos massacres do MMA, sem colocar a vida dos atletas em risco, surge um esporte muito mais brutal, porém, inofensivo:
O boxe entre robôs.
As máquinas de lutar se entregam à ira de seus controladores e se destroçam em combates ferozes e violentos que se tornam a paixão do grande público e onde, a bem da verdade, ninguém se machuca.
Charlie Kenton (Jackman) é um ex-boxeador que tenta a sorte nesse novo negócio, ele e seu robô Ambush não estão nas grandes ligas profissionais, mas viaja pelo interior dos EUA tentando fazer um trocado com o seu gigante de aço, enquanto foge dos (vários) credores a quem deve. Charlie conhece o negócio, mas é impulsivo e ganancioso demais para o próprio bem.
Em uma dessas viagens Charlie perde seu robô e mais dinheiro do que possui, pra piorar, é surpreendido pela notícia da morte de sua ex-namorada. Sendo o parente vivo mais próximo, ganha a guarda do menino Max (o promissor Dakota Goyo), responsabilidade que promete repassar ao tio do garoto numa negociata após o verão que pretende passar junto do guri.
Juntos, Charlie e Max passam por algumas agruras e veem o novo robô de Charlie, Noisy Boy, reduzido à sucata. Enquanto procuram por peças em um ferro velho, Max se depara com Atom, um antigo robô sparring, que ele apanha pra si.
Atom, apesar de ser um modelo de robô obsoleto, sabe aguentar as mais violentas surras, e, com a dedicação de Max e o conhecimento de Charlie, pode se tornar mais do que um azarão de ferro-velho, e desafiar o invicto campeão Zeus em uma luta pelo título.
Viram? Temos aí o óbvio lutador azarão que pode ter uma grande chance, ou seja, Rocky Balboa, em versão de metal, em Atom. Também temos a relação conflituosa de pai e filho de Falcão - O Campeão dos Campeões, onde o amor entre genitor e rebento floresce em um ambiente violento, a parte rica da família querendo a guarda da criança, etc, etc... Enfim, Gigantes de Aço poderia se chamar "Como a influência de Sly Stallone fez de Transformers um Drama Familiar".
Brincadeiras a parte Gigante de Aço é um bom filme. Não é inovador nem de longe, na verdade é formuláico e previsível até a raíz da alma. Mas tem méritos, entre eles, possuir alma. E coração.
Hugh Jackman é carismático o suficiente pra nos fazer simpatizar com o pai canalha capaz de vender a guarda do filho, é um ator com algum estofo, capaz de convencer como perdedor ganancioso que queria uma segunda chance. O moleque, Dakota Goyo, tem muita química com Jackman, e a interação dos dois convence e até emociona em certos momentos.
O elenco de apoio tem alguns nomes reconhecíveis, como Hope Davis, Kevin Durand, Anthony Mackie e a bonitinha Evageline Lilly. No final das contas, porém, o espetáculo fica mesmo por conta dos robôs.
A fluidez das lutas dos autômatos digitais é excelente, fica difícil não se empolgar nas violentas sequências de luta onde óleo verde, porcas e parafusos voam a cada golpe desferido pelos gigantes de aço criados por Digital Domain, Giant Studios e Legacy Effects em uma mescla de efeitos práticos com modelos de tamanho natural e captura de movimentos. As ótimas sequências de ação nos fazem roer unhas e torcer por Atom, Charlie e Max. As duas horas do filme passam rapidamente, e, ao final, a gente sai com duas certezas:
Primeira, o dinheiro do ingresso foi bem gasto;
Segunda, Sylvester Stallone tem razões de sobra pra se orgulhar do seu legado.

"-Você sabe que está falando com uma máquina, não é?
-Eu sei, Eu sei!"

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Rapidinhas do Capita


Agora, chato, mas chato, mesmo, é o coitadismo que algumas pessoas adoram abraçar. Em especial artistas de diversas esferas. Vamos deixar algumas coisas bem claras:
Se ninguém gosta dos seus filmes, dos seus livros, das suas peças, da sua música ou dos quadrinhos que tu desenha, não é porque as pessoas não entendem a genialidade da tua obra. Não é porque tu está à frente do teu tempo. É porque tu tá fazendo alguma coisa de errado.
As pessoas medíocres que fazem sucesso, como grupos de axé e de pagode, por exemplo, não "se venderam" pra agradar às multidões, apenas souberam que nicho de público explorar, e produzem pra esse nicho. Se tu escolheu um nicho específico, e ainda assim, não consegue fazer sucesso, ou escolheu o nicho errado, ou é incompetente.
Mas não se desespere, mesmo sendo medíocre, aqui no Brasil tu ainda pode virar referência, temos as novelas, temos a lei federal de incentivo à cultura, e temos os pseudo-intelectuais que fingem gostar de coisas medonhas pra posar de cult, tá aí a família barreto fazendo cinema pra provar.
Nem tudo está perdido pra quem não tem talento ou noção...

