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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Casual


O Thales e o Érico, escorados na parada do ônibus após o futebol, tinham no rosto expressões de cansaço.
Estavam cansados, claro, por causa do esporte. Haviam passado uma hora de intensa correria chutando bolas, dando trombadas e trocando caneladas com outros marmanjos. Agora, sorviam com sofreguidão uma água com gás e uma Pepsi, respectivamente, e esperavam o ônibus ou uma lotação. O que aparecesse primeiro.
O Érico volta e meia se agachava e colava sua lata de refrigerante na canela, ele, que era mais habilidoso com a bola no pé, apanhara feito um cachorro do Mauro, um tanque de guerra forjado na construção civil, lutador de jiu-jitsu extremamente camarada mas que tinha de estabanado o que tinha de gentil. E era muito gentil.
Thales estava bebendo sua água e olhando pro infinito pro lado de onde vinha o ônibus ou a lotação que o levaria, através de dois ou três bairros, de volta à sua casa. Tinha o olhar perdido. Suara muito jogando bola, ele suava muito sempre, mas jogando futebol, de camiseta e colete para identificar os times, vertia suor como se tivesse saído de uma sauna. Não falara muito durante a partida, ele, conhecido por ser um resmungão de marca maior. Agora, também. Apenas respondera com monossílabos aos comentários de Érico, que já estava estranhando o amigo.
Resolveu falar com Thales, agoniado que estava com o silêncio:
-Viu o trailer do Motoqueiro Fantasma?
-Arram.
-Bala, né? Achei legal. Mesmo com o Nicolas Cage...
-Como assim, "mesmo com o Nicolas Cage"? - Perguntou o Thales com uma ponta de indignação na voz.
-Ah, o Nicolas Cage já era, né, meu? O tempo do cara já passou, ele anda fazendo bomba em cima de bomba. Acho que nem anda lendo os roteiros mais, ele chega lá, faz as cenas e pega o cheque pra voltar pra casa, porque tem uns lances que não tem explicação, o que foi aquele Fúria Sobre Rodas, velho?
-Eu acho ele um baita ator. Um dos melhores da sua geração. E acho louvável que ele não se leve a sério demais. É um cara que tá sempre disposto a arriscar a imagem e fazer um filme malucão, obscuro, ou ruim, mesmo, admito. Mas ele não se sentou na sombra do Oscar e se acomodou, ele seguiu experimentando e fazendo tanto entretenimento puro, quanto filmes mais densos. Eu acho muito engraçado essa mania que as pessoas têm de julgar os outros sem ter conhecimento pleno dos fatos, sem saber por que angústias e dores elas passaram pra chegar a uma decisão, sem saber do que elas abriram mão ao fazer essa ou aquela escolha. Quem é que pode se colocar o lugar do Cage e dizer, com propriedade, onde ele estava com a cabeça quando resolveu fazer Perigo Em Bangcok? Como é que alguém se julga no direito de julgar ele por Caça as Bruxas? Será que as pessoas que achincalham ele fazem ideia do que ele estava passando na sua vida privada quando resolveu fazer esse filme? Será que alguém imagina que ele simplesmente achou que seria legal afundar a carreira dele com coisas como 60 Segundos e O Sacrifício? Esse é o problema do mundo, velho, as pessoas ficam julgando os outros baseados em fragmentos de fatos, totalmente desinformadas e baseadas em emoções conflitantes, as pessoas ficam com inveja, é isso aí, mesmo, invejinha, não fazem a mais remota migalha de ideia do que existia entre ela e eu e ficam se colocando no direito de julgar o que aconteceu com...
O Thales percebeu quando o Érico ergueu só uma sobrancelha bem alto, quase tocando no próprio cabelo sem dizer nada
-... O Cage... Ele teve até que vender os gibis dele por causa do contador e... Esse ônibus é um lenda, hein, tchê?
O Érico pigarreou enquanto bebia o último gole de sua Pepsi, e olhou pro lado de onde viria o ônibus ou a lotação:
-E tua tia? Como tá?
-Tá na fisioterapia. - Respondeu o Thales. -Mas acho que não vai adiantar. Ela é preguiçosa, não quer fazer os exercícios.
-E aí? - Inquiriu o Érico.
-E aí... E aí... - O Thales apertou os olhos e esfregou a mão na cabeça desmanchando o coque que improvisara pra arejar a nuca. - E aí, não sei, velho... Não sei mesmo. Eu não posso continuar nessa, mas se não for eu... Quem?
-Parceiro... Não carrega o mundo nas costas, não. Faz mal pra coluna, tá ligado?
Thales riu enquanto derramava a água da garrafa na cabeça.
-É... No mínimo.
Continuaram em silêncio por longos minutos, olhando na direção em que o trânsito ia dos bairros ao Centro, viram quando surgiu a lotação Ipanema à distância. Thales secou o cabelo sacudindo a cabeça feito um cachorro, provocando protestos de Érico.
Enquanto faziam sinal pra que o coletivo parasse, Érico começou:
-E o Homem-Aranha, meu? Fez até pacto com o diabo, né?
-Porra, meu, isso já faz quase dois anos...
Subiram na lotação, rindo.
Como dissera Gimli em O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, "Continuar respirando, essa é a chave.".

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