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Se eu acreditase em Deus, provavelmente acreditaria no diabo, também. Se eu acreditasse no diabo, eu acreditaria no inferno. Se eu acreditasse no inferno, eu provavelmente escolheria acreditar na versão dividida em círculos. Acho maneiro esse lance do inferno dividido em círculos, é uma mitologia legal. Enfim, eu acreditaria nessa versão dividida em círculos, e, acreditando nessa divisão em círculos, eu acreditaria que existe um círculo no inferno reservado aos ingratos.
Nenhum tipo de falha de caráter me deixa mais puto do que a ingratidão. De qualquer forma, é mais um aprendizado. Eu não sou de acreditar na raça humana enquanto instituição, mesmo, porque acreditar em qualquer pessoa em particular, né?

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Os últimos anos vêm sendo terríveis para ditadores e terroristas médio-orientais. O Saddam já tinha sido enforcado algum tempo atrás, mas 2011 se tornou um ano emblemático, já tinham matado o Osama Bin Laden e outros cabeças da Al Qaeda, ontem mataram o ditador líbio Muamar Kadafi.
Deve ter alguma coisa muito errada comigo, eu sempre fico horrorizado, chocado, quase em pânico quando vejo as imagens desses sujeitos momentos antes da morte.
Fiquei chocado com o enforcamento do Saddam Hussein, a quem, já disse, vi apenas como um velho indefeso caminhando para o lugar onde seria assassinado.
A mesma coisa ontem, quando vi o Kadafi, velho, ferido, sendo quase linchado por um numeroso grupo de rebeldes, eu só conseguia me colocar no lugar dele. Em como devem ter sido terríveis aqueles minutos finais, sendo agredido, humilhado e sabendo que iria morrer nas ãos daqueles homens que gritavam ao seu redor.
Deve ter algo muito errado comigo.
Ou deve ter algo muito errado com as pessoas que regozijam ante o sofrimento de um semelhante.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Politicamente Correto


Vivemos em tempos sombrios. É sério. São tempos muito, muito ruins esses em que vivemos. Não vou começar a falar de aquecimento global, de ganância, nem da raça humana em geral, pois disso todo mundo já está careca de saber. Esses grandes males de que todo mundo já ouviu falar e que estão na capa de trocentas revistas e na pauta de trocentos programas, esses grandes temas não satisfazem a minha pequenez. Eu sou sovina, sou chato, e me importo com as pequenas coisas. As pequenas chatices do cotidiano, como o politicamente correto.
Todo mundo sabe o que é o politicamente correto. É igual a religião. Uma ideia arruinada pelo envolvimento humano. Seres humanos são midas reversos. A nossa espécie tem o dom de tirar o valor de tudo aquilo em que toca. O politicamente correto é assim. Era uma boa ideia (OK, não tão boa. Era uma ideia idiota, sejamos francos.), surgida nos EUA para, grosso modo, minimizar a discriminação na linguagem das pessoas de modo a entranhar o respeito pelas minorias no dia-a-dia da população. Negro virou "Afro-americano", homossexualismo, "homossexualidade", nas frases de sujeito indeterminado a expressão "ele', passou a ser "ele ou ela" e outras bobagens igualmente sem nenhuma valia prática, uma vez que o preconceito das pessoas está na cabeça, e não no discurso, e que você pode fazer discursos extremamente igualitários e ser um calhorda preconceituoso. Ainda assim, o politicamente correto cresceu, mudando até o nome dos Direitos do Homem para Direitos Humanos. Passou a reger os livros didáticos, a estar presente nos discursos políticos e no dia a dia das pessoas, fosse nas revistas, nos noticiários, nas novelas, ou nos filmes.
Obviamente o politicamente correto não ficaria sozinho. Imediatamente surgiu o politicamente incorreto, para se opôr à nova filosofia. O politicamente incorreto encontrou no humor um lugar onde podia jogar barbaridades aos quatro ventos e achincalhar a correção política sem se preocupar com consequências, afinal, é humor. Sacha Baron-Cohen, por exemplo, disse e cometeu as maiores besteiras em Borat e Brüno, e na pior das hipóteses, recebeu alguns protestos aqui e ali. Bill Maher é praticamente um cruzado anti-religião, Lewis Black, Chris Rock, Ricky Gervais, o falecido Richard Pryor, todos eles brincavam com questões delicadas em sua comédia. Antissemitismo, racismo, homofoibia, machismo, todas as questões delicadas que praticamente geraram a correção política se tornaram munição pra algumas das melhores piadas das apresentações desses e de outros comediantes. Todo mundo sabe que é uma tremenda bobagem ser preconceituoso com alguém por conta da religião, da cor da pele ou da opção sexual, é uma bobagem tão tremenda, que é risível, e portanto, motivo de piada. Ser politicamente incorreto, porém, não é por si só, garantia de riso. Na verdade, há que goste de grosseria como forma de humor, o sucesso do apelativo Pânico na TV tá aí pra mostrar. O povo gosta de comédia ruim baseada em grosseria desnecessária, mas em geral, fazer rir é muito mais do que apenas ser grosseiro.
Agora temos toda a repercussão do processo que a pseudo-cantora Wanessa Camargo está movendo contra o humorista Rafinha Bastos por conta de uma piada contada casualmente no programa CQC. Marcelo Tas disse, após uma reportagem com Wanessa Camargo, que ela estava linda grávida, ao que Rafinha replicou "Eu comeria ela e o bebê.". Piada de péssimo gosto, claro. Foi além do politicamente correto, ultrapassando a fronteira da grosseria. Óbvio que a piada foi de mau gosto, óbvio que foi grosseira, óbvio que foi politicamente incorreta. Aliás, incorreção política sempre foi uma bandeira erguida por Rafinha Bastos, e também por seu colega, Danilo Gentilli. Em que se pese que nem Bastos nem Gentilli são comediantes dos mais talentosos, ainda assim o humor não deve ser repleto de amarras ou ele perde a graça. Ninguém achou, de fato, que o Rafinha Bastos quisesse comer a Wanessa Cmargo e o bebê dela. Ninguém de posse de suas faculdades mentais sentiria-se impelido a comer a Wanessa Camargo e o bebê dela. Por que toda a comoção?
Se começarmos a proibir as piadas ruins e de mau gosto, como as do Rafinha Bastos e do Danilo Gentilli por que elas podem ofender alguém, logo estaremos proibindo as piadas boas que podem ofender a alguém. Imaginen se eu, como gaúcho, tivesse me sentido ofendido pelo pessoal do Casseta & Planeta e os processado pelas piadas insinuando que todo o gaúcho é homossexual? Provavelmente não daria em nada, pois eu não sou famoso como a Wanessa Camargo, ainda assim, serve como exemplo.
A única barreira que deveria haver ao humor, é ele ser engraçado, ou não. Nenhuma outra, de modo que apenas o silêncio da ausência do riso seja destinado à manifestação que não tem graça, outrossim, estamos apenas dando holofote e audiência às más piadas, exatamente o que quer o comediante medíocre. E, se formos proibir piadas ruins e de mau gosto, olha, amigo, acabou-se o humor brasileiro, e nem seria lá uma grande perda, considerando tudo...

Conhecimento Prévio


Se a Juliana soubesse, quando conheceu o Genaro, que ele iria se tornar um xaropão de marca maior na velhice, não teria, jamais, aceitado o convite dele pra dançar na reunião dançante na casa da Ana Carolina naquele dia de primavera de mil novecentos e noventa e um. Ela jamais teria dançado ao som de Donna, de Ritchie Valens, nem teriam ido assistir à uma peça no teatro da Assembléia Legislativa no dia seguinte.
A Juliana não teria, acidentalmente-de-propósito tocado na mão de Genaro nas poltronas vermelho-escuras do teatro, e eles não teriam bebido uma guaraná Fruki 600 Ml em casco de cerveja, dividindo o mesmo canudo.
Se a Juliana soubesse que o Genaro iria se tornar um sujeito e chato, um resmungão que parecia detestar todo mundo, ela jamais teria ido com ele assistir A Bela e a Fera. Nem teria deixado ele pegar pipocas do do pacote que ela segurou no colo, junto ao peito, nem teria segurado com firmeza a sua mão na hora em que o Gaston apunhalou a Fera nas costelas.
Se a Juliana soubesse que o Genaro seria um ateu misantrópico e intransigente depois de adulto, ela jamais teria dividido com ele as suas memórias infância, nem os melhores anos de sua adolescência, e nem a flor de sua jovem vida adulta. Ela não teria chorado com ele, nem rido às gargalhadas com ele. Não teria passado por perrengues enem crescido junto com ele.
Se a Juliana soubesse que o Genaro não iria mudar com os anos, e que ele se tornaria a aparente vítima de uma maldição que o prendeu no final da adolescência por toda a vida ela jamais teria lhe dado de presente um livro de Star Wars. Ela não teria assistido à ficções científicas com ele, não teria jogado video game com ele, ou o ajudado a organizar seus brinquedos e nem a colocar seus gibis e DVDs em ordem alfabética.
Se a Juliana soubesse que o Genaro seria um marido previsível, um genro fujão e um ser anti-social para com toda a família dela, ela jamais teria dito "sim" quando ele se ajoelhou na frente dela com a caixa do anel nas mãos. Ela não teria perdido o fôlego em antecipação quando caminhava pela nave em direção ao altar onde ele a esperava com um sabre de luz de plástico pendurado na cintura sob o olhar desaprovador do padre que ele desprezava. Ela jamais teria usado o biquíni dourado que ele comprou pra ela na lua-de-mel, ou cogitado Luke e Léia como nomes para os filhos.
Se a Juliana soubesse de tudo isso, ela não teria passado a vida ao lado do Genaro, não teria sido sua amiga, namorada, esposa, nem a mãe dos seus filhos.
O mais estranho é a Juliana agradecer aos céus por não ter ficado sabendo de nada disso préviamente.
Vá entender...

sábado, 15 de outubro de 2011

Chimarreando e proseando


O Álvaro e o Mathias sentados no pátio da casa do Mathias enquanto tomavam chimarrão num final de tarde. O Álvaro nem era tão fã de chimarrão, mas vivera a vida toda no Rio Grande do Sul, então sabia do valor dado por todos à partilha do mate amargo, logo, dispunha-se a tomar uma cuia até a bomba roncar de quando em quando, mais pelo social do que pela efusão em si.
Estavam ali, sentados, sem falar nada, com a garrafa térmica entre os dois enquanto de dentro da casa vinha o som de Wander Wildner. Mathias passou a cuia pro Álvaro, que, antes de levar a bomba à boca, parou um segundo e começou:
-Me diz uma coisa, tchê... Tu acha que eu sou uma pessoa fria?
O Mathias ergueu as sombrancelhas olhando pro amigo, brevemente, como se o medisse pra ter certeza de alguma coisa, e sentenciou:
-Sim.
Álvaro bebendo o chimarrão através de bomba, começou a rir e quase engasgou:
-Não, tchê... Sério.
-Eu tô falando sério, vivente. - Respondeu o Mathias erguendo uma das sombrancelhas.
-Ah, vai se ferrar... - Devolveu o Álvaro, olhando pro outro lado e amarrando a cara.
-Eu não vou me ferrar, não, velho. Tu que vai. E olha... Pelo que tu me disse talvez não demore. - Deixou no ar o Mathias, enigmático.
O Álvaro o encarou entre o surpreso e o irritado:
-Como assim? O que tu quer dizer com isso?
O Mathias deu de ombros:
-Nada.
-Não, não, fala. - Exigiu o Álvaro extendendo a cuia ao amigo.
-Olha... - Começou o Mathias, apanhando a cuia e a enchendo de água quente de novo. - Vou te propôr um cenário. Aí, tu me diz se tem alguma coisa de anormal com esse cenário, pode ser?
O Álvaro encarou o Mathias quase bufando por um instante.
-Não pode, então deixa. - Disse o Mathias, sorvendo o chimarrão.
-Tá... Tá, pode ser. - Aquiesceu a contra-gosto o Álvaro, juntando as mãos apoiadas sobre os joelhos.
-Bueno. Um xirú encontra a mulher mais divertida da face da terra. Bonita, inteligente, engraçada... Ela gosta das mesmas coisas que ele. Vê os mesmos filmes, completam as frases um do outro, se entendem em tudo. O sexo é uma experiência tântrica, cósmica. Por alguma razão, essa mulher perfeita gosta desse traste. Gosta mesmo, inclusive fazendo coisas doidas pra estar com ele. E quando ela faz, esse sujeito, essa imundície em forma de homem, se sente como se pudesse ser mais. Como se pudesse ser melhor. Como se, talvez, ele pudesse começar a acreditar que, entre tanta bosta na vida, alguma coisa boa fosse aparecer...
-Dentre tantos pensamentos sombrios, um vislumbre de esperança e luz... - Interrompeu o Álvaro.
-Te aquieta, seu merda. Deixa eu terminar. Então... Essa fagulha de esperança tá ali. Ele se joga. De cabeça. De corpo e alma. Ele não é burro, nem ingênuo. Sabe que pode dar errado. Sabe que as coisas talvez não acabem como ele espera, mas, puta merda, depois de tudo isso, ele precisa tentar. Então ele vai. Vai fundo. Diz como se sente e o que espera.
Mathias bebeu o chimarrão até ouvir o ronco da bomba. Encheu novamente a cuia com água, e ofereceu ao Álvaro, que a pegou. Então perguntou:
-E então, tchê? Que tal te parece esse cenário? É plausível?
O Álvaro, tomando o primeiro gole do chimarrão, suspirou:
-Parece perfeitamente plausível.
O Mathias sorriu.
-Mais que plausível, né? É absolutamente lógico. Não tem nada de errado com a porra da figura que eu propus. Agora, se eu tivesse proposto um cenário em que o xirú fica se ensebando, em que a guria tá lá, perfeita, sorrindo um sorriso, como era? Do tamanho do sol, e tão lindo quanto, e de braços abertos e esperando, e o vivente não soubesse ou não quisesse demonstrar como se sentia a respeito-
-Ou não soubesse. Ou não pudesse. - Interrompeu novamente o Álvaro.
-Bueno... - Começou o Mathias. - Então talvez esse animal deva aprender, nem que tenha que ler na porra dum livro da Martha Medeiros.
O Álvaro tomou mais um gole do chimarrão. Então devolveu a cuia ao Mathias.
-Essa porra já tá lavada. Fui lá. Se falemo amanhã.
Levantou-se e saiu, sabendo que, talvez, o Mathias estivesse certo.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Só um susto


O Sávio vinha voltando pra casa do trabalho como fazia todos os dias por volta das seis e meia. Andando no seu passo tranquilo pelas ruas abarrotadas de gente morrendo de pressa. Carregava consigo a sacola do super mercado com a garrafa de suco de uva, o mix de castanhas e os ingredientes pra fazer um sanduíche decente mais tarde. Carregava também o gibi do Homem-Aranha daquele mês, a Superinteressante e um encadernado da Liga Extraordinária que ele não tinha muita certeza se era o capítulo imediatamente posterior ao último que havia comprado ou se a editora brasileira ferrara a sua cronologia da obra de Alan Moore.
O Sávio caminhava meio alheio a tudo, até que passou em frente à uma dessas barraquinhas improvisadas que vendem churrasquinhos e resolveu comprar um para fazer um agrado ao seu cachorro depois de levá-lo pra passear. Após pedir um espetinho de carne que certamente agradaria ao seu fiel amigo canino, Sávio comprou uma Fanta e sentou-se a folhear uma das revistas que trazia consigo, enquanto a velhinha aquecia a carne que seria dada ao cão.
Foi enquanto Sávio folheava a revista que sua visão periférica percebeu a saia curta, esvoaçante e colorida com um estampado floral de uma moça particularmente atraente que passava, e ergueu os olhos para contemplar a visão em todo o seu esplendor. E foi após acompanhar brevemente o gingado gracioso da moça em questão que o Sávio percebeu, do outro lado da rua, a Janaína conversando com um sujeito.
Janaína não era namorada de Sávio, que fique bem claro. Ela jamais dissera ou fizera qualquer coisa que pudesse levar Sávio a pensar nesse sentido.
... Bom... Talvez ela tenha feito uma coisa ou duas pra levar Sávio a crêr nessa possibilidade remota. Mas jamais confirmara nada. Sávio, também, jamais perguntara nada. Ele nem sabia de quê tinha mais medo de ouvir seguindo-se à pergunta "Nós estamos namorando?".
Uma resposta negativa não seria apenas humilhante, seria trágica, pois de certo modo mostraria à Janaína o quanto ela estava no comando daquela relação indefinida, mas também quão superior ao Sávio ela era em termos de maturidade. Era a última coisa que o Sávio precisava, mostrar a Janaína que ela era superior a ele em mais um aspecto, como se já não bastasse o físico, intelectual, sexual e financeiro.
Uma resposta positiva apavorava Sávio igualmente, pois o que um sujeito como ele, um bobalhão, looser que usava cueca de super-herói aos trinta anos de idade e que comprava gibi na banca ansioso que nem piá tinha a oferecer à uma mulher como a Janaína? Sua coleção de DVDs e encadernados da Marvel? Seus brinquedos de Star Wars? Oh, não. Se Janaína chegasse a dizer ao Sávio que sim, era sua namorada, ele passaria a conviver com a sombra agourenta da ameaça de um homem melhor e mais interessante do que ele, ou seja, quase todos, surgir e roubar-lhe a dona de suas afeições. Aliás, nem roubar-lhe, pois ele não se sentia nem um pouco dono dela.
Agora, ali estava ele, camiseta da Aliança Rebelde, sentado no cordão da calçada, com um gibi do Homem-Aranha na mão, olhando com a cara de alguém que teve as entranhas arrancadas de dentro de si, enquanto a Jana, do outro lado da rua conversava com um mocorongo de cabelo estiloso e camisa polo da Mark Ecko sem poder dizer ou fazer nada.
Sávio chegou a pensar em se levantar decidido, jogar os gibis, as castanhas e o suco no chão, caminhar até lá, esmigalhar o crânio do mauricinho à porrada, catar a janaína pela cintura, tirando os pés dela do chão e tascar-lhe um beijo cinematográfico.
Mas aí, lembrou-se que ia estragar os gibis, que adorava o suco, que estava louco de vontade de comer os pistaches, que o curto período que dispendera aprendendo artes marciais provavelmente não seria o suficiente pra esmagar a cabeça de ninguém, e que não tinha nenhum direito de se intrometer na vida da Janaína, que era livre e desimpedida pra fazer o que quisesse.
Sávio ficou olhando a conversa dos dois com o rabo dos olhos, e quando ela tocou no braço dele e sorriu, ele não pôde deixar de desejar que o rinoceronte da marca da camisa do sujeito saltasse do cretino e sapateasse em cima dele e depois perseguisse a Janaína por uns quatro quarteirões.
Só pra assustar ela um pouco, mais nada.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Resenha Cinema: A Hora do Espanto (2011)


Eu gosto de cinema pra reflexão... Sério, gosto mesmo. Provavelmente quem acompanha as minhas resenhas aqui no blog duvida. Mas eu curto. Eu acho bacana ver filmes que queiram ensinar alguma coisa. Acho que, todo o tipo de experiência cognitiva que temos, leitura, música, cinema, e talicoisa, devem trazer alguma bagagem que tu possa usar de alguma maneira no futuro, te ensinar uma lição que vá ter valia na tua vida prática em algum momento, ou te dar ferramentas pra melhorar como pessoa. Ontem eu fui ao cinema e vi um filme que me ajudou a refletir e que me ensinou uma lição importante... Bom, ensinar, não ensinou, pois eu já sabia. Me refrescou na memória uma lição importante.
O filme em questão foi A Hora do Espanto, remake do longa homônimo de 1985 em que um jovem descobria que o seu vizinho era um vampiro. Era uma mistura de terror e comédia como foram muitos filmes dos saudosos anos oitenta, e fez tanto sucesso que rendeu, inclusive uma continuação não tão bem sucedida em 1988. Eu me lembro de ter assistido A Hora do Espanto em uma Tela Quente, na praia, provavelmente no verão de 88, mesmo, pois no intervalo, anunciaram a continuação "em breve nos cinemas". Pois é, teve uma época em que um filme levava três anos pra ir, do cinema, à TV, crianças. E sem downloads...
Enfim, ontem fui ver o remake, que, confesso, sempre me deixam com um pé atrás. Entretanto, o elenco da nova versão, com vários atores cujos trabalho conheço e admiro, acabaram me convencendo a arriscar, e, devo dizer, não me arrependi.
Novamente nos vemos diante de um jovem tímido, Charley Brewster (Anton Yelchin, o Chekov de Star Trek), um ex-nerd que agora namora a gatinha Amy (Imogen Poots), e vive com sua mãe (Tony Collette) em um condomínio afastado nos arredores de Las Vegas.
Alertado por seu ex-melhor amigo Ed (Christopher Mintz-Plasse, o McLovin, de Superbad), Charley acaba descobrindo que seu novo vizinho, o bonitão Jerry (Colin Farrell), pode ser um vampiro, e responsável pela série de desaparecimentos ocorridos na região recentemente.
Inicialmente Charley considera a ideia toda uma bobagem, entretanto, após presenciar fatos suspeitos e iniciar uma investigação por conta própria, o rapaz se vê, não apenas acreditando no vampirismo de Jerry, como também se vê na mira do vizinho. Sem mais ninguém a quem recorrer, Charley busca a ajuda de Peter Vincent (David Tennant), um mágico e auto-proclamado mestre das artes ocultas e caçador de vampiros.
Não é, assim, na premissa, muito diferente do original, Há, claro, novidades e variações nessa versão, mas não vou ficar estragando a brincadeira pra quem quer descobrir as diferenças todas. O filme mantém-se fiel ao original, é unicamente um longa pra divertir. Embora existam algumas referências à questões como sexualidade (Bem mais discretas que as dos dois longas originais), amadurecimento, e confiança, elas ficam todas em segundo plano, pois A Hora do Espanto mostra logo a que veio: É um filme de vampiros.
Aliás, há que se louvar os roteiristas Marty Noxon e Tom Holland. Em tempos de tantas "liberdades criativas" tomadas com relação aos vampiros, eles se apegam às mais tradicionais fraquezas e forças dos mortos-vivos. Alho, água benta, símbolos sagrados empunhados com fé verdadeira, fogo, estacas no coração, está tudo lá. Saem os rapazes emos, purpurinados, vegetarianos e alérgicos à vaginas de Crepúsculo e entram Jerry e seus asseclas, vampiros na assepção da palavra, criaturas perversas que desejam sobreviver, não refletem em espelhos nem são capturados em filmagens e que temem a luz do dia. Nem as balas de prata, originalmente feitas sob medida para matar lobisomens e que, nos últimos anos, andaram dando as caras na mitologia vampírica (Eu tenho uma vívida lembrança de que balas de ouro é que eram utilizadas para destruir vampiros...) escapam da correção.
Além, claro, da mitologia vampiresca sendo respeitada, há que se ter mais do que isso para segurar um filme. Por sorte há boas sequências tanto de terror, que criam alguma tensão, quanto de humor, a maioria protagonizada pelo Peter Vincent de Tennant. O escocês não tem a mesma presença que Roddy McDowell, o caça-vampiros original possuía, mas, até por ser um personagem com uma proposta diferente, isso fica perdoado. Vincent é um mágico beberrão que se veste e se apresenta ao estilo Criss Angel, o que, por si só, já daria origem a boas piadas. Os demais integrantes do elenco também fazem bons trabalhos, Yelchin convence como adolescente ex-nerd, Imogen Poots é uma gracinha e sua Amy ainda exala sensualidade o suficiente pra um filme de vampiros, Tony Collette é ótima, e só acrescenta ao elenco, e Colin Farrell parece se divertir demais no papel do sanguesseuga chefe, inclusive superando o trabalho do Jerry Dandridge original, Chris Sarandon (Que aparece em uma ponta no novo longa.).
A versão em 3-D que eu vi não tem grandes atrativos, apesar de o filme ter sido originalmente rodado no formato tridimensional, o que garante que o filme não fique horroroso como Fúria de Titãs, convertido na pós-produção, á exceção de cuspir algumas coisas na cara da platéia e um efeito bonito de faíscas voando, não tem nenhum arroubo, então, se quiser economizar uns trocados, veja em 2-D, mesmo, pois não faz diferença.
No final das contas, A Hora do Espanto diverte, é um filme bacana, que não procura oferecer mais do que possui. E, claro, ensina uma lição:
Vampiros são monstros!
O cinema funciona bem melhor quando os "visionários" atrás das câmeras lembram disso.

"-Esse cara não está deprê, ou apaixonado, ele não é um rapaz nobre, ele é a porra do tubarão de Tubarão! E me ofende você pensar que eu li Crepúsculo..."

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Fonte do Oriente


Ela ficou o encarando brevemente como se não houvesse entendido exatamente o que ele havia dito:
-Sério, isso? - Inquiriu, com a sombrancelha bem erguida.
-Sério. - Ele confirmou, tranquilo.
Ela balançou a cabeça, incrédula.
-Eu não acredito...
Ele sorriu sem dizer nada.
-Mas tipo... - Ela começou, mas deteve-se. Pensou um segundo, respirou fundo, e retomou:
-Tu sabe que isso não tem nenhum fundamento, né?
-Eu sei... - Ele disse olhando pro outro lado. Mas então a encarou e completou:
-É igual religião.
-Ah, não - Ela disse. - Eu não vou entrar nessa discussão contigo. Isso é muito particular. Mas esse lance... Quer dizer...
A discussão toda era porque ele comprava sempre a água mineral São Lourenço. E, quando ela perguntou se aquela era a preferida dele, ele respondeu que só comprava sempre aquela por causa do lance da Fonte Oriente, escrito no rótulo. Quando ela perguntou se a água da tal da fonte do oriente era particularmente boa, ele disse que não sabia, mas "Admirava a ideia de que essa água saciava a sede dos beduínos que cruzavam o deserto levando especiarias do Oriente Médio à Europa através da África.", ela quis então, saber onde ficava a fonte, e ele respondeu que preferia não saber pra manter a ilusão.
Imagine, só, logo ele, o maior entre os incréus, o destruidor de ilusões, o assassino de esperanças, o cara que, se morresse, e no paraíso fosse recepcionado por São Pedro, diria "Karl Marx, você por aqui?", querendo manter a ilusão? Ah, não. Mas não, mesmo. Não senhor.
Ela prosseguiu:
-Tu não pode escolher a água mineral pelo nome... Especialmente por um nome que tu só escolheu aí, porque acha que mais ou menos parece com alguma coisa que tu inventou...
Imediatamente ela sacou o telefone celular da bolsa e se pôs a mexer nas teclas em busca do sinal à internet e do arauto mágico de todo o conhecimento de nosso tempo, o Google. Antes que ela terminasse de digitar o nome da água e da fonte, ele a interrompeu:
-Para, guria... A fonte oriente fica em Minas Gerais. Na cidade de São Lourenço... Por isso o nome da água.
Ela desligou o acesso à internet e ficou olhando pra ele com o cenho franzido, muito séria.
-Por que essa bobagem, então, homem de Deus? Só pra me incomodar?
Ele deu de ombros e improvisou um sorriso:
-Tava brincando, só...
Ele não disse que, ás vezes tinha muita dificuldade pra lidar e aceitar tudo o que ela era. E, inconscientemente, de vez em quando, ele, mesmo que brincando, inventava uma bobagem pra tentar se colocar no lugar dela. E ver se conseguia entendê-la melhor, e entender porque gostava tanto dela.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Rapidinhas do Capita


Não existe, sabe? Nada de errado em sonhar. Em se nutrir um pensamento sem lá grande certeza de que vá, de fato, se tornar realidade. - Ele disse.
Caminhou até o lado dela, e sentou-se. Olhou em volta.
-Se tu parar e analisar, é tudo tão cru... Nos jogam bem na cara que a possibilidade de um final feliz é ínfima sempre, e aparentemente tudo o que nós fazemos só vai tornando mais e mais improvável que as coisas acabem como a gente quer, que... Sei lá. Ás vezes, pra certas coisas, o canal, mesmo, seria abraçar a impossibilidade. Saber que, mesmo que as coisas que queremos não pareçam possíveis, elas não são impossíveis. E lembrar que, a maior parte das coisas impossíveis só foram impossíveis até alguém fazer. Acho que, no final das contas, essa perspectiva... Essa possibilidade, ela tem que estar ali. Ela é meio que, o combustível da vida, manja?
Ela o encarava muito séria. Abriu um sorriso discreto:
-Esse otimismo todo não faz teu gênero.
Ele sorriu, também.
-Pois é. Eu sei. Se te perguntarem tu não ouviu isso tudo de mim, beleza?

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Ele segurou as mãos dela entre as suas, estava olhando-a nos olhos. Estava tudo preparado. Ele tinha quase certeza de que ela era especial. De que era a escolhida. Mas faltava um detalhezinho. Uma coisinha, pra ter certeza.
-Amor... - Ele começou. - Se a tua vida tivesse trilha sonora... Tu gostaria que ela fosse assinada por quem?
Ela ficou olhando pra ele em dúvida. Olhou pra cima e suspirou:
-Tipo... Tipo que nem trilha sonora de filmes, assim? Cada situação da minha vida teria uma música?
-É - Ele respondeu. -Tua vida teria temas musicais igual no cinema. Músicas pra quando tu estivesse triste, feliz ou vivesse um momento de triunfo... Se fosse assim, quem tu gostaria que assinasse a trilha da tua vida?
Ela ficou pensando brevemente. Deus um suspiro, e então fez "Ah!", enquanto erguia a mão:
-Já sei! Ia ser do Coldplay.
-Do Coldplay? - Ele perguntou sem conseguir esconder a decepção na própria voz.
-Sim. - Ela confirmou. -Por que, não? Tu gosta de Coldplay... Mais que eu, até.
-É... É uma banda boa, sim. - Ele confirmou. Levaram o resto da noite normalmente, sem nenhum arroubo. No fim, ele a deixou em casa e a beijou mecanicamente, dizendo "Nos vemos amanhã". Ele gostava de Coldplay, sim. E gostava dela. Mas a resposta correta, seria John Williams. Se ela tivesse dito John Williams, ele teria disparado Across The Stars no MP-3 player e dito, finalmente, que a amava. Ele teria aceitado Ennio Morricone. Afinal, a Untouchables End Credits também serviria a esse propósito, até Howard Shore teria feito o serviço com The Return of The King. Mas Coldplay... Coldplay não matou o que ele sentia por ela, de forma alguma, mas certamente fizera-o pensar melhor.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Resenha Cinema: Contra o Tempo


Foi na calorenta noite de sábado que, munido de um generoso milk shake de chocolate, fiz umas das coisas que eu mais gosto nessa vida:
Assisti a um bom filme de ficção científica no cinema. Confesso que não tinha me extendido muito nas notícias a respeito de Source Code, título original do longa em questão, aqui, batizado de Contra o Tempo(em mais uma demonstração de que acabou a época em que os títulos em português dos filmes eram tão bons ou melhores do que em inglês.), de modo que eu não sabia bem o que esperar do longa, exceto o que mostravam os trailers.
O que eu sabia, é que era o segundo longa metragem de Duncan (filho de David Bowie) Jones, diretor do excelente Lunar, ficção científica cabeça, extremamente bem realizada com um orçamento visivelmente apertado. Também sabia que era estrelado pelo ex-caubói gay Jake Gyllenhaal (Desculpe, Jake, até tu ter algo como o Coringa na bagagem, tu vai contnuar sendo um Caubói Gay como forma de identificação.), pela bonitinha Michelle Monaghan, pela estranhamente atraente Vera Farmiga e que ainda tinha Jeffrey Wright no elenco. Ainda assim, com tão pouco conhecimento sobre o filme, cujos trailers prometiam uma trama elíptica ao estilo O Feitiço do Tempo, Meia-Noite e Um, e outros menos conhecidos, fiquei curioso pra ver Duncan Jones trabalhando com um orçamento mais generoso e com um elenco mais numeroso.
O resultado agrada bastante, mas fica devendo ao longa de estréia do realizador.
Na trama conhecemos o capitão Colter Stevens (Gyllenhaal), militar do exército dos EUA, que acorda dentro de um trem rumando para Chicago, diante de uma moça que parece conhecê-lo. Stevens não sabe o que está acontecendo, nem porque suas últimas memórias são de estar voando no Afeganistão. Enquanto tenta descobrir o que está acontecendo, Colter e todos os passageiros do trem são surpreendidos pela explosão de uma bomba!
É quando o filme realmente começa. Colter desperta após a explosão em uma cápsula. Através de um monitor, recebe ordens de uma militar chamada Goodwin (A excelente Vera Farmiga), e descobre-se dentro de um programa de computador chamado Código Fonte.
Através do Código Fonte, a agência de segurança norte-americana é capaz de posicionar um dos seus homens no corpo de uma pessoa de quem tenham recolhido massa encefálica, e dar acesso à todas as memórias dessa pessoa pelos últimos oito minutos de sua vida. Coulter foi colocado no corpo de um dos passageiros do trem para encontrar o responsável pela bomba e identificá-lo de modo a garantir que as autoridades o peguem antes que ele seja capaz de realizar um segundo atentado.
Conforme luta para encontrar o terrorista dentro do trem, Coulter se afeiçoa a Christina Warren (Monaghan), e tenta descobrir o que aconteceu a ele antes de estar preso na cápsula que o abriga entre as suas entradas no Código Fonte.
O filme é bom. Divertido e instigante, em muitas oportunidades te deixa sentado na ponta da cadeira, querendo saber o que acontecerá a seguir, e até chega a ser chocante (se tu for muito sensível.) em alguns momentos. A direção de Jones é segura, e o bom elenco segura a onda com competência.
O roteiro de Ben Ripley, porém, tem lá seus furos, e não passa por um escrutínio mais criterioso, já que, no segundo ato, contraria algo especificado no primeiro, e no terceiro, contraria o que fora estabelecido no segundo, abraçando-se na teoria das linhas de tempo paralelas geradas por ações no passado sem explicar muito bem como foi possível que as tais novas linhas se formassem.
Porém, se você não for um físico, estiver com a suspenção de descrença em dia, e for capaz de relevar algumas escorregadas eventuais do roteirista, vai gostar do filme, e se divertir bastante.

"O programa não foi criado para alterar o passado. Ele foi criado para afetar o futuro."